Seca chega antes da Transposição do São Francisco

Prevista para ser entregue este ano,uma das mais importantes obras do Paíssomente deverá ser concluída em 2015

José Carlos Videira

Quase mil municípios nordestinos enfrentam hoje uma das mais severas estiagens dos últimos 30 anos. Boa parte deles foi obrigada a decretar estado de calamidade pública para atender de forma emergencial a sua população. E o que é mais curioso é que esse fenômeno acontece, e vai continuar acontecendo, no ano em que o governo prometeu entregar a Transposição do Rio São Francisco. “A mais importante ação estruturante, no âmbito da política nacional de recursos hídricos”, como o governo classifica a obra iniciada em 2007, só estará pronta daqui a três anos.

Concebida justamente para minimizar os efeitos do clima que afeta milhões de pessoas no Nordeste, a Transposição só deverá estar concluída em 2015, prevê o Ministério da Integração Nacional. Uma série de problemas na sua execução postergam cada vez mais o final da obra que beneficiará 12 milhões de pessoas em quase 400 municípios nordestinos. E esses constantes atrasos e adiamentos provocam ceticismo à população e aos políticos da região. “É claro que existe frustração”, desabafa Buba Germano, prefeito da cidade paraibana de Picuí, de 20 mil habitantes, a 240 km da capital, Teresina. Segundo ele, dos 223 municípios do Estado da Paraíba, 90% estão em estado de calamidade, tendo de levar água à população por meio de carros pipas.
O prefeito de Picuí, que também preside a Federação dos Municípios da Paraíba, entidade que presta assistência a 170 prefeituras do estado, conta que estava na Marcha dos Prefeitos, em Brasília (DF), quando ouviu o governo assegurar recursos para a conclusão das obras, e o novo cronograma. “O problema é que quando retornamos para casa o recurso não vem”, diz. Segundo ele, parece que o governo federal é especialista em criar programas “que não chegam na ponta. O Orçamento Geral da União é uma peça fictícia”, afirma o prefeito.

*O governo alega que um dos motivosdos atrasos é a revisão dos projetos

“As obras do Projeto de Integração do Rio São Francisco estão em conformidade com o novo cronograma de conclusão”, informa o Ministério da Integração. “Cerca de 40% da primeira etapa do Projeto já está concluída. Também estão prontos o canal de aproximação e a barragem Tucutu, do Eixo Norte”, destaca o ministério, por intermédio de nota. Das 27 obras de infraestrutura hídrica, apenas nove estão concluídas. Das 14 frentes de trabalho para a integração e revitalização da Bacia do São Francisco, somente o eixão das Águas, no Ceará, Trecho IV, está terminado. Nas restantes frentes, o atraso da obra é generalizado.
Orçada inicialmente em R$ 5,4 bilhões, o custo estimado da obra de Transposição do Rio São Francisco subiu mais 50% para R$ 8,2 bilhões, atualmente. De acordo com o Ministério da Integração, o governo federal já desembolsou R$ 3,2 bilhões até o momento para o empreendimento, que chegou a contar com mais de 10 mil operários trabalhando simultaneamente, nas suas várias frentes de obras — hoje conta com efetivo de pouco mais de 4,5 mil.
“Está tudo parado”, disse o dono de uma pequena empresa de terraplanagem que prestava serviços para uma das empreiteiras contratadas pelo governo federal, que preferiu não se identificar. Segundo ele, nos tempos do governo Lula, não havia falta de recursos e as obras corriam a pleno vapor. “Mas quando a presidente Dilma assumiu o governo, parece que resolveu rever todos os contratos e gerou esses atrasos”, opinou.
No entanto, o ministério credita o atraso na entrega da obra e o aumento do custo previsto inicialmente a uma série de imprevistos que não foram considerados à época do lançamento do projeto. “Somente para atender a exigências do Ibama, no que se refere à diminuição dos impactos da obra ao meio ambiente, serão desembolsados quase R$ 1 bilhão”, ressalta o ministério.

