Percorremos, eu e o Augusto Diniz, algumas centenas de km ao longo da Transamazônica. Às vezes avançávamos pelas vicinais. A nuvem vermelha de pó, aos poucos dissipada mata adentro, incrustava-se no rosto, na roupa, no veículo. As pontes precárias de madeira não estavam apenas nas estradas que davam para os campos de pastagem ou para pequenas roças que, no fundo, encobriam os crimes perpetrados contra a floresta. Elas iam aparecendo também pela rodovia pioneira, cuja obra, iniciada em 1969, só seria inaugurada, embora pareça continuamente inconclusa, cinco anos depois.
Era fácil avançar pelos trechos pavimentados, embora não houvesse sinalização satisfatória e placas indicativas da quilometragem. De repente, o asfalto terminava e voltávamos a mergulhar no pó. Então não havia como deixar de refletir sobre a realidade da estrada na época das chuvas rápidas e torrenciais da região: trechos virariam igarapés e por ali seria impossível prosseguir, mesmo com o uso de botas de sete léguas. Quando ingressávamos em alguma vicinal, calculávamos o que aconteceria se acaso chovesse. Não haveria como remover o pequeno carro, alugado, do lamaçal inevitável. E, até onde o olhar podia alcançar, as chances de eventual socorro seriam remotas.
Às vezes nos perguntávamos: “Haverá lei por aqui?” — A solidão absoluta excluiria, em nosso entender, essa possibilidade. Por onde quer que fôssemos, todo cuidado era pouco em relação aos animais, sobretudo cobras e lagartos, que inesperadamente saíam da mata para nos surpreender à margem da estrada ou no meio da pista.
O cenário, em longos trechos, dissimulava o desmatamento. Os estragos ficavam escondidos por trás das cercas vivas, provocados por madeireiros que seguiam em busca da concentração de madeira de lei. Nas planícies e em áreas onduladas no relevo, o gado pastava. E, em outras, a fumaça mostrava a multiplicação de incêndios. A pecuária pasta a floresta.
Na rota entre o município da Volta Grande do Xingu a Anapu as devastações não paravam. E intuíamos que algumas clareiras que a floresta, com o passar dos anos, voltava a ocupar, seriam marcas deixadas por colonos na época em que o governo abriu os campos ao processo de colonização. Alguns remanescentes daquela população traíam o passado, nos olhos e nos cabelos claros.
Na transposição do rio, por balsa, foi ilustrativa a conversa com o madeireiro João Lourenço, que há muitos anos vive e se considera feliz na região. Pergunto: – “O senhor vive, então, de sacrificar a floresta e mandar troncos de madeira para outros estados ou para fora do País?”
“Sim, é o meu meio de vida.” — “E o senhor não teme a fiscalização? Não receia que o Ibama lhe ponha as mãos?” Ele sorri e responde: “O quê? Pôr as mãos em mim? Veja: quando eu percebo que a fiscalização se aproxima, rio abaixo ou rio acima, simplesmente mudo de margem. Nessa vastidão é difícil pegar a gente”. Ele fala com a desfaçatez de quem se sente com a segurança da impunidade.
A desfaçatez explica a ampliação do desmatamento. Estudos recentes do Centro de Ciência do Sistema Terrestre (CCST), ligado ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), aponta que, desde o começo da década de 1970 até 2013, a exploração madeireira e o desmatamento gradual retiraram do bioma 762.979 km² de floresta, área equivalente a dois territórios da Alemanha.
Levantamento apresentado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia mostra aumento de 191% no desmate da floresta em agosto e setembro últimos, em relação ao mesmo período de 2013. Diante desses dados não dá para entender por que o Brasil não correu para assinar, na Cúpula do Clima, realizada pelas Nações Unidas em setembro passado, um acordo formalizado para reduzir pela metade a perda de florestas até 2020 e zerá-la até 2030.
Zerá-la seria um sonho tão inabordável quanto a utopia de Thomas Morus. A alegação do governo brasileiro para não avalizar o documento foi de que ele não havia sido “convidado a se engajar no processo de preparação para aquele fim”. E daí? Ao menos poderia demonstrar boa vontade, assinando, defendendo e divulgando o acordo, que teria o apoio da população. (Nildo Carlos Oliveira)
Fonte: Revista O Empreiteiro