Essa estrada, construída em 312 a.C. em memória do político romano Apio Cláudio Cego, ainda é um marco da engenharia. O descaso de alguns países, dentre os quais a Índia e o Brasil, com a infra-estrutura necessária à manutenção do fluxo das atividades produtivas, levou-a à obsolescência, estrangulando o crescimento econômico. Agora, tentam recuperar o tempo perdido.
Os fatos de hoje induzem a lembrar que o Império Romano, quando abriu a Via Ápia, não queria apenas ostentar o seu poderio, mas contar com estradas que facilitassem o deslocamento de tropas e mercadorias. Não é por outro motivo que naquela época os romanos chegaram a construir 85 mil km de estradas para ligar a capital aos pontos mais distantes das fronteiras do império. E eram, no geral, estradas construídas com traçado reto, independentemente dos obstáculos a serem transpostos: pântanos, lagos, planícies, montanhas.
A largura de uma estrada comum variava de 2,5 m a 4 m. A Via Ápia, famosa até na fase da perseguição e crucificação dos rebeldes seguidores de Espártaco, preserva 10 m de largura em alguns trechos e o revestimento era de 1 a 1,50 m, com camadas superpostas de pedras.
O marechal Eugène Haussman (1809-1891) raciocinou de forma semelhante aos idealizadores da Via Ápia, quando projetou a reforma urbana de Paris, França, prevendo largas avenidas destinadas a comportar a circulação intensa dos anos que adviriam. Esses exemplos do passado contrastam com o comportamento de alguns países ditos modernos cujos governantes negligenciam a sua infra-estrutura. Esta, desatualizada, anacrônica, travam a expansão das atividades econômicas.
É o caso da Índia com a geração de energia elétrica. A falta de confiabilidade nesse recurso leva as novas fábricas a instalarem geradores obrigatoriamente para garantir o suprimento. O Brasil não está longe disso. Aqui já se passaram vinte anos de sub-investimento em diversos segmentos de infra-estrutura e o programa mais recente governo federal para recuperar o País desse atraso – chamado PAC – ainda está se arrastando em razão da lenta liberação de recursos e falta de capacidade gerencial. Além disso, pasmem: há escassez de projetos de engenharia prontos que possam ser colocados em licitação para a imediata execução de obras.
O quadro começa a mudar nos países emergentes, nos anos recentes, segundo a revista Economist, citando estudos dos bancos HSBC e Morgan Stanley. Mais da metade dos investimentos em infra-estrutura anunciados localiza-se nesses países, estimando-se que US$ 1,2 trilhões venham a ser investidos em estradas, ferrovias, geração de energia elétrica, portos, telecomunicações, etc., equivalente a cerca de 6% do seus respectivos PIBs combinados, representando o dobro do que está previsto nos países industrializados. Esses recursos, se tiverem continuidade, poderão sustentar o crescimento mundial, compensando a retração dos EUA e dos países da Europa.
A previsão é de os emergentes apliquem US$ 22 trilhões em projetos de infra-estrutura nos próximos 10 anos, com a China respondendo por 40% desse total, o equivalente a 12% do seu PIB. O gigante asiático já aplicou em infra-estrutura nos cinco anos recentes tanto quanto investiu ao longo de todo o século XX, como resultado da constituição das Zonas Econômicas Especiais e, mais recentemente, nos preparativos para as Olimpíadas de Beijing.
O plano qüinqüenal recente do governo indiano prevê cerca de US$ 500 bilhões em transportes, geração de energia e saneamento. Os ferrovias que os ingleses construíram no pais não receberam melhorias, a ponto de os passageiros viajarem até nas estantes de bagagens dos trens superlotados. Os países exportadores de petróleo têm elevado os investimentos neste segmento, aproveitando-se da alta do petróleo.
O Programa de Aceleração do Crescimento projeta recursos da ordem de R$ 503,9 bilhões para a área da infra-estrutura no período de 2007-2010: R$ 67,8 bilhões do Orçamento Geral da União (OGU) e R$ 436,1 bilhão provenientes das estatais federais e do setor privado.
