Projetar e construir pontes é muito mais do que interligar duas regiões: é garantir crescimento econômico, aperfeiçoar técnicas de execução de obras de arte e desenvolver a engenharia rodoviária. Assim, pensa o engenheiro calculista Catão Francisco Ribeiro que, nesta matéria, sugere a construção de outras pontes na Amazônia, Santa Catarina, Bahia, Maranhão e em outras regiões do País
Joás Ferreira (São Paulo – SP)
Catão Francisco Ribeiro se insere no conjunto de profissionais da engenharia que têm ajudado, do ponto de vista de projeto de estruturas, na construção de obras exemplares em diversas regiões brasileiras e também no exterior.
Responsável pelo projeto da Ponte Estaiada Octávio Frias de Oliveira, que liga a Avenida Jornalista Roberto Marinho, no Brooklin, à pista cidade-bairro da Marginal do Rio Pinheiros, transpondo as pistas e o canal do rio e dando acesso direto ao bairro do Morumbi, em São Paulo, Catão costuma afirmar que é favorável a grandes obras. "Eu acho que o Brasil e, em especial, o Estado de São Paulo devem pensar grande. Têm que imaginar como deve ser o País no futuro e o que tem de ser feito para se chegar lá".
No exercício de imaginar o seu plano de obras de pontes para o País, Catão considera importantíssima a implantação de mais uma ponte na região amazônica, sobre o rio Solimões, que faria a ligação da rodovia AM-070 com a BR-319, que chega até Porto Velho. "Dessa maneira, seria estabelecida finalmente uma ligação terrestre entre Manaus e as regiões do Centro-Oeste, Sudeste e Sul", avalia o engenheiro.
Essa nova interligação complementaria, em parte, os benefícios da ponte sobre o Rio Negro – segunda maior no mundo, no gênero, e também projetada por Catão -, que favorece diretamente o crescimento do município de Iranduba, onde será construído um distrito industrial, e as localidades de Manacapuru e Novo Airão, dentre outras.
Outro cartão postal para Florianópolis
Em Florianópolis (SC), há outro exemplo de obra que exige uma tomada de inciativa imediata por parte dos governantes. Lá existem três pontes, ligando o continente à Ilha de Santa Catarina. Uma é a histórica e já tombada Ponte Hercílio Luz, da década de 1920, em vias de ser restaurada e de se consolidar apenas como uma via turística. As outras são pontes mais recentes, mas que também já estão sobrecarregadas, que levam os nomes de governadores daquele estado, Colombo Machado Salles (construída na década de 1970, com estrutura de concreto) e Pedro Ivo Campos (década de 1990, com estrutura de ferro). As duas foram feitas para um movimento de 50 mil veículos/dia, mas já atendem a um volume de 150 mil veículos/dia, o que provoca congestionamentos diários, tanto de um lado como do outro.
Catão propõe a criação de outro cartão postal para a região, com a construção de uma nova interligação, que ficaria entre as que já existem (e mais altas) e se valeria da tecnologia de estais com tabuleiro suspenso, que representa a mais avançada técnica na construção de pontes da atualidade. Isso, segundo ele, resolveria o problema de acesso e locomoção dos moradores e visitantes da capital catarinense e promoveria uma verdadeira e salutar "competição" entre o que foi o estado da arte na construção de pontes no passado e o que é no presente. A nova ponte, nos planos do engenheiro, sairia do canteiro central de uma larga avenida que vem da BR 101 e passaria entre a histórica Hercílio Luz e as outras duas pontes, mais recentes.
Um axé para a Bahia
Outro estudo de obra de interligação, muito interessante e necessária, é o que prevê a construção de uma ponte na Baía de Todos os Santos, em Salvador (BA), que ligaria a Ilha de Itaparica ao continente, onde se localiza a capital baiana. Essa ponte teria cerca de 14 km, já considerando as alças de ligação e, segundo o engenheiro Catão, "a urgência do empreendimento se justifica plenamente, pois para sair de Salvador e acessar a BR 101, por exemplo, é preciso dar uma volta de mais de 90 km ou enfrentar congestionamento e fila, por quase duas horas, para acessar a balsa que faz a travessia". Além de demorada, o engenheiro lembra que essa balsa cobra preços muito altos, tanto para pedestre (R$ 3,95) e ciclista (R$ 10,55) como para carros pequenos (R$ 33,30) e caminhões grandes (R$ 135,65). Aos sábados, domingos e feriados, esses valores são bem maiores.
