Urgência de obras pontuais põe planejamento a reboque

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Parque Olímpico deverá ter os equipamentos esportivos prontos com antecedência para realização de testes. O modo legado prevê centros de treinamentos e prédios residenciais e comerciais no local

Nildo Carlos Oliveira

A afirmação otimista do prefeito Eduardo Paes de que não haverá na história da Olimpíada uma cidade “tão impactada de forma positiva como o Rio, com todo o respeito a Barcelona”, corre o risco de não se revelar uma verdade por inteiro ou parecer, futuramente, apenas uma meia verdade. No fundo, há unanimidade no anseio brasileiro e carioca de que o Rio supere a cidade catalã, até hoje considerada – apesar de Londres, em 2012 – o exemplo mais eficiente da operação de profundas transformações urbanas, depois dos Jogos Olímpicos que ali foram realizados em 1992.

 Mas há uma diferença permeando as obras desenvolvidas em Barcelona, previamente à Olimpíada, e as obras atualmente em curso no Rio de Janeiro. Lá, as obras pontuais não colocaram o planejamento a reboque, sobretudo, porque o planejamento ordenou e costurou o conjunto de obras previstas, necessárias ao restabelecimento estético, social, turístico e econômico entre o centro e região portuária e entre o centro e a cidade como tecido urbano unificado. No Rio, a necessidade de obras pontuais sempre foi e continua a ser de tal urgência que, invariavelmente, nocauteia o planejamento, em alguns casos visto como elemento burocrático e até incômodo.

A administração carioca aposta no legado pós-Olimpíada, cuja instalação de abertura ocorrerá no dia 5 de agosto de 2016. Tanto aposta que, do orçamento da ordem de R$ 38 bilhões (quase 60% recursos privados e o restante verba pública), mais de R$ 24 bilhões estão destinados às obras que deverão permanecer como melhoria urbana. Dentre estas se encontram a revitalização da região portuária; a Linha 4 do metrô; a construção dos corredores e operação dos BRTs (Bus Rapid Transit); as linhas dos VLTs (Veículo Leve sobre Trilho); ampliação do Elevado do Joá; a despoluição até agora inconclusa da Baía de Guanabara e da Lagoa Rodrigo de Freitas e várias outras.

No conjunto, sobressai o programa de obras do Porto Maravilha, resultado da chamada Operação Urbana Consorciada da Área Especial de Interesse Urbanístico da Região Portuária do Rio de Janeiro (Lei Municipal 101/2009), que previu a construção de 4 km de túneis, reurbanização de 70 km de vias, reconstrução de 700 km de redes de infraestrutura, demolição do Elevado da Perimetral (já parcialmente realizada) e outras alterações.

Contudo, uma cidade não pode ser colocada em obras somente em função de uma perspectiva histórica ou de um acontecimento, por mais importante que ele seja. Uma cidade é um processo contínuo de afirmação humana civilizadora, cujas construções arquitetônicas, modais de transporte e características de funções em toda a sua abrangência devem refletir imensas diversidades. Não fora assim, não seria cidade.

Em razão disso, obras pontuais, por mais essenciais que sejam, não devem colocar o planejamento em segundo plano. Nem devemos considerar como secundária a melhoria da qualidade dos espaços públicos. A carência de planejamento — ou planejamento elaborado apenas para justificar obras já previstas e até já contratadas — tem sido danosa à vida do cidadão, como ocorreu com o Elevado da Perimetral, cuja demolição começou sem que, antes, estivesse concluído o sistema viário na superfície e no subsolo necessário à circulação do tráfego. A falta de planejamento aumentou o desconforto e os incalculáveis prejuízos materiais provocados pelo congestionamento permanente da área central.

Só o bom planejamento, elaborado a partir dos vetores do crescimento urbano e da coleta das opiniões gerais, sejam de empresários, intelectuais e moradores, pode propor reformas que melhorem as condições de vida da população do local onde elas aconteçam, sem provocar-lhes o êxodo, excluindo-a e banindo-a para as longínquas periferias.

O planejamento equilibrado mantém a identidade cultural e arquitetônica dos bens inseridos no tecido urbano, enriquecendo-o e evitando que o aspecto meramente utilitário prevaleça sobre outros valores, igualmente importantes no longo prazo.

Obras projetadas para atendimento do marketing político, mesmo que provenientes de projetos elaborados por profissionais internacionalmente reconhecidos, às vezes correm o risco de não se inserirem no conjunto da identidade local, deixando de produzir os benefícios esperados para o ambiente urbano.

O planejamento, em seu sentido mais amplo, inibe a administração pública de gerenciar e licitar obras públicas com um olho no orçamento e outro, mais aguçado, no mapa eleitoral de cada região da cidade, proporcionando mais melhorias àquelas dotadas de maior potencial de votos. Esse tipo de visão política gera distorções no crescimento regional no médio prazo, com reflexo até nas questões da segurança pública.

Uma cidade é um conjunto, e o Rio de Janeiro, dispondo de um orçamento daquele montante (R$ 38 bilhões) para obras destinadas ao Rio 2016, não pode agir com aquele viés imediatista. Se assim for, estará no descaminho de sua vocação, que é o de se transformar num novo polo cultural e econômico de notáveis dimensões.

O Rio de Janeiro de hoje quer ser o Rio de Janeiro de 2016. Mas precisamos lembrar: em seguida, virá o Rio de 2020, que terá a responsabilidade de sediar o Congresso Mundial da União Internacional dos Arquitetos (UIA), depois de desbancar dois fortes candidatos: Melbourne (Austrália) e Paris (França).

Naquele evento da UIA, o legado da Olimpíada será avaliado internacionalmente. Até aquela data poderá ser observado se o legado prometido terá melhorado e qualificado a cidade e o Estado para um novo ciclo de desenvolvimento em benefício da sua população e das novas gerações, ou se foi usado apenas para atender aos interesses dos grupos que visam apenas ganhos financeiros.

Fonte: Revista O Empreiteiro


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