Com trabalhos iniciados em 2005, a obra da Linha Amarela só começou a deslanchar realmente em 2006. A partir daí, uma série de ocorrências se sucederam culminando no desabamento ocorrido na área de escavação da futura Estação Pinheiros, dia 12 de janeiro deste ano, o que levou o empreendimento ao centro dos debates técnicos.
O coordenação está hoje sob o comando do engenheiro Márcio Pellegrini, que recebeu com exclusividade a Revista O Empreiteiro para falar sobre a obra. Desafios não constituem surpresa para ele, que comandou os delicados trabalhos de estabilização do túnel, no acidente da rua Capri, a frente da operação de resgate por parte dos bombeiros, tarefa que lhe rendeu homenagem do governo do Estado de São Paulo e do Corpo de Bombeiros.
Com 14 km de extensão, dos quais mais de 12 km de túneis, a Linha 4 sai da região do bairro da Luz, centro de São Paulo, cruza áreas densamente povoadas como a região da praça da República, sobe o espigão da avenida Paulista e desce ao vale do rio Pinheiros. Será a primeira obra do metrô de São Paulo a transpor um rio via túnel – a Linha Azul atravessa o rio Tietê por via aérea – até chegar à Vila Sônia (Morumbi).
Outro diferencial é que a partir do rio, as obras enfrentam a existência de solo rochoso, algo inédito até então nas obras do metrô de São Paulo. Com a metade das obras prontas, o engenheiro Pellegrine prefere trabalhar e enxergar cada dia, de uma vez. “Cada dia é um desafio a ser superado, e acho que será assim até a conclusão desta obra”.
Sobre as causas do acidente. Marcio Pellegrini destaca que as causas deverão ser apontadas em laudo do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) e a previsão é de seja concluído no início do ano. Mas, por que a demora? “É o contrário. O diagnóstico de outros acidentes ocorridos no mundo, como o do Aeroporto de Heathrow, em Londres, levaram mais tempo, cerca de dois anos ou mais. Então eu diria que o trabalho do IPT está se dando de maneira incrivelmente rápida”.
A tarefa diária do engenheiro é coordenar uma espécie de mega-operação de guerra ao longo de 14 km de extensão, sendo mais de 12 km de túnel sob os principais vértices da capital paulista: Luz, República, Higienópolis, Paulista (Consolação), Oscar Freire, Fradique Coutinho, Faria Lima, Pinheiros, Butantã, Morumbi e Vila Sônia.
São 25 frentes de trabalho, mais de 3.050 operários e 700 prestadores de serviço. Sem contar o corpo técnico formado por 55 profissionais, 15 consultores nacionais e internacionais, 20 engenheiros no acompanhamento técnico e 80 profissionais na área de projeto. Já a tarefa diária do diretor do contrato do Consórcio Via Amarela é corresponder a um sem-número de solicitações de entrevistas, e de questionamentos diversos, desde as advindas do Ministério Público estadual e federal, assim como de outros setores como associações e entidades de classe.
“Somos hoje a obra mais fiscalizada do País”, destaca Marcio Pellegrini. A seu ver, a Linha 4 Amarela sintetiza uma grande mudança cultural, em se tratando de obra pública, e isso certamente traz uma série de reflexos: “Primeiro, tem a grande dimensão da obra, mais de 14 km atravessando a cidade, e sua enorme complexidade. Depois, há a contratação da obra pelo regime turn-key, o que incomoda muito, além de ser a primeira operação metroviária no país a ser privatizada. São muitas inovações, e mudanças de cultura, as quais interferem na avaliação geral das questões relativas à obra”, destaca.
A Linha 4 foi objeto de várias especulações a partir do acidente ocorrido na futura Estação Pinheiros. Pouco depois daquela ocorrência, houve uma denúncia a respeito das obras da Estação Fradique Coutinho, que dizia respeito a soldas nas estruturas metálicas da estação. “Aquele episódio trouxe intranqüilidade para a população e provocou uma paralisação de quatro meses nas obras. Mas o laudo do IPT apontou que não havia risco nenhum”, destaca.
Como se explica essa sequência de ocorrências, para leigos e para o setor de Engenharia? “Quando se tem uma obra dessa magnitude, trabalhando em regiões de baixa profundidade, como ocorre na região de Pinheiros, além de solo em condições geológicas bastante difíceis, como ocorre a partir do Rio Pinheiros em direção à Vila Sônia, há a possibilidade de surpresas. Para o público externo é preciso enfatizar que, em obra urbana, a área de influência é de 50 metros para cada um dos lados, ou seja, onde é passível de ocorrer algum evento. É importante destacar também que se trata do primeiro túnel do metrô que passa por baixo de um rio, em São Paulo. Só para lembrar, a linha Azul, que segue em direção à Zona Norte, passa por cima do rio Tietê. Mas todo esforço do consórcio é sempre para que não haja nenhum acontecimento fora do previsto, no entanto essa possibilidade existe. Mas lembro que nenhum procedimento é executado sem estudo correspondente, sem análise, sem que haja um projeto. Parece óbvio, mas isso é importante de ser mencionado”.
Desalinhamento dos túneis: Em setembro último, foi anunciado um desalinhamento de 80 cm no encontro de dois túneis Caxingui/Três Poderes. A razão provável é que tenha havido uma transferência no marco topográfico dada a pequena área de trabalho. Mesmo sendo acima do nível de “razoabilidade”, o engenheiro enfatiza que isso não deverá significar atrasos ou aumento de custos. Uma parede deverá ser raspada e a outra preenchida com concreto, para que os túneis voltem a ser alinhados.