"Essa é uma obra que já tem consulta pública e, realmente, precisa e deve sair do papel. Os seus benefícios são muitos, pois possibilitará um grande crescimento da Ilha de Iraparica e favorecerá a população de Salvador", profetiza Catão Ribeiro.
Em busca do progresso,
com preservação
O engenheiro vê a necessidade de se construir uma ponte em São Luís do Maranhão. As pontes existentes na região, do Rio Anil, construídas há, pelo menos, 30 ou 40 anos, também estão sobrecarregadas e terminam em algumas partes da cidade onde existem muitas edificações e áreas tombadas pelo patrimônio histórico, com rua estreitas e avenidas que não dão a devida vazão para o intenso tráfego local.
"Neste caso, a ideia é construir uma ponte, pelo lado do mar, com maior extensão e com um padrão estético bonito, que corresponda ao que se vê na paisagem do seu entorno, que reflete uma cidade histórica, inaugurada pelos franceses, continuada pelos holandeses e, finalmente, colonizada por portugueses", explica Catão.
Ele sonha mais ainda, quando fala dessa ponte e projeta inclusive a possibilidade da inclusão de um mirante, como o da ponte que já construiu em Teresina (PI), que tem dois elevadores panorâmicos. Na capital piauiense, a Ponte Estaiada Mestre João Isidoro França, sobre o rio Poti, acabou por se tornar um ponto turístico da cidade. Com quase 400 m de extensão e cerca de 30 m de largura, a ponte de Teresina, que pode servir de exemplo para a de São Luís, tem seis pistas de rolamento, com capacidade para até 45 mil veículos/dia, duas ciclovias e um mirante que fica a 95 m de altura, com capacidade para até 100 pessoas.
Ponte estaiada de São Paulo
A Ponte Estaiada Octávio Frias de Oliveira Estaiada, em São Paulo, pode ser considerada um exemplo do que há de mais no estado da arte de construção de pontes. Ela recebe, porém, algumas críticas, às quais o engenheiro Catão responde dizendo que "ela é apenas um elemento de um projeto que precisa ter continuidade".
O projeto total a que ele se refere inclui a complementação da Avenida Jornalista Roberto Marinho (antiga Água Espraiada) até atingir a Rodovia dos Imigrantes, facilitando o acesso à Baixada Santista e desafogando a Avenida dos Bandeir
antes. Esse, segundo ele, também é um empreendimento muito importante que deve figurar nos planos dos governos paulista e paulistano: "Só que essa é uma iniciativa que não pode esperar 50 anos. Já está atrasada e só depende de uma decisão judicial, em função da ação movida por apenas um morador que não aceita a desapropriação da sua casa e, com isso, impede que o progresso avance e resolva o problema de milhões de pessoas".
E conclui: "Um projeto sempre tem de começar por algum lugar. Se começou pela ponte, em minha opinião, começou pelo lugar certo. Pois, aquela obra definiu uma referência arquitetônica que vai balizar todo o restante do projeto e que fará com que os governantes estejam presos a esse padrão inicial".
Baixada Santista
Muito próxima da Região Metropolitana de São Paulo, a Baixada Santista é uma área muito importante para o Estado e tem um significativo exemplo de obra que precisa ser feita, "com urgência". Trata-se da ligação entre Santos e Guarujá, permitindo a passagem de carros, ônibus e caminhões, além de eliminar a famigerada balsa – "um sistema ultrapassado e perigoso de locomoção, que ainda é utilizado intensamente para fazer a travessia daquele canal, mas que não permite a passagem de grandes veículos". Catão explica que essa é uma obra que não exigiria um volume muito grande de investimento e que traria benefícios incalculáveis para a região.
Ponte Rio-Niterói, uma quarentona que
dá sinais visíveis de sobrecarga
Obra construída nos anos 1970, não é de hoje que a Ponte Presidente Costa e Silva (mais conhecida como ponte Rio-Niterói) já está com o seu prazo de validade vencido, no que diz respeito a dar vazão aos mais de 150 mil veículos que transitam por ela, diariamente. Nos feriadões, esse número chega a duplicar, provocando congestionamentos imensos e muitos transtornos para os seus usuários. Sua capacidade projetada, lá no passado, era de 60 mil veículo/dia.
Os problemas sempre acontecem tanto no acesso como na saída da ponte. A alternativa, para evitar isso, seria fazer o trecho por via terrestre, passando pelos municípios de São Gonçalo, Magé, Duque de Caxias e São João do Meriti, o que pode aumentar a distância de 14 km (extensão da ponte) para quase 100 km.
