A redução, em 2008, foi de 0,4%, de acordo com pesquisa da fundação João Pinheiro, mas situação ainda é dramática entre os que recebem até três salários mínimos
O déficit habitacional cai novamente: de 14,9% para 14,5% do total de domicílios. É o que aponta a Fundação João Pinheiro a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD -, de 2006. A tendência de queda consolida-se a cada ano: em 2004 era de 16,1%. Os números indicam que o crescimento do déficit habitacional em números absolutos se deu em ritmo menor do que o crescimento dos domicílios nos últimos anos.
A falta de moradias só assume dimensão mais drástica em relação às famílias que recebem até três salários mínimos. Mais de 90% das famílias que demandam nova moradia fazem parte deste grupo. Pode-se observar concentração cada vez maior do déficit habitacional em famílias na faixa mais baixa de renda: de 82,5%, em 2000, para 90,7%, em 2006. Esse padrão se repete em todas as regiões, de maneira mais acentuada na Sudeste, que de 77,1%, em 2000 sobe para 89,9%, em 2006, com queda substancial das famílias com renda acima de cinco salários mínimos.
A pesquisa da Fundação João Pinheiro serve como base para o Ministério das Cidades, que aponta a falta de um total de 7.934.719 moradias. O número total de domicílios no Brasil, ainda segundo o instituto, é de 54.610.413. Separadas as áreas urbana e rural, o déficit é um pouco mais elevado nesta última, correspondendo a 16,1% do total de domicílios. Na área urbana, corresponde a 14,1%.
O estudo separa as moradias em dois grupos: as que faltam para atender à população e aquelas consideradas inadequadas. Para definir o que é déficit habitacional, a pesquisa leva em conta vários indicadores, como coabitação familiar, ou seja, mais de uma família vivendo sob o mesmo teto, ou ainda o peso do aluguel na renda familiar, considerado em situação de famílias residentes em áreas urbanas, com renda média de até três salários mínimos, que está mais de 30% comprometida com o pagamento do aluguel. Também entram no cálculo de carência habitacional casas ou apartamentos alugados com adensamento excessivo, nos quais mora um número muito grande de pessoas.
No caso dos domicílios inadequados, a pesquisa leva em conta a carência de serviços como energia elétrica, abastecimento de água, rede de esgoto, falta de coleta de lixo e ainda a qualidade do material de cobertura das construções. Outro fator que caracteriza a residência como inadequada pelos pesquisadores é estar localizada em local indevido ou não ter banheiro.
A carência de infraestrutura foi verificada em mais de 11,2 milhões de moradias no país, que representam 24,1% dos domicílios urbanos. Percentualmente, o problema está mais presente nas regiões Norte, onde está presente em 56,4% das moradias, Centro-Oeste (51,4%), e Nordeste (40,8%).
Renda familiar
O levantamento também aponta em qual parcela da população a carência habitacional é maior. Mais de 90% das famílias que demandam uma nova moradia têm renda média mensal de até três salários mínimos, o que justifica que as ações sejam voltadas para este segmento. Se forem consideradas as famílias da faixa de renda imediatamente superior, entre três e cinco salários mínimos, o grupo representa quase a totalidade do déficit habitacional do país nas áreas urbanas, de acordo com o estudo.
Na análise por regiões do país, a carência de moradia na parcela de renda menor (até R$ 1,3 mil) está mais presente na região Nordeste, onde corresponde a 95% do déficit habitacional. Na região Norte, o percentual é de 91,2%, no Sudeste, 89,9%. No Centro-Oeste, a concentração do déficit habitacional nas famílias com renda até três salários mínimos chega a 88,3% e no Sul, a 85,1%.
