Nildo Carlos Oliveira
Com 93 anos, completados no dia 28 de setembro, e formado há 70 anos (1945) pela então Escola Nacional de Engenharia (depois Universidade do Brasil), hoje designada Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi responsável por algumas das mais notáveis obras de engenharia do País. A história dele, da Stup e da engenharia de seu tempo se entrelaça e se torna uma parte muito rica da história brasileira. É um pouco dessa história que ele conta, embora sem pretensões professorais, para conhecimento da geração atual.
“Quando me formei”, disse ele, “a cidade do Rio de Janeiro teria um pouco mais de 2 milhões de habitantes, que circulavam basicamente de bonde e trem. O Brasil de então deveria importar cerca de 10 mil carros por ano. Um volume ínfimo, se considerarmos que hoje ele produz mais de 3,5 milhões todo ano. Era, portanto, uma cidade sossegada do ponto de vista de dinâmica urbana”.
À época, projetar obras de engenharia era um trabalho limitado pelo fato de que as máquinas mecânicas de fazer cálculos ainda estavam aparecendo e eram raras no mercado. Os projetos, naquelas condições, demoravam muito para serem elaborados, buscando-se soluções simplificadas, por causa daquelas limitações. Atualmente resolver as complexidades de obras como pontes estaiadas só é possível por causa das possibilidades da tecnologia da computação, aliada, obviamente, à capacidade de mentes brilhantes.
No imediato pós-guerra, o movimento da aviação internacional aumentou muito no Brasil. O aeroporto do Galeão não dava conta do número de passageiros que ali desembarcavam. O desembarque era precário. Os passageiros tinham de tomar uma lancha na Ilha do Governador para chegar ao continente. Para resolver esse problema as autoridades brasileiras pensaram em construir uma ponte em dois trechos: do continente à Ilha do Fundão e, do Fundão, à Ilha do Governador.
Os projetos estavam em andamento, quando se tomou conhecimento de que algumas obras de arte especiais vinham sendo construídas na Europa em concreto protendido, com bons resultados econômicos e de prazo. A empresa que respondia por tais obras era a Societé Technique pour l’Utilization de la Précontraine (Stup), fundada pelo engenheiro e arquiteto francês Eugène Freyssinet.
Ao ser informado do conjunto das obras que seriam construídas para fornecer infraestrutura de acesso ao aeroporto do Galeão, na Ilha do Governador, Freyssinet se interessou pelo assunto. Negociações foram feitas, entre ele e autoridades brasileiras, cabendo-lhe a tarefa de projetar a Ponte do Galeão, concebida com 316 m de comprimento – recorde mundial em concreto protendido. O trabalho foi acompanhado aqui do Brasil pelo jovem Carlos Freire Machado, então engenheiro da Organização Henrique Lage, que foi convidado a integrar os quadros da empresa Sociedade Técnica para Utilização do Protendido (Stup), montada pelos franceses no Brasil. Posteriormente, em 1956, ele assumiria a diretoria técnica da Stup. Àquela altura, além de construir a Ponte do Galeão, ele já havia construído, também, a Ponte Petrolina-Juazeiro, entre Bahia e Pernambuco. Ambas se tornaram exemplos de obras feitas com a tecnologia difundida por Freyssinet.
A partir daquele ano, os engenheiros da Stup francesa começaram a retornar para a França. Mas a Stup no Brasil nunca passaria a ser uma empresa autenticamente nacional. Os franceses até procuraram, numa certa altura, um sócio brasileiro. Como se tratava de empresa basicamente de prestação de serviços, e não de uma empresa de construção, as negociações não prosperaram.
Como prestadora de serviços ela atuou durante vários anos, até ser anexada à empresa de engenharia Terra Armada, de origem espanhola, apontada como uma liderança internacional na execução de muros de solo reforçado e aterros mecanicamente estabilizados.
Freire Machado corrobora afirmações de seu colega, Bruno Contarini, que trabalhou com ele na Stup, de que esta empresa teve papel muito importante como disseminadora da tecnologia do concreto protendido. Promoveu conferências e seminários, divulgou artigos técnicos e normas internacionais e organizou estágios de engenheiros brasileiros no exterior. O engenheiro José Carlos Campos, que fazia parte da equipe, trabalhou na Stup, em Paris, durante vários anos.
Para ampliar e facilitar a capacidade de ação e penetração da Stup no mercado, Freire Machado indicou, para cada grande praça, um representante credenciado. Para São Paulo, designou o escritório Roberto Rossi Zuccolo – Engenharia Civil e Estrutural Ltda.; para Porto Alegre, o engenheiro Alberto Elnecave; para a Bahia, o engenheiro Luiz Gonçalves Reis, que se associara ao professor Antonio Carlos Laranjeiras; para o Ceará, o engenheiro Hugo Alcântara Mota e, para Pernambuco, o engenheiro José Fernando de Mello Rodrigues.
“Tenho a dizer que a nossa equipe, incluindo o Contarini, o Hélio Santos, o Alberto Azevedo Ferrão e todos os demais aqui mencionados, teve um papel histórico significativo. Todos nós nos entregamos, de corpo e alma, aos estudos e ao desenvolvimento da tecnologia. O engenheiro José Carlos Campos, que também trabalhou conosco, ficou lá, na Stup, em Paris, durante vários anos.”
O protendido significou um salto qualitativo na medida em que eliminou, das chamadas obras pesadas, a aparência de “obras pesadas”. Elas se tornavam aparentemente leves e esbeltas. O DER de São Paulo, conforme lembra o engenheiro, fazia pontes com vigas de 20 m simplesmente apoiadas nos pilares. Com o protendido, conseguiu fazer vigas pré-moldadas de 30, 40 e até 50 m. Depois, houve obras bem maiores, como a Ponte do Tocantins, que tem 250 m de vão. Dentre as múltiplas obras de que Freire Machado participou, incluem-se: ponte sobre o rio Paraíba (1950); ponte sobre o rio Jacareí (SP); barragem de Ernestina (RS); viaduto do Pasmado (RJ); cais da base naval do Recife (PE); ponte sobre o rio Grande (Santa Cruz de la Sierra-Bolívia) e ponte sobre o rio Tietê, nos municípios Ibitinga e Iacanga (SP).
Fonte: Revista O Empreiteiro