A missão Cruls na história da construção de Brasília

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Nildo Carlos Oliveira

E, quando se supõe que a história já se encontra completa e acabada, vê-se que ela, de tão dinâmica, não para de agregar outros valores e fatos memorialísticos que a enriquecem em favor do conhecimento e das experiências. Quem lucra com isso são as gerações futuras.

Falo isso após a leitura do livro Cruls – histórias e andanças do cientista que inspirou JK a fazer Brasília, escrito pelo jornalista a escritor Jaime Sautchuk, recém-lançado pela Geração Editorial. É iniciativa inserida nas comemorações dos 120 anos do chamado Relatório Cruls, apresentado ao governo brasileiro em 1893 e que constituiu uma das bases para a escolha, pelo presidente Juscelino Kubitschek, em 1955, do sítio do Planalto Central destinado ao planejamento urbano e à construção de Brasília.

O relatório foi elaborado ao fim da missão cumprida pelo engenheiro Louis Ferdinand Cruls, belga nacionalizado brasileiro por D. Pedro II. Não deixa de ser curioso como o imperador se envolveu, durante toda a sua vida – e por conta de seu tirocínio político e sensibilidade intelectual – com homens que ajudaram a pensar, na época, em um projeto brasileiro de Nação.

O livro, redigido com uma linguagem objetiva, simples, conta um episódio do qual a gente tem ouvido falar, mas que, colocado em seus termos, ajuda a observar a importância que ele vai adquirindo no conjunto dos relatos que compõem a história do Brasil. Creditamos esse pormenor à vivência e à experiência de Sautchuk, velho colega da imprensa.

Louis Cruls formou-se engenheiro ali pelos anos 1860 pela Universidade de Gant, Bélgica. Recebeu influências profissionais do engenheiro gaúcho Caetano Furquim de Almeida, da empresa Ottoni, Furquim & Penna, que se dedicava a projetos e obras ferroviárias, um segmento em franca expansão naqueles tempos, sobretudo na Europa. Cruls estava interessado em trabalhar, se possível, com Caetano Furquim. E, por isso, resolveu vir ao Brasil.

Na viagem, a bordo do transatlântico Orinoque, acabou conhecendo o diplomata e escritor Joaquim Nabuco, que aqui o apresentou ao imperador D. Pedro II. Seis anos mais tarde o imperador lhe concederia o estatuto de cidadão brasileiro. E foi como tal que ele, então como astrônomo, assumiria a Comissão Carta Imperial, com a incumbência de elaborar um plano diretor para o País.

Brasileiro, casado, Louis Cruls teria filhos, um dos quais, Gastão Cruls, engenheiro sanitarista e escritor. Gastão ganhou renome na literatura nacional, em particular por conta dos romances A Amazônia misteriosa e Vertigem.

Louis Cruls nem sequer imaginava que um dia faria parte dos quadros de pesquisadores da fauna, flora e topografia brasileiras, a exemplo de Saint-Hilaire, que percorreu a região dos cerrados; de Francisco Adolpho de Varnhagem, que tanto pesquisou as entranhas brasileiras e do Marechal Mariano Cândido Rondon, pioneiro na instalação das linhas telegráficas no Brasil Central e estudioso das etnias indígenas.

É que acabou cabendo a Louis Cruls chefiar a Comissão Exploradora do Planalto Central, formada por três astrônomos, dois médicos, dois botânicos, dois engenheiros mecânicos, um geólogo, um farmacêutico e nove especialistas de diversas áreas, classificados como “ajudantes” – quase todos militares.

Os estudos elaborados por essa comissão, após a exploração do Brasil Central, comporiam o chamado Relatório Cruls, que seria utilizado como parâmetro para os projetos de urbanização e construção da nova Capital. A comissão percorreu aquela região nos anos 1892/1893, levantou sítios, rios, relevos e planícies e inventariou todos os dados que balizariam os limites do futuro Distrito Federal. De modo que, quando JK fez o célebre pronunciamento, em uma casa de madeira da antiga Fazenda do Gama, em Goiás, confirmando que cumpriria a Constituição e construiria a nova capital, já estariam disponíveis, para os interessados, as coordenadas topográficas e o conhecimento da fauna e da flora, com aquele fim.

O relatório incluiu até a sugestão para a formação do lago Paranoá, formado pelo rio do mesmo nome e “por dezenas de córregos cujos espelhos d´água ficavam na exata cota mil, o que de fato veio a ocorrer”. Segundo Sautchuk, Cruls aproveitou um desvão identificado no local, para recomendar a construção de uma pequena barragem, que formaria um alongamento de 25 km por 16 km.

O Relatório Cruls foi apresentado ao governo brasileiro ainda naquele ano de 1893 e aprovado pelo Congresso no ano seguinte. O documento instruiu o governo Getúlio Vargas a empreender, nas décadas de 1930 e 1940, a Marcha para o Oeste, que ajudou a tirar o País de sua letárgica modorra litorânea, para o desbravamento do Brasil Central e, depois, na época de JK, a construção de Brasília.

Cruls é um livro pequeno, não mais do que 158 páginas. Contudo, é mais uma peça encaixada na composição da história brasileira. Para ler, refletir, preservar.

Fonte: Revista O Empreiteiro


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