Água e esgotos na vitrine dos negócios

Desde os anos 1980, com o esgotamento do Plano Nacional de Saneamento (Planasa) implantado uma década antes, o saneamento básico não vivia um momento de expectativas positivas como agora. A Lei do Saneamento Básico (11.445/07), aprovada em janeiro deste ano, e o anúncio do aporte de R$ 40 bilhões provenientes de recursos do PAC, que o governo federal quer colocar em prática com Estados, municípios e empresas privadas, devem dar um novo alento às outras desse segmento. O professor do curso de pós-graduação em Meio Ambiente e Sociedade da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp), Elcires Pimenta Freire, diz que a lei traz ordenamento jurídico e estabelece as diretrizes para universalização do acesso ao saneamento. “O marco regulatório sozinho não é suficiente para deslanchá-lo, mas é um pré-requisito fundamental para que isso aconteça”, afirma Freire. O secretário de Recursos Hídricos de Pernambuco e presidente da Compesa, João Bosco de Almeida concorda. “Sem a regulação, certamente seria muito mais difícil trazer os investimentos necessários.”

A regulação institucionaliza os contratos de concessão, as regras de fiscalização e o controle da atividade, além de assegurar o equilíbrio econômico e financeiro das concessões. Estão previstas, por exemplo, regras para o corte dos serviços no caso de inadimplência dos usuários. Somente hospitais, escolas, asilos e penitenciárias terão garantia de fornecimento. “A lei traz segurança jurídica e regras claras para o setor, o que, sem dúvida, ajuda a atrair investimentos”, afirma Sérgio Antônio Gonçalves, secretário substituto de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades. Segundo ele, os serviços de saneamento deverão contar também com uma agência reguladora. Pela nova lei, cada cidade deverá possuir um plano integrado que inclui abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem de águas pluviais e manejo dos resíduos sólidos. Um aspecto inovador da norma é o controle social na gestão dos serviços prestados.

Se, por um lado, as concessionárias terão garantias que lhes darão poder para, por exemplo, cortar o fornecimento por atraso de pagamento, por outro o cidadão terá informações e participação no processo de formulação das políticas setoriais. Tal controle poderá ser feito por meio de conselhos municipais, estaduais ou federal, que terão caráter consultivo, mas, a exemplo dos conselhos da saúde e da educação, poderão exercer pressão em questões importantes.

A prioridade na transparência e no controle público das ações adquire papel central na política de saneamento”, afirma Sérgio Antônio Gonçalves. Ele revela, que será criado o Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (Sinisa), com objetivo de coletar e sistematizar dados sobre a prestação dos serviços públicos de saneamento básico, facilitando o monitoramento e avaliação da sua eficiência.

Os dados do sistema estarão disponíveis na Internet. “Apesar de não tratar da alocação explícita de recursos, a nova lei cria condições para um ambiente estável que irá induzir os prestadores à prática da gestão dos serviços de forma plena”, avalia o presidente da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae), Silvano Silvério da Costa. Como conseqüência, os investimentos se darão a partir de serviços sustentáveis garantidos via receita tarifária. Outro fator apontado por Costa como determinante para o movimento que reorienta a volta dos investimentos, foi a regulamentação da Lei de Consórcio (11.107/05) em janeiro.

A partir de então, é possível praticar a gestão associada de serviços de saneamento básico, o que irá viabilizar várias ações conjuntas de municípios entre si, com ou sem a participação do Estado e da União. “Participamos de iniciativas para fomentar a formação de consórcios em diversos Estados brasileiros.

Queremos juntar pequenos e médios municípios para permitir que seja feito em conjunto o que não dá para fazer sozinho. Será possível viabilizar projetos, planos, compras em escala, controle de qualidade da água e diversas ações que compõem a gestão associada de serviços. Até mesmo a regulação e a fiscalização”, revela Costa.

Com a segurança que o marco regulatório oferece aos investidores, o governo espera atrair mais investimentos públicos e privados, principalmente por meio das Parcerias Público-Privadas (PPPs), afirma Sérgio Antônio Gonçalves, do Ministério das Cidades. “Essas parcerias podem contribuir para acelerar o acesso da população aos serviços de abastecimento de água, rede de esgoto e coleta de lixo.”

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada em 2005 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revela que, dos 53 milhões de domicílios particulares existentes no País, 82,32% têm abastecimento de água, 47% têm acesso à rede coletora de esgoto e apenas metade desse percentual conta com serviço de tratamento de esgoto. A meta do governo é ampliar, até 2010, o atendimento em 7 milhões de residências com abastecimento de água, 7,3 milhões com rede coletora e em 8,9 milhões com coleta e destinação adequada do lixo. A nova lei, destaca Carlos Henrique da Cruz Lima, diretor presidente da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon)“deixa em aberto a questão da titularidade”.

A titularidade do serviço não está detalhada na lei do saneamento e a questão está em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Mas um artigo estabelece que a retomada da prestação do serviço acarretará indenização ao concessionário. As empresas não gostaram de alguns vetos, como o que exclui a possibilidade de abatimento do PIS e da Cofins dos investimentos realizados. Mas, no geral, vêem a regulamentação de forma positiva porque ela conceitua saneamento de forma abrangente e integral. Com as novas regras, a estimativa da iniciativa privada é saltar dos atuais 7% de participação no mercado para 30% em 2017.

Segundo a Abcon, nos próximos cinco anos os investimentos devem atingir R$ 5 bilhões. Nem todos vêem mar de almirante para o saneamento brasileiro. “Entre as companhias estaduais de saneamento existe o sentimento de que as medidas adotadas são insuficientes para alavancar o setor”, afirma Paulo Ruy Cornelli, da Aesbe. “Persistem dificuldades que precisam ser removidas como, por exemplo, a insuficiência de recursos e de fontes de financiamento, regras burocráticas excessivas e desnecessário
te;rias que dificultam e atrasam a execução dos empreendimentos.”

Os limites de endividamento das empresas públicas é outro entrave que precisa ser removido, sob pena de prejudicar o fluxo de investimentos. Para o professor da Fespsp, Elcides Pimenta Freire, os municípios também terão muito trabalho pela frente e poderão encontrar problemas. “Percebemos que a maioria das cidades ainda não está preparada para as novas responsabilidades e que só agora está iniciando o planejamento dos serviços e a adequação da lei municipal.”

Na opinião do presidente da Associação Brasileira de Infra-estrutura e Industria de Base (Abdib), Paulo Godoy um dos gargalos para a implementação dos investimentos é a ausência de estudos de modelagem e a falta de projetos. O estudo de modelagem precisa ser elaborado pelo poder público, pois ele vai determinar o melhor modelo a ser adotado para a expansão dos serviços de saneamento no município.

“O gasto com essa ferramenta representa cerca de 1% do valor total do investimento, mas é fundamental para mostrar o melhor modelo para a expansão da rede de água e esgoto”, afirma Paulo Godoy.

Fonte: Estadão

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