Se a necessidade de uma nova interligação, entre Rio de Janeiro e os municípios que ficam do outro lado da Baía de Guanabara, já é mais do que premente, a perspectiva de eventos como a Copa do Mundo de Futebol de 2014 e a Olimpíada de 2016, a tornam praticamente inadiável. Sem contar que o Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro (Comperj) que, em muito breve, deverá iniciar suas operações, aumentando a demanda por vias de acesso, tanto para veículos (caminhões, ônibus e carro) como para trabalhadores.
Histórico especial das pontes que
a engenharia brasileira construiu
O histórico de estruturas de pontes e viadutos é amplo no Brasil e se enriquece ao longo dos anos com as concepções criativas dos projetistas, aplicadas na arte de construir, aperfeiçoada pelas empresas de engenharia. O histórico relaciona desde obras de grande porte, até pequenas pontes metálicas construídas na fase do Império, que ainda podem ser encontradas em algumas cidades brasileiras. São exemplares das obras construídas com estruturas metálicas, uma herança da tecnologia dos ingleses no Brasil, a ponte Hercílio Luz, em Florianópolis-SC e o viaduto Santa Ifigênia, em São Paulo.
A evolução, que passou a caracterizar cada vez, nessas obras, uma identidade nacional, acelerou-se com o advento das pesquisas e aplicação do concreto armado, levadas adiante por Emílio Baumgart, o mestre que construiu a ponte Maurício de Nassau, no Recife(PE), e a ponte do Herval, em Sana Catarina, sobre o rio do Peixe, lastimavelmente destruída pelas enchentes de 1983, naquele Estado.
Outra fase fundamental dessa evolução teve a marca do pioneiro do concreto protendido no País, o engenheiro Roberto Rossi Zuccolo, cuja engenhosidade está fixada em diversas obras, incluindo o conjunto de sete viadutos em Brasília. Contudo, a primeira obra construída em concreto protendido no Brasil foi a ponte do Galeão, que utilizou aço, ancoragens e projeto importados da França.
O histórico de obras de arte viárias ou rodoviárias especiais foi escrito por mestres calculistas, equipes de escritórios de projeto e por construtoras que absorveram e foram colocando em práticas as tecnologias especificadas. Hoje, estas tecnologias se encontram disseminadas, desde as obras convencionais, até as pontes e viadutos que vencem grandes vãos e têm se destacado até pelas características de "cartão postal".
Dentre as numerosas obras historicamente consideradas referências significativas se incluem o "Cebolão" (Consórcio Etel Estudos Técnicos e Proenge Engenharia de Projetos); a ponte Rio-Niterói (Noronha Engenharia); ponte Propriá-Colégio, entre Alagoas e Sergipe (Roberto Rossi Zuccolo); Terceira Ponte de Vitória (Figueiredo Ferraz Consultoria e Engenharia de Projeto); ponte sobre o rio Orinoco, Venezuela (Figueiredo Ferraz, com destaque para o trabalho do engenheiro calculista Roberto de Oliveira Alves); terceira ponte de Brasília sobre o lago Paranoá (engenheiros calculistas Mário Vila Verde, Filemon Botto de Barros e arquiteto Alexandre Chan); ponte rodoferroviária de 3.700 m sobre o rio Paraná ligando SP e MS (construída pela Constran) e, dentre outras obras, o conjunto de pontes e viadutos ao longo da rodovia Castello Branco, onde se destacam aquelas construídas pela Construtora Tardelli, uma das empresas pioneiras na construção desta auto-estrada. Ela é responsável, também, pela construção da ponte sobre o Mar Pequeno, com 512 m de extensão, ligando Iguape à Ilha Comprida-SP).
Hoje, estamos na etapa das pontes estaiadas, a primeira das quais (projeto da Noronha Engenharia) foi construída sobre o rio Paranaíba. Mas, mesmo antes da conclusão dessa obra, em 2003, os engenheiros Minoru Onishi e Alex Barros de Sá, fundadores da Protende, com o engenheiro Pedro Almeida, inaugurariam o Laboratório de Sistema Estrutural (LSE), que se capacitou para a execução completa dos ensaios dos estais utilizados nessas obras, eliminando a necessidade de se recorrer a serviços externos com esse fim.
O histórico da maior parte das obras aqui mencionadas se encontra em algumas fontes da memória da engenharia nacional, em particular no livro "Aço e Concreto que parecem voar", publicado pela Eolis Produções Culturais cujo lançamento ocorreu no ano passado. (NCO).
Fonte: Estadão