Minha Casa, Minha Vida
Com a proposta de diminuir o déficit, o governo federal lançou em março o Plano Nacional de Habitação, batizado politicamente de "Minha casa, minha vida". O programa prevê um total de recursos da ordem de R$ 34 bilhões e tem como principal meta a construção de 1 milhão de novas moradias até 2010. Para as famílias que recebem até três salários mínimos por mês, está prevista a construção de 400 mil unidades. Para aquelas cuja renda é de três a quatro salários mínimos, serão construídas 200 mil moradias e, para as que ganham entre quatro e cinco salários mínimos, 100 mil. O mesmo número está previsto para as que recebem de cinco a seis salários mínimos. Já para as famílias com renda entre seis e dez salários mínimos, o objetivo é construir 200 mil unidades. A Região Sudeste deverá ser a mais beneficiada, com a construção de 36,4% das unidades. Em seguida, vêm Nordeste (34,3%), Sul (12%), Norte (10,3%) e Centro-Oeste (7%).
O programa prevê ainda o refinanciamento de prestações em casos de perda de renda. Para as famílias com renda entre três e cinco salários mínimos, o número de prestações garantidas pode chegar a 36. Já para quem tem renda entre cinco e oito salários mínimos, o total de prestações é de 24, e para famílias com renda entre oito e dez salários mínimos, 12 prestações.
O pacote também contempla quem pretende fazer a quitação do financiamento pela União em casos de morte e invalidez permanente do mutuário, além de custeio de reparação de danos físicos ao imóvel.
O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), Paulo Safady Simão, duvida que o governo consiga cumprir a meta de 1 milhão de casas até 2010. "Se o governo adotar todas as oito propostas que apresentamos no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), ligado à Presidência à República, nós podemos garantir pelo menos 600 mil unidades". Safady ressaltou que o volume de unidades de moradia a ser apresentado não é o mais importante, e sim a forma como o programa será implementado. Safady defendeu também que a moradia receba, no Brasil, tratamento similar ao dado à educação e à saúde. Ele destacou que o acesso a moradia "resulta em efeitos positivos nas áreas de saúde, no rendimento escolar e no acesso a emprego", além de reduzir a exposição das pessoas à viol
ência. "Para cada R$ 10 milhões investidos na construção civil, são gerados um total de 520 empregos, 360 diretos e 120 indiretos", argumentou.
Para o presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy, quem deve definir a quantidade de moradias a serem construídas "é a lógica de mercado".
Indústria do setor está preparada
O Sindicato da Indústria da Construção Civil do Rio de Janeiro (Sinduscon/Rio) considerou "altamente positivo" o programa "Minha Casa, Minha Vida". O presidente da entidade, Roberto Kaufman, disse que o plano habitacional, "sem dúvida alguma, está mostrando a vontade política do governo e a gente espera que no início do mês de abril ele comece a funcionar". Na sua avaliação, o pacote de construção de 1 milhão de moradias vai representar uma revolução, porque nunca houve um programa habitacional desse porte no País.
Um dos principais pontos destacados pelo presidente do Sinduscon/Rio é o fato de o governo se dispor a subsidiar as famílias de baixa renda. Para isso, conta com R$ 16 bilhões,que foram deslocados do Orçamento Geral da União (OGU). "Isso nunca aconteceu", ressaltou. O plano conta também com R$ 12 bilhões do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
De acordo Kaufman, o setor da construção civil está preparado para atender a meta estabelecida pelo governo. "Temos 120 mil empresas de pequeno e médio portes no país que vão receber uma injeção de ânimo e serviços. Com isso, haverá uma criação notável de empregos".
Segundo dados da Fundação Getulio Vargas Projetos (FGV Projetos), o estoque de trabalhadores com carteira assinada na construção civil fechou o ano passado no patamar de 2,084 milhões.
O exemplo pode vir da Índia
Com problemas e contradições sociais bem parecidas com as do Brasil, a Índia pode nos servir de exemplo também quando a questão é moradia popular. Famoso por lançar o Nano, o carro mais barato do mundo, o grupo indiano Tata, através de seu braço imobiliário, a Tata Housing Development, anunciou que irá construir e vender casas e apartamentos naquele país, ao custo mínimo de US$7.800 (em torno de R$ 16.300,00) e máximo de US$ 13.400 (em torno de R$ 28 mil).
