A ampliação do Canal do Panamá está concentrada, na fase atual, nas operações de dragagem e nas escavações em terra e em rocha. Quando concluída, em 2014, permitirá a passagem de navios com 49 m de largura e de até 365 m de comprimento
Nildo Carlos Oliveira – Canal do Panamá (Panamá)
São várias frentes de trabalho articuladas mediante rigoroso planejamento de engenharia. De um platô, de onde se tem uma visão não total, mas a mais ampla possível do conjunto, vemos uma espantosa concentração de equipamentos – possivelmente a maior de que se tem notícia na atualidade – operando nas dragagens e nas escavações.
O engenheiro panamenho Juan Wong H., gerente do projeto do terceiro jogo de eclusas do Pacífico, garante à revista O Empreiteiro que as obras avançaram, até maio último, 38%. As dragagens progridem a partir das entradas dos dois oceanos – Atlântico e Pacífico – tornando-as mais largas e profundas, orientadas segundo o projeto que ampliou a capacidade das eclusas.
Aparentemente, quando as obras estiverem prontas, o número de navios na passagem poderá até permanecer o mesmo – 14 mil por ano – mas o tamanho deles e a tonelagem das cargas terá aumentado consideravelmente: de 311 milhões de t para até 340 ou 350 milhões de t por ano. E a expectativa é de que até 2025 a capacidade ampliada do canal permita o tráfego de 19.600 navios. Quando isso ocorrer, a capacidade de carga terá aumentado para 600 milhões de t/ano.
A Autoridade do Canal do Panamá (ACP) tem informado que as turbulências no mercado internacional não vêm alterando as previsões em relação ao fluxo crescente da movimentação de mercadorias naquela travessia interoceânica. Tanto assim, que a receita de US$ 2,3 bilhões, obtida no ano passado, foi considerada a maior já obtida na passagem pelo canal.
*Nildo Carlos Oliveira navisita às obras do canal
Hoje, deste posto de observação, de onde vemos os trabalhos se desenvolvendo ininterruptamente, no mar ou em terra, lembramos que a travessia foi inaugurada no dia 15 de agosto de 1914. A data é literalmente um divisor de águas no comércio internacional. E tudo, atualmente, parece simples; apenas uma passagem. Contudo, as obras para interligar o Atlântico ao Pacífico constituiu uma das maiores epopeias da engenharia no começo do Século das Luzes.
Naquele dia de agosto de 1914 o navio Ancón avultou no canal de 82 km de extensão, com largura de 90 m no estreito de Culebra e de 350 m no lago de Gatúm. A passagem da embarcação pela travessia comprovaria que aquela rota de navegação poderia ser cumprida, em condições normais, em menos de dez horas. Tudo diferente de anos anteriores, quando os navios tinham de contornar a América do Sul, entravam nas águas geladas e perigosas do lendário Estreito de Magalhães, na Patagônia, no extremo sul do continente, e somente depois de vencer 16 mil km poderiam aportar no destino previsto.
O Canal do Panamá mudou o ritmo da história marítima e econômica do mundo, embora os custos contabilizados em sua construção viessem a ser extremamente altos: morreram na selva e nas águas, vítimas de acidente e de toda sorte de doenças tropicais, mais de 30 mil trabalhadores. Naquela época, foram investidos nas obras cerca de US$ 400 milhões.
Do início do Séculos das Luzes ao limiar deste novo milênio, muitas águas correram pelo canal. E as obras de ampliação atualmente em andamento compreendem a aplicação de praticamente todas as modalidades de especialização da engenharia, desde o mais singelo conhecimento de obras e instrumental hidráulicos, até estudos pormenorizados do solo e do mar, métodos de escavações profundas, medidas preventivas contra escorregamentos, cuidados excepcionais na estação chuvosa e habilidade nos trabalhos fora e no fundo dos oceanos, nas condições mais adversas.
*O engenheiro panamenho Juan Wong H. diz quecada detalhe da obra do canal é um rico aprendizado
As obras em execução
Juan Wong H. diz que cada obra ali em andamento corresponde a um rico aprendizado do ponto de vista da engenharia e que o canal é, sim, atualmente, a maior concentração de máquinas em uma só obra. Em cada uma das três novas eclusas operam 27 guindastes, além de outros equipamentos. Trabalha ali um contingente de 7.600 pessoas, número que aumentará para 9 mil, possivelmente até meados do ano que vem.
As obras estão entregues à responsabilidade do Grupo Unidos pelo Canal (GUPC), que é constituído pelas empresas Sacyr Vallehermoso, da Espanha; Impregilio, da Itália; Jan de Nul, da Bélgica, e a Construtora Urbana S. A. (Cusa), do Panamá. O GUPC foi o único grupo que venceu a licitação para a elaboração do projeto e para a construção do terceiro jogo de eclusas.