*A paralisação das obras coloca em dúvida osnovos prazos que estão sendo anunciados

A revisão de obras civis em decorrência dos projetos executivos, os gastos com eletromecânica e a supervisão e gerenciamento da obra em função do prolongamento do prazo são outras justificativas do ministério para o encarecimento do projeto e os atrasos no cronograma inicial.Para Buba Germano, o problema também foram as licitações por lote, os embargos judiciais e as questões ambientais.
O Ministério da Integração Nacional afirma que tem concentrado todos os esforços para cumprir os novos prazos firmados para a conclusão da obra.“A meta do governo Lula era entregar a obra em 2010/12, agora estão falando em 2014/15. Pessoalmente, tenho dúvidas”, lamenta Germano.
O Projeto de Integração do Rio São Francisco garantirá a oferta de água e segurança hídrica da população urbana de 390 municípios dos estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, afirma o ministério. O atendimento da população de comunidades rurais lindeiras dos eixos de transferência de água e aos rios que serão perenizados, só será garantido de forma secundária, ressalta o ministério.

Culturas mais rentáveis

Mas para o professor do Instituto de Ciências Atmosféricas da Universidade Federal de Alagoas, Luiz Carlos Molion, o governo deveria incentivar os agricultores a produzir culturas mais rentáveis. “Não se pode pensar em irrigação para produzir milho, feijão e mandioca,” adverte. Segundo ele, plantas medicinais (negócio que só nos Estados Unidos chega a movimentar US$ 16 bilhões por ano), flores, plantas condimentais, como orégano e estragão para culinária, são extremamente rentáveis. “Existe um grande potencial para transformar o Nordeste
entre as regiões com maior renda per capita do País”, afirma.
Já o prefeito de Picuí entende que a prioridade absoluta da água é para consumo humano. Ele admite que o excedente pode ser para agricultura familiar, pequena irrigação e até para a indústria. Mas é importante pensar em tarifa, porque não é uma água gratuita”, ressalta. Ele diz que cada estado deve cuidar bem da sua legislação, prevendo, é claro, tarifa social. “Mas se não houver uma gestão adequada do recurso hídrico, pode haver desvios e uma série de equívocos na transposição.”
O Governo Federal, por meio de convênios e termos de compromisso, tem ainda propiciado apoio técnico e financeiro aos Estados receptores no sentido de estabelecer uma rede de infraestrutura hídrica complementar aos Eixos de Integração de Bacias. “Também temos de fazer o nosso dever de casa”, ressalta Germano. Segundo ele, é importante já começar a traçar uma política adequada de utilização dessa água.

Falta d´água vai continuar

A obra de Transposição do Rio São Francisco se torna tão ou mais importante na medida em que o Nordeste passa novamente por uma extensa estiagem. O Ministério da Integração admite que, se já estivesse concluído, como se esperava, a operação da 1ª etapa do empreendimento poderia atenuar o efeito da seca que assola a região. Mas para a população dos 390 municípios que serão beneficiados pelo projeto, especialmente, os do agreste e sertão pernambucano e paraibano, o jeito é esperar até 2015.
“Nos próximos 20 anos, entre 2030 e 2032, esse fenômeno vai se repetir, como aconteceu em 1950 e 1960. A seca extrema vai continuar a ser mais freqüente”, explica o professor do Instituto de Ciências Atmosféricas da Universidade Federal de Alagoas, Luiz Carlos Molion.
O professor expõe que as frentes frias ficam estacionadas no Sudeste. “A chance é de chover somente em novembro e em dezembro”, prevê. Por isso, segundo ele, tem de haver algum tipo de ação emergencial para a população e os animais.

Para o prefeito de Picuí (PB), Buba Germano, a seca é um fenômeno cíclico que ocorre com sazonalidade variável. Segundo ele, as três esferas do governo aplicam todas as políticas públicaspara atender a população em época de estiagem. Mas Germano percebe que o efeito da estiagemhoje não é mesmo de dez anos atrás, quando a fome era maior. “Havia até invasão de feiras livres nas cidades por parte de pessoas famintas em desespero”, lembra. Ele observa que os programas de combate à fome têm minimizado a fome extrema.
Germano diz que o programa do governo de um milhão de cisternas é um paliativo, e não uma obra estruturante como a Transposição. “É importante que cada casa tenha um reservatório, mas sem chuva não há o que armazenar, e aí vai ter que ter o caminhão pipa de qualquer maneira.”

Fonte: Padrão

Deixe um comentário