Perspectiva da nova ponte sobre o rio Mersey
Como uma comunidade britânica de 125 mil pessoas assumiu a responsabilidade por uma ponte rodoviária construída com financiamento privado, ao custo de US$ 900 milhões
O HBC precisou recorrer a instrumentos financeiros inovadores e a uma estratégia diferenciada de pedagiamento para reduzir os riscos de receita para si próprio e o empreendedor que ganhou a licitação da PPP. Após oito anos de estudos e investindo alguns milhões de libras do seu limitado orçamento, o conselho assinou em março passado um contrato de projeto-construção-financiamento-operação com o consórcio Merseylink, formado pela australiana Macquarie Capital Group, pela alemã Bilfinger e pela espanhola FCC Construction.
O consórcio Merseylink firmou um contrato de projeto+construção para a ponte e os acessos com o consórcio, formado pela Kier Infrastructure local, a sul-coreana C&T e a FCC. A francesa SANEF foi contratada para instalar e operar o pedágio, de fluxo contínuo sem paradas.
A ser concluída em 2017, a ponte de concreto, com seis faixas de tráfego, vai cruzar o percurso de 1 km sobre o rio entre Widnes e Runcorn através de quatro vãos estaiados. Ela vai aliviar a saturada ponte metálica em arco, Silver Jubilee, que já tem 54 anos. Merseylink vai operar e manter a ponte por 26 anos e meio, ganhando tarifas anuais baseadas em parâmetros de velocidade de tráfego, mas blindado das variações da receita produzida pelo pedágio.
Superando a oposição
Quando em meados dos anos 90 o conselho de Halton começou a articular politicamente o projeto, ninguém o levava a sério, diz Rob Polhill, uma das lideranças na região. Um dos motivos foi a escala do projeto, que ficou demasiadamente vultoso para os patrocinadores de menor porte. Com sua equipe de 20 funcionários, o conselho de Halton foi em frente e contratou a projetista britânica Ramboll e como assessores legais e financeiros, a DLA Piper e a KPMG.
Diretor de projeto da HBC desde 2005, Steve Nicholson achou muito engessadas as exigências do processo estipuladas pelo governo britânico para aprovação de um projeto PPP. Contrariavam o desejo do conselho de que o empreendedor tivesse espaço para inovações, porque este precisaria de segurança no processo construtivo em vista do prazo de conclusão e dos juros que estaria pagando sobre o financiamento.
Quando em 2010 houve uma mudança no governo britânico, todos os projetos de grande porte foram suspensos. Nicholson agarrou essa oportunidade para eliminar as restrições do processo de aprovação do projeto, dando às licitantes liberdade de propor uma solução construtiva que lhes conferisse máxima confiabilidade.
A HBC lançou a licitação em fins de 2011. No ano seguinte, convidou três dos seis concorrentes para participar de um “diálogo competitivo” – na verdade uma modalidade de negociação. As empresas interessadas montaram propostas baseadas em objetivos e restrições detalhados pela HBC, pagamentos anuais máximos a título de remuneração e projetos ilustrativos para uma estrutura metálica. Reuniões regulares entre elas e o contratante submeteram as propostas em fase de finalização a testes de estresse. No final desse processo, havia confiança entre as partes de que as propostas discutidas eram exequíveis. Uma concorrente preferiu manter a estrutura metálica, enquanto outras duas optaram por projetos com concreto.
Em dezembro de 2012, a HBC solicitou propostas preliminares – evitando assim excluir qualquer concorrente por tecnicalidades. As propostas finais demoraram quatro meses. A Merseylink foi confirmada como a concorrente preferida em junho de 2013, com um preço significativamente abaixo da próxima licitante.
O valor total do contrato de 30 anos era de US$ 2,7 bilhões, com a construção da ponte e acessos respondendo por US$ 760 milhões. Somente a ponte corresponderia à metade desse montante.
Nicholson acredita que esses preços eram decorrentes do mercado deprimido pós-crise global de 2008, que entretanto também afetou o setor de project finance. O conselho de Balton concordou em contribuir com US$ 150 milhões em financiamento, obtido por conta própria. Sobrou ao empreendedor privado levantar cerca de US$ 760 milhões, inclusive 15% em equity e dívida subordinada.
Foi crucial para o sucesso do projeto que o governo britânico tivesse aprovado, em fins de 2012, um novo processo para servir de garantia aos títulos vinculados a projetos de infraestrutura, e assim reativar o mercado moribundo de títulos e facilitar as atividades de project finance. Sem essa nova modalidade de garantia, o financiamento teria ficado mais complicado e pagaria muito mais juros.
Para custear custos de construção e de operação de longo prazo, a HBC assegurou do governo britânico uma injeção de capital de US$ 131 milhões e um subsídio anual para o pedágio de US$ 21 milhões, cuja receita representa 90% do custeio do empreendimento. A decisão do contratante de assumir os riscos da receita do pedágio tirou essa responsabilidade da operadora privada e simplificou a montagem das propostas finais.
Mas, para a Merseylink entregar a receita de pedágio e sua operação ao contratante HBC, foi um outro desafio, diz o diretor de projeto da HBC. Em hipótese, a ponte podia ficar pronta e o HBC estaria obrigado a pagar a Merseylink, e a SANEF poderia não estar apta a operar o pedágio. Finalmente, a Merseylink concordou que a SANEF precisava comprovar os resultados de operações de pedágio existentes antes de entregar o sistema da ponte à HBC e começar a cobrar tarifa operacional.
Nesse momento, a SANEF se tornaria contratada da HBC, responsável pela coleta de pedágio dos usuários com o seu sistema eletrônico free-flow. Ela seria responsável por pedágio não pago pelos usuários até um total previamente combinado.
Por cima de alagadiços sensíveis
A ligação rodoviária vai atravessar áreas alagadiças sensíveis do ponto de vista ambiental, valendo-se de quatro vãos estaiados, variando de 181 m a 381 m. Os três pilares no rio são posicionados de forma assimétrica, para não interromper o fluxo do rio.
Com a engenharia financeira concluída em março passado, a MJV construiu uma ponte provisória treliçada sobre o rio. Três ensecadeiras dos pilares estão praticamente prontas. As fundações de 7,5 m x 8 m vão atingir 10 m abaixo do leito do rio.
As torres variam de 125 m acima do nível do rio, ao sul, a 80 m, no meio, e a 110 m, ao norte. A viga-caixão do tabuleiro, de seção trapezoidal e protendida, terá altura de 4,5 m e largura mínima de 33 m. O tabuleiro será moldado a partir de cada torre com forma deslizante, à razão de uma seção de 6,5 m cada semana. A subempreiteira dos cabos de estaiamento está em fase de contratação. Um final improvável mas feliz para Halton, uma comunidade britânica obstinada por sua qualidade de vida, que inclui a facilidade de deslocamento por terra.
Fonte: Revista O Empreiteiro