Acerto na escolha dos sistemas construtivos. Pellegrini diz que o Consórcio tem investido recursos para trazer as tecnologias mais avançadas do mundo em obras deste tipo e explica que houve uma modificação de projeto em vista do grande atraso de liberação dos terrenos por parte da Companhia do Metropolitano, para o início das obras. A companhia pediu então uma solução que permitisse o andamento dos trabalhos dentro do cronograma. A alternativa considerada mais viável foi a manutenção do shield, a partir da Estação Faria Lima, no Largo da Batata, em Pinheiros, rumo à região central da cidade, até a Estação Luz, onde o solo oferecia melhores condições de operação do equipamento.
No sentido oposto, da Estação Pinheiros até a Vila Sônia, optou-se pelo sistema do NATM (New Austrian Tunnelling Method), permitindo a abertura de diversas frentes de trabalho concomitantes, com real ganho de
tempo. “Ficou claro, posteriormente, que essa solução foi realmente a mais adequada para o tipo de solo ali existente. “Se nessa região fosse utilizado o sistema de shield poderia haver um travamento da máquina, gerando possivelmente grandes atrasos ao empreendimento”, diz. O engenheiro destaca ainda o trabalho de reclassificação do solo que está sendo realizado ao longo da Estação Morumbi para melhoria das condições geológicas.
Tatuzão ou shield. O shield utilizado pela Consórcio é do tipo Earth Pressure Balanced (escavadeira de pressão balanceada de terra) fabricado na Alemanha, com peso de 1.800 t e 75 m de comprimento. “É considerado o equipamento mais moderno do mundo. Ele atravessa a região de Pinheiros, e quando chegar ao espigão da avenida Paulista, com solo mais consolidado, os trabalhos terão uma condição melhor para se desenvolver”.
O equipamento alcançou, em outubro, a altura do número 1.700 da avenida Rebouças, com velocidade média de 14 m de túnel por dia em média. Ao chegar à rua Lisboa, a cobertura poderá ser maior (medida que vai da superfície ao “teto” do shield) sob o leito da avenida, passando dos 13 m para cerca de 17 m na aproximação da rua Oscar Freire. Essa fase da obra deverá será alcançada em dezembro deste ano.
Para o revestimento dos túneis, foi trazida da Itália uma fábrica de pré-moldados para a produção dos 4.500 anéis de concreto aplicados diretamente pelo shield. Cada peça tem 9,5 m de diâmetro por 1,5 m de comprimento, e pesa 34 t. A implantação já alcançou a marca de 1000 anéis.
Trata-se ainda da primeira vez que uma obra do metrô conta com processo de licenciamento ambiental, segundo as exigências legais impostas pelos órgãos financiadores. Um dos aspectos, destaca Pellegrine, é que o material escavado através do shield é retirado por uma única saída, a de Pinheiros, passando por uma esteira rolante que já está com mais de 2 km de extensão e chegará a 7 km, a fim de evitar movimentação de caminhões em outras áreas da cidade.
As surpresas acabaram? “A obra deverá ser um desafio até sua conclusão. Cada dia é diferente do outro. Estamos trabalhando para que tudo transcorra sempre bem. É o nosso desafio lidar com todas essas condições e questões até a entrega da obra, que deve ocorrer até 2010”, finaliza.
Andamento dos trabalhos
Segundo a Companhia do Metropolitano, estão sendo construídas 10 estações, das quais seis devem ficar prontas para a 1ª etapa de operação da linha. A porcentagem física realizada de construção, até aqui, varia de 40 a 85% do total de serviços previstos nestas estações. O trecho de túnel de via, em escavação pelo processo convencional do NATM, apresenta cerca de 80% do trecho em meia seção e 50% em seção plena. O trecho já escavado e revestido pelo equipamento shield (tatuzão) é cerca de 25% do total previsto. Enquanto que a porção escavada em vala a céu aberto, junto ao pátio Vila Sônia, já esta pronta para receber a via permanente e sistemas eletro-mecânicos.
As dificuldades estão sendo superadas, com adaptações de métodos construtivos, remoção de utilidades públicas, desvios provisórios de trânsito, reforço de tratamento de maciço e aplicação de todo conhecimento técnico e experiência dos engenheiros envolvidos no projeto e construção da obra.
A companhia do Metropolitano elenca as principais características da obra:
a diminuição e concentração de desapropriações;
a minimização de impactos ambientais na superfície e na vizinhança ao longo da linha com a grande utilização de processos de escavação subterrâneos mecanizados ou convencionais;
a utilização de tuneladora (tatuzão) para escavação de maciços arenosos presentes em grande parte do trecho;
a escavação de rocha com explosivos em porção significativa do trecho;
a padronização dos métodos construtivos das estações por meio de poços circulares e túneis;
a impermeabilização de estruturas subterrâneas com mantas de PVC;
a contenção lateral provisória de valas com estacas tipo hélice secantes;
o uso de sondagens de reconhecimento do subsolo com o televisionamento das paredes dos furos;
E destaca, no quadro tecnologia, os seguintes itens:
o uso de escavações mecanizadas (tatuzão) quando ocorrer a viabilidade tecnica e econômica;
o uso de concreto com fibras em condições apropriadas;
o uso de impermeabilização das estruturas enterradas com mantas;
o tratamento de maciço de solo com cimentos finos;
o uso de contenções provisória de valas com paredes do tipo diafragmas plásticas ou com estacas tipo hélice secantes. O cronograma, informa a companhia, está sendo revisto.
Fonte: Estadão