Há muito considerada cara e trabalhosa, a energia das marés
só agora está começando a atrair o interesse de investidores
Investir na captação da energia das marés não é para empresas com perfil conservador. Por enquanto, trata-se de uma área de negócios que tem mais a ver com corporações mais arrojadas e pessoas que gostam de emoções fortes. Quem bem pode afirmar isso é o presidente da Verdant Power, William Taylor. Na primeira vez que a companhia mergulhou uma turbina experimental no East River da Cidade de Nova York (EUA), no final de 2006, as poderosas correntes das marés – elas podem correr a até 6 m.p.h. (quase 10 km/h) em um dia bom – destruíram as pás de fibra de vidro do dispositivo. Depois, eles tentaram uma turbina com rotores feitos de alumínio e magnésio, mas depois de uns dois meses, o rio ganhou a parada de novo. Finalmente, no verão de 2008, a Verdant mergulhou um terceiro projeto, com pás de uma liga dura de alumínio. Elas provaram ser suficientemente fortes, e logo estavam gerando eletricidade suficiente para fornecer energia para iluminar um supermercado próximo.
Isto parece ser um pequeno retorno para uma operação que custou milhões de dólares, mas Taylor não perdeu a coragem. "Tudo faz parte do mantra – aprender fazendo" diz o executivo, de 61 anos de idade. "O potencial das marés pode ser simplesmente enorme".
O poder das marés não conta com a mesma atenção – nem com os investimentos de capital – que as fontes de energia de perfil mais importante, tais como a energia solar ou os biocombustíveis, mas há um monte de energia esperando para ser retirada dos movimentos do oceano. Diferente das brisas ou do sol, as correntes das marés são verdadeiramente previsíveis – os marinheiros as mapeiam há anos – o que significa que os engenheiros sabem exatamente quanta energia eles vão obter, e quando a obterão. A mecânica é física básica – basicamente, as turbinas de maré agem com moinhos submersos, transformando as correntes oceânicas em corrente elétrica.
E não há falta de locais potenciais em todo o mundo – um estudo feito pelo Electric Power Research Institute estimou que até 10% da eletricidade americana poderia ser fornecida pelas marés, um potencial igualado na Grã Bretanha e superado em locais costeiros poderosos, como a Bahia de Fundy no Canadá.
Mas a decolagem da energia das marés tem sido dificultada pela burocracia, por preocupações ambientais e pelas dificuldades de construir e manter infraestruturas debaixo da água. Cerca de 42 anos depois que a usina de marés Rance, de 240 MW, foi terminada na costa norte da França, nem um só projeto em escala comercial de fornecimento de energia foi construído. "Será viável, mas ainda acho que será o último da lista por um bom tempo", diz Miriam Horn, uma escritora do grupo ambientalista Environmental Defense Fund. "Vai precisar de muito apoio (do governo)."
Está faltando muito apoio nos EUA, onde a ajuda estatal para energia alternativa que não é cultivada pelos fazendeiros de milho não existe. Mas isto não evitou que a Verdant ou a Oceana Power, sediada em Washington, investissem na tecnologia. A Verdant, lançada em 2000, está expandindo seus empreendimentos para além dos testes em Nova York, e planeja projetos na costa no Texas e no Canadá, que têm um potencial de energia das marés estimado em 15.000 MW.
A Oceana está caminhando mais lentamente nos projetos atuais, mas por meio de uma rede de subsidiárias regionais, já declarou posse sobre águas de maré em todo os EUA, inclusive embaixo da Ponte Golden Gate em São Francisco. A concorrência às vezes causa atrito entre as duas companhias, mas ambas concordam que a burocracia governamental está prejudicando o desenvolvimento da indústria nascente.
Mais de uma dúzia de órgãos governamentais federais, estaduais e locais compartilham o controle das águas das marés da nação, o que pode fazer da obtenção de uma permissão um pesadelo burocrático. "É de um jeito na Califórnia, e de outro em Massachusetts", diz Daniel Power, Presidente da Oceana. "Há uma grande falta de precedentes aqui, então todos estão obtendo seus pedaços de mar."
As coisas estão um pouco mais avançadas na Europa. A usina Rance, no noroeste da França, é o único sistema de energia de maré com escala pública do mundo – mas é uma usina de barragem de maré que envolve a formação de represas de água, um método que tem impactos mais sérios no meio ambiente do que as novas turbinas de maré de geração de energia. A cidade de Hammerfest, na Noruega, abriga um projeto de maré experimental de 300 kW há muitos anos.
O Reino Unido, embora também prejudicado pela burocracia, está na frente dos EUA. Isto é em parte um reflexo da posição mais forte do governo britânico no corte de emissões de carbono, mas também porque a energia das marés tem um apelo óbvio para a nação- ilha.
A empresa Marine Currrent Turbines (MCT), sediada em Bristol, cujos diretores trabalham na área desde o início da década de 90, instalou uma turbina de 300 kW na costa de Lynmouth, Devon, com sucesso, em 2003.