O engenheiro informa que ao lado das obras em curso – dragagem, escavações, concretagem – o período que, para ele, poderá ser o mais complexo, será aquele da construção e montagem das eclusas. No geral, o programa de ampliação previu o seguinte:
• Construção das novas eclusas Pospanamax do Pacífico e do Atlântico, que terão três câmaras, tanques de reutilização de água e comportas rodantes.
• Escavação do novo canal do acesso norte, requerendo escavação depois de executada ensecadeira ao longo do trecho para aquele fim. Deverão ser escavados cerca de 50 milhões de m³ ao longo de 6,1 km.
• Escavação do canal de acesso do Pacífico – fase 1 – com remoção de 7,3 milhões de m³ de material.
• Escavação do mesmo canal – fase 2 – com a remoção de 7,4 milhões de m³ de material, além do desvio de cerca de 3,5 km do rio Cocoli e a alteração de traçado da rodovia Brinqueno. E escavação ainda do canal de acesso do Pacífico – fase 3 – que incl
ui a remoção e disposição final de 8,2 milhões de m³ de material.
• Além daquelas obras e outras complementares, o planejamento tem em vista as 16 comportas, tipo rodante, das novas eclusas. Essas comportas terão 427 m de comprimento, 55 m de largura e 18,3 m de profundidade – dimensões que equivalem àquelas de um navio de contêineres de 12.000 TEU (twenty-foot equivalent – containers de 6,1 m de comprimento).
Cada conjunto de comportas será acompanhado por tanques de reutilização de água, de dimensões com 430 m de comprimento, 70 m de largura e 5,5 m de profundidade. Tal arranjo permite coletar gravitacionalmente a água utilizada no tráfego pelas comportas, num reaproveitamento de 60%.
O lançamento de concreto para a construção das estruturas será feito à temperatura de 17°C.
A rigor, as obras do canal lembram a construção de uma grande hidrelétrica: primeiro, vêm as operações de movimento de terra; depois, as escavações e a concretagem das estruturas fixas e, em seguida, a continuidade das obras civis, utilizando-se concreto e aço e, finalmente, a instalação das comportas e dos demais equipamentos eletromecânicos.
Para a execução do conjunto das obras, as diversas equipes, articuladas, trabalham em cima de um projeto e de um programa de construção que otimizam as escavações, com o uso de materiais locais, definindo métodos que levam em conta critérios geotécnicos, estruturais e sísmicos e hidráulicos que confluem para um resultado eficiente e durável, tanto nas eclusas do Atlântico quanto nas do Pacífico, segundo os técnicos.
Quanto às eclusas, eles salientam que a fabricação dos seus respectivos componentes está sendo feita, segundo projetos específicos, em várias regiões do mundo. Por exemplo: as comportas são fabricadas na Itália, pela empresa Cimolai SpA, enquanto a fabricação das válvulas estão sob a responsabilidade da sul-coreana Hyundai.
Para construir as novas eclusas, a empresa contratada utiliza canteiro próprio onde manipula os agregados na preparação do concreto que já está sendo lançado para dar forma àquelas estruturas. O uso de tanques de reutilização de água é considerado o sistema mais eficiente para reduzir o volume de água que será usado nas novas eclusas. São estruturas de armazenamento de água dispostas em locais adjacentes às câmaras das eclusas.
Publicação da Autoridade do Canal do Panamá informa que as atividades de escavação seca (depois de feita a ensecadeira), no canal de acesso ao Pacífico, exigiram a limpeza de 400 ha de terra contaminada por munições e explosivos remanescentes das práticas de tiro realizadas pelo exército norte-americano, durante sua presença na área do Canal do Panamá.
Tudo documentado
Juan Wong informa que todas as experiências provenientes das novas obras do Canal do Panamá – dragagens, entrada do Pacífico, entrada do Atlântico, ampliação do canal de navegação ao longo do lago Gatún, aumento do nível máximo de operação deste lago e outras mais – estão sendo criteriosamente checadas, avaliadas e documentadas para que fiquem, como objeto de estudos, para as futuras gerações de engenheiros.
*Terceiro jogo de eclusas
Ele forneceu à revista alguns quantitativos para que se tenha uma ideia do volume dos trabalhos que ali se processam: concreto: 4,7 milhões de m³; barras de ferro para armaduras: 197,026 t; aço estrutural para as comportas: 52.500 t; escavações: 38,3 mihões de m³; e material dragado: 9,2 milhões de m³.
Consultado pela revista, Juan Wong disse que seria de sua maior satisfação proferir palestra em instituição de engenharia do Brasil sobre os avanços técnicos que estão sendo obtidos com as obras de ampliação do Canal do Panamá – a nova obra do século.
Fonte: Padrão