Asfalto substitui argila em barragem de enrocamento

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Esta é a primeira vez que se usa asfalto, em vez de argila, como componente principal do núcleo de vedação de barragem de enrocamento no Brasil. A informação vem dos técnicos responsáveis pela construção da usina hidrelétrica Foz do Chapecó, atualmente com 47% das obras concluídos. Não são numerosos os exemplos de barragens do gênero construídas com essa técnica no mundo. Há apenas cerca de 100 espalhadas, sobretudo, na Alemanha e em alguns países nórdicos.

Essa obra no rio Uruguai, entre os municípios de Águas de Chapecó (Santa Catarina) e Alpestre (Rio Grande do Sul), chama a atenção, primeiro, pelo planejamento do canteiro, que está sendo apontado como um modelo em obras desse tipo. Somente depois dessa visão de conjunto é que as técnicas construtivas ali utilizadas começam a instigar a curiosidade.

Nessa obra, tudo é compactado e ajustado como peças espontaneamente encaixadas. A disposição do canteiro e das estruturas permanentes foi concebida aproveitando a geografia do site e a necessidade de se definir uma logística que atendesse às exigências da otimização do cronograma. Ela passa a idéia de que a engenharia de barragens voltou a retomar o processo de evolução, interrompido há alguns anos, apoiado em dois fatores principais: o prazo (a usina, com potência instalada de 855 MW deverá começar a gerar em 42 meses e estará concluída em 48 meses) e os cuidados com intervenção no meio ambiente.

O gerente da obra, engenheiro Reinaldo Lino, da Camargo Corrêa, diz que o planejamento levou em conta as áreas planas da margem direita (SC), que se revelaram mais adequadas para concentrar a maior parte das instalações de infra-estrutura de apoio ao conjunto das obras. Ali se processaram as operações de terraplenagem para a montagem do canteiro, que inclui alojamentos, espaços sociais e de lazer, cinema, salas de TV, lan-house com 12 computadores, agência bancária, lanchonetes, quadras de futebol de areia e de salão, cozinha com capacidade para 7 mil refeições/dia e outros serviços. É nesse lado também que se situam os pátios industriais utilizados na construção do vertedouro de 15 comportas.

Já na margem esquerda, onde o rio Uruguai forma uma ferradura, o layout dispôs as estruturas da tomada d´água, do conduto forçado e da casa de força. Elas compõem uma frente unificada, facilitando a logística do trabalho, sobretudo a movimentação dos guindastes. A disposição dessas estruturas elimina a necessidade de atividades sobrepostas e ajuda a manter a seqüência simultânea e ininterrupta dos trabalhos.

Uma ponte de serviço com 410 m de extensão, construída especificamente para a obra e que desaparecerá nas águas com o fechamento do reservatório, além de dois túneis, cada um com 390 m de extensão e 18 m de diâmetro, permitem acesso fácil e rápido às obras da casa de força, na margem direita do rio. Antes da construção desses acessos, o percurso até aquela obra era feito por caminho sinuoso, morro acima e morro abaixo, e demorava de três a quatro horas. Hoje, ele pode ser feito em até 15 minutos.

Núcleo asfáltico

Reinaldo Lino diz que, ali, os trabalhos essenciais dependem dos períodos distintos que marcam o regime de vazões do rio Uruguai: o período seco e o período úmido. São fases diferentes daquelas das estações do ano no Norte e Nordeste. O período seco, que no Sul ocorre no final do ano, não significa que as obras transcorram longe dos riscos de chuvas torrenciais.

No período seco costuma chover intensamente na região, dificultando o ritmo da produtividade. Há, então, obstáculos ao emprego de material argiloso. E como não há jazidas de argila nas proximidades do canteiro, essa dificuldade é ainda maior. Caso a Camargo Corrêa, líder do Consórcio Volta Grande, que executa o trabalho, tivesse de recorrer a jazidas distantes, precisaria montar um plano de logística especificamente com esse fim.

A construtora chegou até a estudar aquela possibilidade, considerando que poderia, sim, trabalhar com argila lançada e não compactada. Contudo, fosse qual fosse a solução, haveria sempre algum impacto negativo na estratégia para entregar a obra até agosto de 2010: o prazo. Por causa dessa e das demais interfaces, passou-se a estudar uma solução adotada em outros países em circunstâncias similares: núcleo asfáltico.

O engenheiro Renato de Arruda Penteado, superintendente de projetos – Energia, da Camargo Corrêa, diz que os estudos ganharam fôlego na CNEC Engenharia, empresa que há cinco décadas acumula experiências em projetos, planejamento e gerenciamento de obras. Ela pesquisou e contatou consultores na Alemanha e na Noruega.

“Ainda há alguns anos” – relata Renato Penteado – “eu e o Lino visitamos uma barragem construída com núcleo asfáltico na região de Mora e Rubiellos, na Espanha. Quando detectamos a dificuldade para o uso de argila, aqui em Foz do Chapecó, lembramo-nos da técnica aplicada com sucesso na barragem espanhola”.

