Falta de projetos, planejamento, tecnologia e materiais adequados fazem
com que os pavimentosdas rodovias brasileiras custem muito caro, durem
pouco e exijam muita manutenção
Dono de uma das maiores malhas rodoviárias do mundo, nada menos que 1,7 milhão de quilômetros de estradas, o Brasil não está, no entanto, como um dos maiores da pavimentação: desse total apenas 165 mil km de rodovias estão pavimentadas. Para completar, pesquisas como a da Confederação Nacional de Transportes (CNT) de 2007, apontam que de 87.592 km analisados, apenas 26,1%, ou 22.893 km, poderiam ser apontados como estradas boas. O restante, 73,9%, tem toda sorte de problema: buracos, pavimento ruim, drenagem obstruída, deterioração são apenas alguns deles. Tráfego excesso de pesado, falta de manutenção preventiva, de conservação – afinal, qual é o maior problema das estradas brasileiras? Seria possível projetar e construir um pavimento perfeito que pudesse amenizar ou solucionar, por um tempo mais duradouro, todos esses problemas? A Revista O Empreiteiro ouviu especialistas e empresas para saber quais são as principais evoluções na área e o que poderia ser feito para melhorar as estradas do País.
A professora Liedi Bernucci, do Laboratório de Tecnologia de Pavimentação da Universidade de São Paulo (USP), explica que a conservação das estradas brasileiras, em grande parte, ainda não é feita como deveria, seja por falta de recursos, regularidade, cadastro, projetos e planejamento. Mesmo para aquelas vias que recebem manutenção, há possibilidades de os problemas voltaremem curto prazo, já que, muitas vezes, as técnicas empregadas durante esses trabalhos não são adequadas à rodovia. O resultado é os reparos duram pouco.
"Não existe solução definitiva em obras de engenharia. Há sempre um período de vida útil. Do ponto de vista de engenharia de estradas existem soluções de curto, de médio ou mesmo de longo prazo. Depende da estrutura colocada, do tipo de asfalto empregado, da espessura da camada de revestimento empregada, dos insumos, dos agregados, em suma, dependem de vários fatores a durabilidade e a qualidade do serviço", explica Bernucci.
Para ela, um pavimento asfáltico excelente é aquele que demanda manutenção a cada 10 ou 15 anos, dependendo do tráfego e das condições climáticas. "Existem exemplos de rodovias com revestimentos asfálticos cuja vida do revestimento durou mais de 20 anos, ou seja, levou esse tempo para receber o primeiro recapeamento", observa.
O responsável pelo gerenciamento de obras da CCR NovaDutra, o engenheiro Décio de Rezende Souza, afirma que nos Estados Unidos está em desenvolvimento o conceito do pavimento perpétuo que é definido como pavimento dimensionado para durar 50 anos com intervenções a cada 10 anos somente na camada superficial de concreto asfáltico, com espessuras na ordem de 5 cm.
No Brasil, a técnica rodoviária tem se desenvolvido com a utilização de asfaltos melhorados com polímero ou borracha de pneus, cujo custo, entretanto, é mais elevado. Esses materiais privilegiam o conforto e a segurança do usuário da rodovia. Também está ocorrendo a aplicação mais sistemática e obrigatória de algumas práticas que já existiam como o tratamento e controle deflectométrico das camadas finais de aterros e cortes e a instalação de sistemas de drenagem sub-superficial contínua do pavimento.
"Dentre os conceitos modernos de pavimentos podemos citar o Stone Matrix Asphalt (SMA), o Beton Bitumineux Très Mince (BBTM), o Gap Graded com asfalto borracha e a Camada Porosa de Atrito (Open Graded Asphalt), que estão voltados para maior durabilidade, melhoria das condições de atrito pneu-pavimento e redução do spray (água jogada pelo veículo à frente no para-brisa do que está atrás)", afirma Souza.
O engenheiro observa que, mesmo com a utilização desses tipos de pavimento, o objetivo maior está na busca do atendimento à vida útil do projeto, que normalmente é de 8 a 10 anos. "No Brasil, o maior desafio na conservação é o dimensionamento das equipes e a logística operacional para manutenção das boas condições do pavimento, principalmente no período chuvoso de Julhoembro a março", observa.
Tudo porque, neste período, a deterioração pode aumentar devido ao excesso de carga nos caminhões e carretas, condição que acelera em muito o desgaste do pavimento, reduzindo a vida útil projetada. Outros itens que contribuem para o desgaste são o alto índice de tráfego de caminhões, carretas, bitrens e ônibus – com participação de 30 a 50% na quantidade de veículos médios diários, além da alta pluviosidade.
