Não, não é. Antes, para reduzi-la (extirpá-la seria uma operação de séculos e, mesmo assim, localizadamente inconclusa) eram cogitadas e colocadas em práticas alterações profundas na ordem econômica, na estrutura do trabalho, da sociedade, se passando por ciclos de crescimento, eventualmente penosos. Hoje, aparentemente, as coisas estão mais simples: ela pode ser liquidada por anúncio.
Obviamente estamos falando da chamada “pobreza extrema”. Ela não difere muito da pobreza em geral, encontrada nas grandes periferias ou nas pequenas localidades, à margem de rios e córregos, nas palafitas à beira-mar ou nos rincões remotos. Essa pobreza, teoricamente circunscrita a um universo de 2,5 milhões de pessoas, pode ser eliminada, se possível, até com alguma facilidade. É o que se deduz do anúncio do governo, nos jornais de hoje. E se trata de uma liquidação com data marcada. Começa a ser liquidada a partir de março próximo, quando essas pessoas passarão a receber complemento para alcançar a “renda” mensal de mais R$ 70,00.
Espanta-me esse passe de mágica. Como não se cogitou nisso há séculos? Caso essa possibilidade tivesse sido aventada antes do processo da industrialização, na fase dos teares ingleses ou nos processos manuais de extrair riquezas do mais profundo subsolo, a pobreza extrema poderia ter sido apenas um traço na paisagem da miséria humana, no começo do surgimento das cidades.
Atualmente o governo cadastra os pobres extremos. Vai procurá-los Brasil afora até chegar a números estatísticos precisos. Por exemplo: o governo sabe que 22 milhões de brasileiros deixaram de ser miseráveis desde o começo da atual administração federal. Lastimavelmente, segundo ele, ainda restam 700 pessoas que estão fora dos cadastros oficiais. De qualquer modo, já estão cadastradas. É meio caminho andado para resolver o problema delas.
Mas, a miséria extrema pode ser resolvida assim mesmo? Certamente não. Este é um assunto que suscita seriedade. A melhor reflexão da sociedade. Resolver a pobreza extrema significa resolver problemas estruturais. Resgatar populações que estão à beira do abismo da miséria, sem casa, sem comida, sem saneamento, sem sapatos, sem roupa, sem saúde. Possivelmente parte daquela população que procuraria postos de saúde ou hospitais inaugurados com pompa e circunstância e que, logo em seguida, desabam porque foram feitos apenas para “dourar a pílula” do administrador de plantão.
Vamos respeitar a pobreza extrema, resolvendo os problemas estruturais do Brasil que está longe, a quilômetros de distância de qualquer holofote de campanha política.
Fonte: Padrão