Ele diz que por conta de dispositivos contratuais, a barragem teria de ser construída em quatro meses. Mas fazê-la com núcleo argiloso poderia colocar em risco esse cronograma. Eles tinham ainda na memória o exemplo da barragem da hidrelétrica Serra da Mesa, no município de Minaçu, Goiás, região na qual, em determinada época do ano, chove sem parar.

“E chovia muito, mesmo. Quando chegávamos àquela obra, que também foi construída pela Camargo Corrêa, víamos que o núcleo de argila estava se derretendo sob a ação das águas. Por causa disso, todo o trabalho do dia anterior tinha de ser refeito e, assim sucessivamente. Ora, em Foz do Chapecó, por conta da modalidade contratual (EPC – Engineering, Procurement and Construction) não poderíamos correr esse risco”.

A Camargo Corrêa resolveu, portanto, contratar uma empresa alemã e outra empresa da Noruega para realizar os estudos e aplicar as camadas asfálticas no núcleo da barragem. Pelo contrato, essas empresas já chegariam ao canteiro com os equipamentos necessários – fôrma e rolos compactadores. Segundo a técnica prevista, o núcleo e a transição da barragem sobem simultaneamente. São duas transições, uma a montante e outra a jusante, de 1,5 m cada. E o sanduíche, a partir de um lado e do outro, vai se fechando. A massa, muito consistente, agrega determinada percentagem de betume, garantindo a impermeabilidade especificada.

Quanto ao período do processo, Renato Penteado calcula: o planejamento prevê a execução de três camadas asfálticas compactadas da ordem de 20 cm cada, por dia. Como barragem tem 48 m de altura e precisa ser feita impreterivelmente em quatro meses, basta fazer uma conta de dividi
r para concluir-se que ela ficará pronta no prazo.

Uma usina gravimétrica de asfalto, que a construtora está adquirindo no exterior, ajudará na garantia da qualidade do material a ser aplicado na barragem.

Planejamento e industrialização

Em passado recente, obra do porte da hidrelétrica Foz do Chapecó seria construída em cinco ou seis anos. Hoje, dadas as condições de experiência, planejamento e técnicas executivas adotadas, pode iniciar o processo de geração em 42 meses, até ser concluída no prazo previsto de 48 meses, mesmo considerando dificuldades colocadas pela geologia e regimes de vazão peculiares.

Dada a modalidade contratual, o detalhamento do projeto básico vai se ajustando, na medida em que o empreendimento evolui. E se procura compatibilizar o tempo de produção nas diversas frentes de serviço, de modo que um trabalho não interfira no outro e o conjunto se desenvolva obedecendo ao planejamento unificado.

Um dos fatores que ajudam na manutenção do prazo é a industrialização. Em cerca de 75% das estruturas têm sido utilizadas fôrmas deslizantes, que se revelaram mais vantajosas, no caso, do que as fôrmas trepantes, com as quais o processo de concretagem se dá progressivamente, por etapas.

A construtora também introduziu algumas inovações na maneira de lançamento do concreto. Importou uma esteira móvel, que apoiada em caminhão, é movimentada pelas frentes de trabalho. O lançamento é feito com velocidade, sem a desvantagem do bombeamento. O diferencial é que prescinde do fator água/cimento para o lançamento. Isso reduz as taxas de consumo de cimento e mantém a qualidade e o índice de resistência especificado. A esteira viabiliza a obtenção de traços de concreto utilizando agregados de 7,5 cm de brita 3, sobretudo nos blocos do vertedouro, os mais massivos dentre os demais das outras estruturas.

Mesmo nas concretagens que utilizam concreto bombeado, foram ajustadas algumas inovações. Os guindastes são providos de caçambas para o lançamento. Dependendo dos volumes de cada camada, nas respectivas seqüências de lançamento, pode-se até empregar um mix das técnicas comumente aplicadas nessas operações. No geral deverão ser aplicados cerca de 700 mil m³ de concreto.

As escavações em rocha a céu aberto seguem paralelamente às concretagens. Já foram executados cerca de 70% dessas escavações, o equivalente a 2,4 milhões de m³. Esses serviços já poderiam até estarem na fase final, segundo contam Reinaldo Lina e Renato Penteado. Ocorre que se está deixando o restante das escavações para a fase da execução do enrocamento da barragem, a fim de que o material escavado seja transportado diretamente para as obras, sem a necessidade de estocá-lo, o que implicaria sobreposição de serviços. A barragem deverá absorver cerca de 1,8 milhões de m³ do material escavado.

“De maneira que é assim” – dizem os dois engenheiros – “experiência e técnica colocadas em favor da produção. É a engenharia de barragem, vivendo outra fase”.

Fonte: Estadão


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