A doutora em engenharia civil, com ênfase em engenharia de transportes, a professora da Universidade Mackenzie, Rita Moura Fortes, afirma que tanto o pavimento asfáltico quanto o pavimento de concreto, utilizados nas rodovias brasileiras, precisam de uma obra de engenharia baseada no projeto adequado, na escolha apropriada dos materiais, na execução seguindo as boas práticas de engenharia e controle tecnológico e de qualidade efetivos. "O ideal é que exista um plano de qualidade da obra. Existem diversos tipos de cimento asfáltico de petróleo, assim como emulsões que podem ser utilizados em diferentes tipos de revestimentos asfálticos, aplicáveis para cada caso. O mesmo pode-se afirmar em relação ao pavimento de concreto de cimento portland, não se esquecendo que a excelência só e possível quando atendidas as premissas do projeto adequado, escolha dos materiais e execução seguindo as boas práticas de engenharia", observa.
As empresas que detêm algumas tecnologiaspara essa fabricação estão numa corrida contra o tempo para colocar esses materiais no mercado. A Kraton Polymers é uma delas e está desenvolvendo, nos Estados Unidos, juntamente com a Delft University of Techonology, um tipo de polímero que, adicionado ao asfalto, pode trazer maior durabilidade e vida útil às vias pavimentadas. O gerente de vendas da Kraton Polymers do Brasil S.A., Daniel Hamaoui, explica que, atualmente, a grande maioria dos asfaltos existentes traz, em média
, 4% de polímeros. "Quando aumentamos a quantidade de polímeros, aumenta também a massa asfáltica, trazendo com isso dificuldades para o armazenamento, para o manuseio. A Kraton desenvolveu uma molécula com alta concentração de polímero que poderá ser utilizada em asfaltos, mas sem esses problemas da concentração do polímero normal", explica.
Segundo ele, os testes ainda estão sendo feitos em modelagens finitas, em pavimentos com duração de 10 a 15 anos. O novo polímero deve reduzir a espessura das rodovias – hoje em média de 10 polegadas de aslfato – para cerca de 6 polegadas.
Mas, por enquanto, essa nova molécula de polímero ainda está em fase de testes nos Estados Unidos, explica Hamaoui. A expectativa é que até o próximo ano, ela entre em comercialização. Mesmo assim, o Brasil ainda terá de esperar um pouco: assim que os estudos com o novo polímero forem finalizados, é a vez de testar a sua aplicabilidade nas rodovias brasileiras.
Enquanto os novos produtos não chegam ao mercado, para o engenheiro Décio de Rezende Souza é preciso a promoção de conscientização dos danos que o excesso de carga traz para o pavimento e, ao mesmo tempo, a aplicação de uma fiscalização efetiva nas poucas balanças instaladas, além do aumento da quantidade desses sistemas de pesagem nas rodovias pavimentadas.
"A construção de novas rodovias dimensionadas para cargas com excesso exigirá uma espessura maior dos pavimentos e as tornarão mais caras. O problema persistirá nas atuais rodovias que não foram dimensionadas para este peso e, por consequência tem suas conservações mais caras e as restaurações efetivadas antecipadamente pelo encurtamento das vidas úteis, o que resultará, também, em aumento de custos", reflete.
Souza enfatiza outro aspecto, que já está sendo percebido pelos engenheiros rodoviários brasileiros – a necessidade de modernização das especificações rodoviárias do país para pontes e pavimentos no sentido de acompanhar a evolução dos veículos fabricados no Brasil. "É que essa frota está sendo fabricada com um maior número de eixos. Carretas de 7 e 9 eixos já representam um percentual representativo em nossas rodovias e com a utilização de pneu super single em lugar do pneu duplo".
Há ainda um outro problema. O responsável pelo gerenciamento de obras da CCR NovaDutra explica que o aslfato utilizado no Brasil, com um consumo da ordem de 2.200.000 t/ano, é quase um subproduto nas refinarias que privilegiam, atualmente, a fabricação de combustíveis. Além disto, ele é proveniente de diversos tipos de petróleo, o que, segundo o engenheiro, prejudica o controle de qualidade e o atendimento aos parâmetros especificados. "As construtoras devem executar um controle de qualidade bastante rígido, rejeitando um produto que esteja em não conformidade com as especificações", afirma.
Fonte: Estadão