Arriscando a vida para estudar

No interior alagoano, alunos chegam em caminhonetes e barcos às escolas, que não têm estrutura mínima para recebê-los

Fábio Batista, 12 anos, é estudante da Escola Estadual Demócrito Gracindo, em Mata Grande, Alto Sertão Alagoano, a 266 km de Maceió. Percorre a pé um trecho de barro para chegar à caminhonete que o transportará. A viagem é cansativa, dura em média uma hora, e acontece apenas quando há sol, porque quando chove… "A caminhonete não passa. Tem muita ladeira e buracos. Tenho que faltar. No inverno ficamos quase dois meses sem aula", diz.

Os alunos também faltam para ajudar os pais. A rotina de Fábio inclui carregar baldes d’água, lavar roupa e plantar. "Quando sobra tempo, costumo ler histórias em quadrinhos", relata. A rotina de Alison Silva, 12 anos, é semelhante. Ele também passa uma hora em cima de uma caminhonete para estudar.

Mata Grande possui apenas um ônibus escolar para atender às 12 escolas municipais e estaduais. As caminhonetes são alugadas pela prefeitura e, em outros horários, são usadas para transporte de outros passageiros, objetos e animais.

Maria Cícera dos Santos, 17, conta que, muitas vezes o motorista briga com os alunos para que não se pendurem para fora do carro. "E vem sempre correndo a 80 km/h", diz. Sua amiga, Givaneide da Silva, 16, relata que além do veículo desconfortável e perigoso, precisa caminhar durante meia hora por chão de barro até chegar à sua residência.

Diretores e professores da escola Demócrito Gracindo se preocupam com as dificuldades dos alunos. Noberto Lima Vilar, coordenador, considera o transporte improvisado desumano e perigoso, já que as crianças são carregadas na caçamba, sem cinto de segurança. A diretora-geral da escola, Maria Luzia de Souza, conta que durante o ano letivo cerca de 250 alunos desistem dos estudos por falta de transporte.

"O esforço é grande, eles têm boa vontade e a gente incentiva a leitura e o aprendizado", declara a professora Cícera Lúcia de Alencar. A professora Izabelly Brandão complementa que em dias de chuva chegam com o material escolar molhado.

Sem estrutura

O cartaz fixado na parede anuncia: "Que bom que você veio! Quero ver você brilhar! Você é muito importante para nós! Queremos o seu sucesso. O futuro da escola é você".

A mensagem otimista é quase um grito de socorro. A mais antiga escola da cidade tem 70 anos e conta com 876 alunos. São 27 turmas em três períodos.

A última e única reforma na estrutura ocorreu há mais de 30 anos. Segundo a diretora, na época foram feitos reparos no piso, pintadas as paredes e ampliadas algumas salas. "A estrutura precisa urgentemente de uma reforma; há rachaduras nas salas de aulas e infiltrações nas paredes".

Os alunos não têm biblioteca. Há uma sala com livros antigos empilhados em uma estante, que raramente são disponibilizados para pesquisas. Há dois computadores para professores e alunos. A construção de um laboratório de informática está longe de se tornar realidade. Diretora e coordenadores tiram dos próprios bolsos o dinheiro para a Internet. O mesmo pátio é usado para o recreio e educação física, pois não há um ginásio para a prática de esportes.

A diretora explica que um erro nas prestações de conta, há dois anos, gerou o cancelamento do repasse da verba federal necessária para gastos como limpeza. Enquanto o problema não é solucionado, a direção decidiu vender doces e salgados no recreio. Ou seja, os próprios alunos pagam para manter a limpeza.

Só navegando

É sobre as águas da lagoa Manguaba, a maior do Estado de Alagoas, que um grupo de alunos navega em busca de um futuro melhor. Isolados em locais em que ônibus escolar não transita, estudantes entre 12 e 15 anos da Escola Municipal Maria Petronila de Gouveia, no povoado de Massagueira, município de Marechal Deodoro, a 28 km de Maceió, precisam atravessar a lagoa em um barco oferecido pela prefeitura. O transporte é a saída porque o acesso de ônibus na região é impossível, tanto pelas chuvas quanto pelo tempo de viagem: 4 h para ida e volta da escola.

Luis Pedro dos Santos, 14 anos, caminha 25 min até chegar ao ponto de embarque. Se perder o transporte,terá que pagar R$ 2 para tomar outro, ou se arriscar em canoas. "No dia que perdi o barco, eu e mais nove amigos decidimos atravessar a lagoa em uma canoa. No meio do caminho, ela virou. Sorte que pescadores nos ajudaram. Foi por pouco, porque não sei nadar", relata.

O dono do barco e responsável pela viagem, Paulo Rosendo, é o único adulto a bordo. Ele garante que as crianças com idade inferior a 12 anos usam coletes salva-vidas; as maiores, segundo diz, não precisam. O proprietário é o único do povoado que possui contrato com a prefeitura para transportar as crianças no período letivo. Nos finais de semana, o mesmo barco é usado para passeios turísticos.

Ao pisar em solo firme, os alunos caminham dois quarteirões até a escola, que possui mil alunos em três turnos, e foi fundada em 1988. Há mais de sete anos não passa por uma reforma. "Solicitamos, mas somos atendidos apenas com pequenos reparos", conta a diretora-adjunta, Alcineide Martins Leite.

A professora Maria Adélia de Gouveia preocupa-se com a falta de aulas de educação física, pois não há quadra. "Seria ideal para os jovens, até porque iriam liberar as energias e aproveitar melhor as aulas", explica.

A escola comemorou a aquisição de 20 computadores doados pelo Ministério da Educação. Porém, o laboratório de informática ainda não foi inaugurado porque cinco máquinas apresentaram problemas e os professores não foram treinados. Alguns computadores permanecem lacrados nas caixas. Quem também não recebe visita é a biblioteca, mantida fechada com o cartaz que avisa: "Proibida a entrada de alunos. Estamos arrumando". Sem computadores e sem espaço para realizar atividades físicas, os alunos ainda estão expostos, já que parte do muro que separa a instituição de um terreno abandonado caiu há cerca de um mês, devido às chuvas na região.

Há mais de 20 anos lecionando, Maria Adélia reflete que o ensino público passa por altos e baixos, assim como o movimento das águas da lagoa Manguaba. "Qual será o futuro dessas crianças?", questiona.

Fonte: Estadão

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