Agora a MCT está desenvolvendo um projeto de energia das marés em escala comercial de $20 milhões na turbulenta Strangford Narrows, na Irlanda do Norte. Chamado SeaGen, o projeto já quebrou recordes: no mês passado ele se tornou a primeira turbina de marés a atingir uma capacidade de 1.2 MW. A companhia a seguir planeja um projeto de 10.5 MW na costa da ilha Anglesey, no País de Gales, em uma parceria com a NPower Renewables, que faz parte da gigante das concession&a
acute;rias públicas RWE. O principal obstáculo hoje em dia é o financiamento, não a ciência, diz Wright.
Os projetos de marés têm custos iniciais altos – as turbinas são praticamente feitas à mão – e isto não mudará até que o mercado cresça e as companhias que as desenvolvem possam atingir economias de escala. Isto exige subsídios. "Esta tecnologia precisa subir em escala rapidamente", diz Wright. "O governo precisa acreditar que isto pode acontecer". Isto também pode exigir um progresso nos regulamentos ambientais, de acordo com Taylor, da Verdant. As regras já reduziram a velocidade de diversos projetos. A Verdant teve que gastar $2 milhões em sua operação de Nova York só para garantir que suas turbinas não transformassem a vida aquática local em sashimi. (isto não aconteceu). Os advogados argumentam que a energia das marés tem vantagens potenciais suficientes – diferente das turbinas eólicas, os geradores de maré são invisíveis, por exemplo – para valerem sua promoção. "Vai acontecer", diz Power da Oceana. "É só uma questão de quando e com que rapidez".
O futuro exigirá investimentos em alternativas sustentáveis
Nas próximas duas décadas, a humanidade assistirá a uma revolução na matriz energética em todo o planeta. Combustíveis fósseis, como petróleo, carvão e gás natural, perderão espaço para as alternativas renováveis e limpas, embora continuem a ser utilizados como fontes geradoras de energia. As chamadas fontes alternativas, como energia eólica, fotovoltaica e geotérmica, ganham espaço, e também a geração nuclear cresce, por ser livre de emissões de CO2 – apesar das polêmicas envolvendo o destino do lixo radioativo.
Paralelamente, crescerão as pressões da sociedade, em todas as nações, no sentido da redução das emissões de gases de efeito estufa, obrigando os governos e grande corporações a combinar diferentes fontes de energia até atingirem níveis aceitáveis de emissões. E para se manter em uma posição confortável nessa corrida por energias sustentáveis, o Brasil terá que derrubar alguns mitos e fomentar as cadeias de produção de energia nuclear e eólica, além de investir na nova geração de biocombustíveis, como o etanol a celulose. Essas são algumas das conclusões do estudo "Energy Shift" ("Virada Energética", em tradução livre), da consultoria Booz & Company, que traçou um panorama do cenário de energia no mundo até 2030.
O estudo observa que o Brasil está bem posicionado em relação à sua matriz energética, com 46% de fontes renováveis. Mas diz ser preciso não se acomodar com as inovações que levaram o País a essa liderança, como hidrelétricas, carros flex e etanol.
"A virada energética no Brasil terá um ritmo diferente dos países desenvolvidos, pois fomos o primeiro país a concentrar esforços em desenvolver fontes renováveis", explica Arthur Ramos, sócio da Booz & Company no Brasil. "Mas o Brasil tem de almejar estar na linha de frente do desenvolvimento de novas tecnologias em geração de energia. É hora de virar a página e investir em inovação", diz."Ainda haverá espaço para os fósseis, mas também para energia eólica, fotovoltaica e gás natural, que é um combustível fóssil, mas bem menos poluente."
Ou seja: é melhor parar de nos vangloriar de termos hidrelétricas e etanol em grande escala e começar a vislumbrar outros horizontes. E não sujar a matriz com termelétricas a óleo combustível, como já prevê o plano de energia para os próximos anos.
O estudo da Booz & Company tem como objetivo dar pistas sobre o futuro da energia, para que empresas de diferentes setores se preparem para as mudanças. "O conselho para o Brasil seria desenvolver as cadeias produtivas de energia eólica e nuclear", diz Ramos. Entre as fontes renováveis, a eólica é a que deve alcançar maior escala em menor período de tempo, aponta a pesquisa.
O crescimento da energia eólica, será maior se levar em conta o mapa eólico, com destaque para Mina Gerais, um dos estados com maior potencial eólico do País. Infelizmente os sucessivos governos não tem demonstrado grande interesse pela produção de energia eolica, embora o Brasil tenha cenários propicios para isso e que não seja necessário grande aparato de engenharia nem grandes obras.
Não podemos esquecer, também, da capacidade brasileira de geração de biomassa, primeiramente para fins de cogeração energética (resíduos de arroz, cana, milho, capim elefante, coco, madeira etc.), bem como a imensidão de estações de tratamento de esgoto, aterros e lixões, geradores de biogás que poderão ser viabilizados para geração de energia.
A própria matriz hidrelétrica precisa ser destravada e melhor aproveitada, com o desenvolvimento de pequenos empreendimentos (PCHs a fio dágua), que geram menor pequeno impacto ambiental, sem criação de grandes áreas alagáveis, ao contrário de grandes hidrelétricas.
Fonte: Estadão