Infra-estrutura dos emergentes
É até surpreendente – e, de certa forma, frustrante – que os países emergentes tenham demorado tanto para adotar providências destinadas a modernizar sua infra-estrutura. As estradas e aquedutos da época do Império Romano já serviam para alavancar a economia da época. Da mesma forma, viria a ocorrer, em meados dos anos 1800, o boom das ferrovias na Inglaterra vitoriana, quando ela alcançou o auge da revolução industrial.
Por aqui, o Brasil definitivamente se esqueceu de recorrer à história da Estrada de Ferro Vitória a Minas, que pelo traçado atual liga Belo Horizonte (MG), passando pela região de mineração de Itabira, à cidade de Cariacica e aos portos de Tubarão, Praia Mole e Barra do Riacho, no Espírito Santo. Foi construída em 1904 e, modernizada em etapas, colocou a economia mineira ao mercado internacional, ajudando a conferir ao País, de alguns anos para cá, a condição de maior exportador transoceânico de minério de ferro.
O Banco Mundial estima que 1% de aumento no estoque de infra-estrutura de um país é associado a igual aumento no PIB. Outros estudos sugerem que os países da Ásia realizaram maiores investimentos em infra-estrutura nos últimos 10 anos e, por isso, alcançaram crescimento maior do que a América Latina.
Circulo virtuoso
A revista Economist cita um estudo da Goldman Sachs que indica os investimentos de infra-estrutura não só como alavancadores da expansão econômica, como também resultantes da mesma. Na medida em que se eleva o padrão de vida da população e uma parte crescente dela passa a viver nas cidades, aumenta consequentemente a demanda por energia elétrica, transporte coletivo e individual, melhores escolas e casas. Forma-se, assim, um circulo virtuoso.
Analistas desta consultoria financeira estimam que a cada 1% de população urbana a mais corresponde a quase o dobro de demanda em eletricidade; a cada 1% de renda per capita a mais resulta em 0,5% de aumento na demanda de energia elétrica. Nesse conta, a China precisa ampliar sua capacidade de geração em 140% e, a Índia, em 80% em 10 anos. Um fenômeno parecido deve ocorrer nas linhas fixas e móveis da telefonia e no número de passageiros de viagens aéreas.
Permanece, no entanto, uma dúvida: Como os emergentes vão financiar estas obras? As contas públicas da maior parte deles são relativamente equilibradas, com graus variados de déficit, destacando-se a Índia nesse quesito negativo.
Segundo análise do Banco Mundial, os emergentes devem crescer em média 4,5% ao ano até 2030, contra 2,5% do mundo desenvolvido. Só a China, que hoje participa com 4,7% do PIB global, deve passar, em 2030, a contribuir com uma fatia de 9,9%. Recentemente, o diretor-executivo daquela instituição disse qu
e, naquele ano, os Estados Unidos ainda deverão ser os maiores, mas o conjunto das economias emergentes já os terá ultrapassado.
Ninguém questiona a necessidade de aporte expressivo de capital privado, que obriga o país a ter regulamentação transparente e moderna. Mecanismos de mercado para preços, agências reguladoras independentes e, obviamente, um retorno decente sobre o capital.
Chile continua a ser um exemplo clássico de sucesso na abertura da economia, a despeito das manifestações sociais ocorridas recentemente. A Argentina retoma as práticas populistas sobre preços que tendem a desacreditar as autoridades. E o Brasil está consolidando sua política monetária e econômica, mas precisa solucionar importantes questões na regulamentação do setor elétrico, onde regras foram alteradas.
Ainda não foi resolvida a pendência sobre titularidade nas concessões de saneamento e a redução da destinação dos recursos da Cide-Combustível deixa um vácuo de recursos para a manutenção da malha rodoviária. Além disso, a legislação de portos inibe a instalação de terminais privados. O Brasil, nesse cenário, precisa eliminar os entraves que emperram novos investimentos.
Fonte: Estadão