Guilherme Azevedo
“A quem serve a transposição das águas do São Francisco?” Foi a pergunta que o renomado geógrafo Aziz Ab’Saber (1924-2012), um dos principais críticos das obras de Transposição do Rio São Francisco nos moldes propostos pelo governo federal, lançou ao longo dos anos e em artigo publicado no ano passado.
*Aziz Ab’Saber, recentemente falecido, criticavao projeto da Transposição do Rio São Franciscoassegurando que as suas justificativas eram falaciosas
Ab’Saber acusava de “fantasiosos e mentirosos” os argumentos de que a transposição das águas do Velho Chico, ou Opará (Rio-Mar), como preferem os índios que estão sendo afetados diretamente pelas obras, resolveria os problemas sociais existentes na região do semiárido do Brasil. “Trata-se de um argumento completamente infeliz”, escreveu.
O geógrafo recordou que o Nordeste Seco é uma região muito ampla, com 750 mil km², e que o projeto de transposição compreende apenas alguns milhares de quilômetros, nas bacias dos rios Jaguaribe, no Ceará, e Piranhas/Açu, no Rio Grande do Norte. “Portanto, dizer que o projeto de transposição de águas do São Francisco para além-Araripe [Chapada do Araripe, que forma um planalto] vai resolver problemas do espaço total do semiárido brasileiro não passa de uma distorção falaciosa”.
Outro provável problema do projeto atual, segundo Ab’Saber, é o de não suprir a necessidade de água da bacia hidrográfica do semiárido no momento em que mais precisa, cinco a sete meses, pois o período de baixa coincide com o do próprio São Francisco. “O risco final é que, atravessando acidentes geográficos consideráveis, como a elevação da escarpa sul da Chapada do Araripe – com grande gasto de energia! -, a transposição acabe por significar apenas um canal tímido de água, de duvidosa validade econômica e interesse social, de grande custo, e que acabaria, sobretudo, por movimentar o mercado especulativo, da terra e da política”. E estariam aí alguns dos beneficiados.
Críticos veem também a transposição como mais um golpe no já combalido São Francisco, vítima de poluição e de assoreamento ao longo das décadas. Para entidades ambientalistas e sociais, como a Articulação Popular pela Revitalização da Bacia do São Francisco, que representa 300 movimentos civis, a solução não é transpor o rio, mas revitalizar toda a sua bacia hidrográfica, que abrange uma área total de 639 mil km². Segundo Ruben Siqueira, sociólogo e coordenador da Articulação Popular, é preciso, antes de tudo, uma outra concepção do semiárido e do São Francisco. “Não se resolve o problema da região com grandes obras hídricas. Temos já um trabalho incrível de açudes construídos, que não são aproveitados e hoje são apenas depósitos evaporatórios de água”. O sociólogo cita também a existência de canais não utilizados ou inacabados.
Siqueira vê interesses econômicos e políticos na obra: “A transposição é a última obra da indústria da seca e a primeira do agronegócio”. Para ele, a questão da seca no semiárido já estaria resolvida há muito tempo se o estado funcionasse, de fato, nos seus três níveis de poder. “Há exploração política, porque há água disponível. Estudos mostram que são 750 bilhões de m³ de chuva por ano na região, que a água subterrânea é de 36 bilhões de m³ e a vazão dos rios temporários, quando chove, é de 54 bilhões de m³”. Citando viagem recente aos locais de obras da transposição, em Pernambuco, Paraíba e Ceará, Siqueira denuncia o impacto local e a má qualidade do que viu: “São obras iniciadas sem projetos executivos completos. São canais que desbarrancam, túneis que se desfazem. E ainda tiram milhares de litros de água diariamente dos açudes existentes para as obras, como de concretagem, agravando a seca na região. É um caos conflitivo”.
O QUE AINDA ESTÁ FALTANDO NAS OBRAS DE TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO |
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Obras |
Detalhamento |
Prazo previsto |
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Eixo Leste |
Meta Piloto (16 km): |
Captação no reservatório de Itaparica até o reservatório Areias, ambos em Floresta (PE). É uma meta piloto para testes do sistema de operação. |
Final de 2012 |
Meta 2L (167 km): |
Inicia na saída do reservatório Areias, em Floresta (PE), e segue até o reservatório Barro Branco, em Custódia (PE). |
Setembro/2014 |
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Meta 3L (34 km): |
Este trecho está situado entre o reservatório Barro Branco, em Custódia (PE), e o reservatório Poções, em Monteiro (PB). |
Dezembro/2014 |
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Eixo Norte |
Meta 1N (140 km): |
Vai da captação do rio São Francisco, no município de Cabrobó (PE), até o reservatório de Jati, em Jati (CE). |
Setembro/2014 |
Meta 2N (39 km): |
Começa no reservatório Jati, no município de Jati (CE), e termina no reservatório Boi II, no município de Brejo Santo (CE). |
Dezembro/2014 |
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Meta 3N (81 km): |
Estende-se do reservatório Boi II, no município de Brejo Santos (CE), até o reservatório Engenheiro Ávidos, no município de Cajazeiras (PB). |
Dezembro/2015 |
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Eixo Norte |
Segunda Fase (Projeto) |
Com aproximadamente 70 km, vai de do reservatório Caiçara (PB) para a bacia do rio Salgado (CE). |
Dezembro/2012 |
Eixo Norte |
Segunda Fase (Projeto) |
Com aproximadamente 80 km, vai do reservatório Caiçara ao reservatório Angicos na bacia do rio Apodi (RN). |
Dezembro/2012 |
Fonte: Padrão