Usina vai gerar somente 40% da capacidade instalada nos períodos de seca
Os números ilustram o paradoxo. A área total de inundação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, na região da Curva do rio Xingu, no Pará, será de 516 km². Desses, 134 km² no reservatório dos canais e 382 km² no reservatório do rio Xingu. Trata-se de uma área inundada equivalente ao desmatamento que acontece mensalmente na Amazônia, com uma diferença: enquanto esse corre solto, sem medida e paralelo, aquele, provocado pelas obras, é concentrado, deixa de ser progressivo e as áreas afetadas passam a ser recuperadas, em sua maior parte, tanto pela recomposição prevista em projeto e determinada em contrato, quanto pela recomposição natural da floresta.
No cerne, a burocracia da política ambiental cria impedimentos e tem sido fator de atrasos em obras que vão se traduzir em dividendos econômicos e sociais, enquanto, de outro lado, não mobiliza meios eficientes para coibir a devastação ocasionada e patrocinada por atividades predatórias, como aquelas deflagradas por madeireiras ou que ampliam as áreas de pastagem.
Belo Monte se inscreve como o paradoxo maior pelo histórico e importância. É projeto anterior aos anos 1970, que por força de legislação ambiental posterior teve de ser redimensionado face aos estudos para proteção do ambiente de sua implantação, dos sítios urbanos do entorno, sobretudo Altamira (PA), e do habitat natural das tribos indígenas.
Ela deixou, assim, de ser uma hidrelétrica clássica, com reservatório correspondente à sua escala, e foi desdobrada em quatro canteiros de obras independentes, com usina cuja operação será a fio d´água. Manterá a capacidade instalada originalmente prevista de 11.233 MW, mas nos períodos de seca do rio Xingu vai gerar apenas 4.500 MW daquele total. Será um desperdício irrecuperável para o Sistema Interligado Nacional (SIN).
Mesmo assim – e talvez até por conta dessas alterações de projeto – essa usina hidrelétrica, que será colocada em funcionamento comercial no ano que vem, se singulariza pelo apuro da engenharia aplicada nas diversas fases de sua construção, em especial o conjunto de obras compostas por canais e diques para manter o equilíbrio do ecossistema. O canal de derivação e os 28 diques de contenção que preservam os igarapés são exemplos desses cuidados.
Mas as obras atrasaram 455 dias. Apesar do atendimento aos diversos fatores condicionantes em favor das tribos indígenas e da população afetada, com necessárias contrapartidas habitacionais, hospitalares e sanitárias, os atrasos podem ser atribuídos à morosidade da política ambiental e à inação do governo, que não articulou previamente, por intermédio de diálogo permanente e efetivo, compromissos sólidos o suficiente com os grupos contrariados para prevenir as invasões, ocupação de canteiros e atos de vandalismo que acabaram ocorrendo contra as instalações da concessionária responsável pelas obras.
Diferentemente do que ocorreu, há algum tempo, no Canadá, quando face a problemas semelhantes com tribos indígenas locais, o governo se mexeu, dialogou e um tratado histórico, com benefícios recíprocos, consolidou entendimentos para a construção da hidrelétrica de Eastman-A-Sarcelle-Rupert, em James Bay.
Hoje, analisando os diversos aspectos intervenientes de Belo Monte, é preciso reconhecer: o governo brasileiro, com a política ambiental que vem sendo adotada, ainda não amadureceu o suficiente para saber compatibilizar a importância dos projetos de infraestrutura com as reais necessidades de desenvolvimento do País — em especial as obras de geração na Amazônia, diante da fragilidade do conjunto atual de hidrelétricas em operação na ocorrência de secas extremas, prognosticadas para futuro próximo pelos especialistas em clima por causa do aquecimento global.
Altamira será a principal cidade atingida pelo represamento do rio Xingu por conta da hidrelétrica Belo Monte
Fonte: Revista O Empreiteiro