Assim como o Tata Nano, que está sendo vendido por cerca de R$ 4.465, as Casas Nano tem como público alvo famílias pobres que sonham com a casa própria. "Esta é uma grande oportunidade para servir aqueles que estão na base da pirâmide", disse Brotin Banerjeee, diretor da Tata Housing. "Nossa inspiração são os milhões de indianos que não podem comprar suas casas e moram nas favelas".
Serão, na verdade, 1.244 unidades, a serem construídas em dois anos, na cidade planejada de Bhoiser, subúrbio industrial localizado a 96 km ao norte de Bombaim.
Apelidado de "Casa Nano", o apartamento básico terá apenas 26 m², com um cômodo, cozinha e banheiro. Uma segunda opção, com o mesmo número de cômodos, terá 33 m². E a unidade mais cara terá 43 m², com um quarto a mais. O empreendimento ainda prevê a construção de um hospital, uma escola, playground e jardins. Já na primeira fase do projeto, a empresa esperaobter lucros de até 1 bilhão de rúpias (R$ 42 milhões). No final de 2009, a Tata Housing espera expandir o projeto para a capital Nova Déli e Bangalore.
A solução mexicana
O programa Minha Casa, Minha Vida, não despertou o interesse apenas das empresas de construção brasileiras. Uma das maiores construtoras de habitações populares do México, a Homex, vai erguer cerca de 700 unidades residenciais em São José dos Campos, no interior de São Paulo, até o final deste ano. Este é o primeiro investimento da empresa no Brasil, que vai construir imóveis para famílias com renda mensal entre seis e dez salários mínimos. As habitações custarão a partir de R$ 80 mil e poderão ser financiados pela Caixa Econômica Federal.
Na primeira fase de investimento, a construtora deve entregar 300 casas até agosto. Serão moradias térreas de dois dormitórios ou sobrados de três quartos. Na segunda etapa, mais 400 unidades, devem ser finalizadas até dezembro, entre edifícios e novas casas. O método de construção será o mesmo utilizado no México: paredes de concreto com fôrmas metálicas. A construtora já fechou parceria com a Engemix e a Votoraço para viabilizar o projeto.
O déicit habitacional do México é de 6,5 milhões de casas, mas somente no ano passado foram construídas 680 mil moradias contra 120 mil no Brasil. A meta dos mexicanos é ainda mais ambiciosa do a brasileira: construir 1 milhão de casas ao ano e nos próximos cinco anos acabar com o problema.
Para conhecer as soluções adotadas naquele país, o Comitê de Tecnologia e Qualidade (CTQ) do Sinduscon-SP enviou uma missão técnica ao México, formada por um grupo de empresários. Uma das constatações da missão técnica é que o país promoveu a produção de habitação em larga escala, oferecendo financiamentos em até 30 anos com juros de 4% a 9%. Vale ressaltar que em 2001 os juros estavam na casa dos 21% ao ano, além de multa de inadimplência de 9%. Traduzindo: a casa popular mexicana cabe no bolso do trabalhador. Os condomínios populares no México são erguidos bem distantes dos centros metropolitanos, mas possuem infraestrutura completa, com cabeamento de energia elétrica enterrado, opções de lazer e comércio. Muitas das unidades são utilizadas com duas finalidades: moradia e comércio – por lá não existe um órgão fiscalizador neste sentido.
Problemas evidentes
Mas nem tudo é solução, no exemplo mexicano. Os membros da missão observaram ainda que, como a meta é produzir, em quantidade, a qualidade acaba comprometida. A preocupação com a segurança no trabalho é mínima e 60% da mão-de-obra é informal. Não há Código de Defesa do Consumidor e nem exigências maiores por parte do usuário. Ele quer a casa, não importa muito como vai recebê-la.
O futuro morador pode adquirir um seguro no valor de1% do preço da unidade para atender as manutenções. As construtoras, por sua vez, entregam o imóvel com a garantia de cinco anos para estrutura, dois para instalações e um para vícios aparentes. Fusões de construtoras com fim
específico para atender a esta demanda habitacional popular passaram a ser comuns no México.
Fonte: Estadão