Das duas uma: ou há uma absoluta incapacidade de governar, a não ser multando, ou a vontade obsessiva de multar elimina qualquer outra possibilidade de priorizar o ato de governar.
Porque aparentemente nunca se multou tanto. E, quando se imagina que as multas já chegaram ao auge, inventam-se novos meios para que elas continuem sendo aplicadas.
A idéia, ao menos da maioria dos governantes, é a de que sem multa, não há solução. E às vezes o cidadão não se apercebe das infrações que acaso esteja cometendo. Por isso, os governantes saem a divulgar: “A única maneira de conscientizar a população sobre as infrações é fazendo com que ela sinta, no bolso, os efeitos de seus atos.” – E tome multa.
Ocorre que há armadilhas, para que o sujeito não deixe de praticar infrações. Ele vai, por exemplo, por uma rua e, de repente, a velocidade que até ali segue obedecendo, não é mais a mesma. Tudo muda, num relance. Às vezes ele precisa parar nas proximidades de uma estação de metrô para deixar um filho, a mulher, a mãe. Pois ali perto, à espreita, se encontram os agentes de celular nas mãos, prontos para digitar as placas dos veículos de potenciais infratores. Daí em diante, por mais que o cidadão tente uma justificativa, nunca será ouvido. Os seus argumentos, diante dos argumentos dos agentes, valem menos que um centavo furado. E, ai dele, se acaso, por uma simples imprevidência, deriva para uma faixa exclusiva.
Hoje, temos o problema da crise hídrica. Mais um motivo para a multiplicação das multas. Esbulhado em seus direitos, sacrificado pela falta de planejamento de obras públicas essenciais, de repente a rotina da falta d´água vira motivo para que ele se torne vítima do poder público. Poderíamos, diante disso, parafrasear célebre frase do mestre Graciliano: “Começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com as multas. Só que, nos estreitos limites a que nos coagem a gramática e as multas, não nos podemos mexer.”
Fonte: Nildo Carlos Oliveira