Aperto da fiscalização para melhorar as licitações

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A Lei 8.666 é boa, carece de aperfeiçoamentos, mas só a fiscalização intensiva, com o uso dos recursos da tecnologia da informação, será possível apertar o cerco aos dilapidadores do dinheiro público
Reportagem recente publicada no jornal O Estado de S. Paulo, assinada pelo jornalista Fausto Macedo, volta a expor mazelas constatadas em obras e serviços públicos. O trabalho se apóia em mapeamento do Serviço de Perícias de Engenharia Legal da Polícia Federal do Instituto de Criminalística (INC) e traz a espantosa revelação de que houve desvios da ordem de R$ 15 bilhões, praticados em 26 estados, no período de 2000 a 2008, conforme 1.770 laudos exaustivamente analisados.

Os peritos informaram que, no conjunto, os empreendimentos sobre os quais incidiram as inspeções correspondem a investimentos de R$ 110,47 bilhões. A matéria do Estadão salienta que, para chegar “ao montante do rombo”, os técnicos não se debruçaram tão-somente sobre os documentos que tiveram em mãos. Eles se aprofundaram no exame da qualidade do trabalho realizado, avaliando as especificações adotadas na execução de pavimentos rodoviários e de outras obras e desenvolveram até ensaios de laboratório.

No geral, o mapeamento considerou os seguintes modelos de obras: edificações (33%), estradas (6%), pontes (4%), drenagem (5%), obras de natureza hídrica (3%), elétricas (2%), abastecimento de água (9%) e saneamento (8%). Em alguns desses segmentos, o sobrepreço constatado chegou às raias de 250%. Para se ter idéia do trabalho realizado, basta dizer que foram vistoriadospor amostragem 9,32 milhões de m² de área, e 3,84 milhões de m³ de materiais empregados nas obras.

Eles percorreram, segundo a reportagem, 211,8 mil hectares de terreno e analisaram o custo mínimo de 313 obras, além do material empregado em 177 delas, chegando à seguinte constatação: 168 contratos apresentavam preços fora da realidade do mercado e outras 63 das obras careciam do projeto básico – uma exigência elementar da Lei 8.666, promulgada pelo presidente Itamar Franco em junho de 1993.

Os peritos concluíram que houve superfaturamento em 168 obras; que 143 não chegaram a ser executadas; 108 registravam sobrepreço; 75 tinham deficiência na qualidade; 63 estavam sem projeto básico; 44 estavam com o quantitativo superdimensionado e havia ainda outras irregularidades. A reportagem de Fausto Macedo destacava, ainda: “O rombo nas estradas sugou R$ 200 milhões”.

Com os dados dessa reportagem em mãos, a Revista O Empreiteiro procurou a Seção Paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para colocar algumas indagações: Há furos na Lei 8.666? Como coibir abusos dessa natureza, na fase de licitação e na etapa da construção, a fim de que o Tesouro, ou em fiscal, o contribuinte, não continue a ser lesado pelos que burlam a legislação e continuam a agir como se o País fosse território de ninguém?

Rigor na fiscalização

O advogado Anis Kfouri, que preside a Comissão de Fiscalização da Qualidade do Serviço Público da OAB-SP, diz que não há milagre, nem pode haver contemplação. Contra os abusos, fiscalização intensiva, através de todos os instrumentos e instâncias legais disponíveis.

Ele entende que a Lei 8.666 fixa uma diretriz constitucional. Incorpora os princípios da ética, da eficiência e da moralidade. Foi elaborada impessoalmente prevendo atuação equânime.
Estabelece os requisitos a serem obedecidos na conformidade do tipo de serviço ou obra que se tenha em vista. Mas, não será por conta de eventuais burlas de que ela é vítima, que deva sistematicamente ser remendada. Carece de aperfeiçoamentos impostos pela evolução, pelas modernizações, mas não foi feita para dar margem a práticas corruptoras. “Porque o Brasil”, diz Anis Kfouri, “não peca pela falta de legislação. Ele tem até excesso de leis. Peca, pela falta de cumprimento das leis”.

Daí, a necessidade da fiscalização, embora haja quem veja na atuação do Ministério Público ou do Tribunal de Contas da União eventual entrave ao desenvolvimento de obras de caráter imprescindível. Mas o entrave não está na atuação desses órgãos e, sim, nos mecanismos que motivam esses entraves.

Anis Kfouri vê dois aspectos no trabalho da fiscalização: o operacional e o legal. O serviço público evoluiu muito em seu sistema de compra de produtos e contratação de obras. Da compra do avião presidencial à aquisição de um parafuso, as regras de transparência são claras. Por isso, para que seja verificado se elas estão sendo cumpridas, há necessidade de um sistema de fiscalização operacionalmente integrado, a fim de que se obtenha a melhoria na gestão dos recursos públicos.

Se a aplicação de um sistema integrado dessa ordem é válida para a fiscalização da compra de um produto convencional – um caderno escolar, por exemplo – é válida também para uma obra pública de grandes dimensões. Às vezes se planeja uma solução viária importante, mas se esquece da especificação do equipamento de iluminação adequado. Da mesma forma, às vezes se deixa para as calendas a especificação de um serviço de drenagem numa obra rodoviária. E, então, abre-se aí o campo de manobra para os expedientes que derivam para desvios ou sobrepreço. E a sociedade é quem acaba pagando o pato.

Se a compra de um projeto ou a elaboração de um edital de licitação fossem feitos já incluindo os cuidados para evitar a burla, a esperteza, muitos dos fatos objeto de denúncias e auditorias não teriam se tornado fatos das páginas policiais. Pelo menos teriam sido coibidos no nascedouro.

Anis Kfouri diz que, do ponto de vista legal, dispõe-se de uma norma que ainda não atende, em seu conjunto, à demanda dos serviços e obras. É que às vezes a legislação permite alguma flexibilização na etapa licitatória, ensejando alguma discricionariedade, dependendo da contratação. A fiscalização precisa ter em vista esses aspectos. E ir a fundo para verificar se no edital há alguma nuança prevendo dirigismo capaz de eliminar a equanimidade. Se isso ocorrer, o caminho é procurar a Justiça.

Para o advogado, a fiscalização intensiva, com o acompanhamento de segmentos interessados da sociedade, é o caminho mais adequado para cercar e bloquear a ação criminosa dos que se locupletam com os desvios em serviços e obras públicos.

As entidades de engenharia deveriam também acompanhar essa questão para observar se o volume de obras públicas contratadas está mesmo sendo e

xecutada segundo o volume dos recursos públicos corretamente orçados e com a garantia de qualidade prevista. Essa inovação foi assimilada pela engenharia brasileira quando se construiu a usina nuclear Angra I.

Fonte: Estadão


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