Boa sondagem evita má surpresa

André Assis, presidente da ABMS
 
Na entrevista exclusiva a seguir, André Assis, presidente da Associação Brasileira de Mecânica de Solos e Engenharia Geotécnica (ABMS), confirma a importância das sondagens geotécnicas para a boa execução de túneis e faz um alerta: projetos brasileiros negligenciam estudos preliminares e correm riscos desnecessários.
 

Você poderia fazer um pequeno balanço do congresso?

Além da discussão sobre escavação e túneis para mineração, a questão ambiental envolvida, o material de descarte, o passivo ambiental das cavas, um tema muito importante do congresso, o que eu acho importante também, não é que tenha uma grande novidade, é a troca de experiências entre diferentes projetos, diferentes países e diferentes culturas. Por exemplo, uma coisa que é convencional na Suíça, para nós pode ser uma grande inovação. E também algo que é para a gente meio padrão, para um outro país pode ser uma novidade, e está precisando daquilo. Essa troca de informação é que gera um plus no congresso. Essas sessões todas etc., essa troca é um grande saldo positivo. Além de tudo, a feira. Porque uma feira desse tamanho não se pode passar ao largo. A indústria tuneleira que está representada na feira, para nós, não é apenas alguém convidado a pagar a conta. O show que eles fazem, a troca de produtos, desde uma ferramenta de escavação, um fluido de injeção, uma técnica de projeto, um instrumento que é utilizado, está tudo aí, espalhado. Isso é fundamental para os profissionais. Um engenheiro novo, que cai num congresso como esse, tem um ano de aula concentrado em três dias.

 

Uma obra de túnel lida eminentemente com as disciplinas de geologia e geotecnia. Essas disciplinas hoje, no Brasil, ainda têm de ser desenvolvidas?

Têm. Do ponto de vista acadêmico, o Brasil tem uma priorização na parte de solos, a geotecnia de solos. A parte de geotecnia de rocha não é muito vista em nossas universidades, porque a geologia brasileira é predominantemente de solos. E tem aí um pequeno déficit de aprendizado. Mas a engenharia de túneis é um pouco mais complexa. Porque esse (André desenha com as mãos) é o material que eu vou escavar e esse é o material que vai ficar remanescente, ao redor do meu túnel. E ele nem sempre tem resistência suficiente. Dependendo da cavidade, vai precisar de ajuda de outros produtos e, aí, eu misturo a geotecnia com concreto, com técnicas de química, porque tenho de injetar um produto no solo para dar cola, coesão mais garantida. Então começo a ter uma série de interferências e uma obra que é uma grande concentradora das disciplinas, não só da geologia e da geotecnia, mas também da hidráulica, porque preciso tirar água fora, o concreto, o aço, as disciplinas de meio ambiente, a indústria química, a biologia, a parte de ventilação, que é indústria mecânica, para ventilar durante e depois da obra, eletromecânica. No final, a gente junta aqui quase todo o espectro das engenharias. Agora, o material inicial é o geotécnico. Então, sim, as universidades brasileiras têm uma boa formação geotécnica, com aquele senãozinho sobre mecânica das rochas, mas na engenharia de túneis deixa muito a desejar. Não temos formação de engenharia de túneis em nossas universidades. Contam-se nos dedos de uma mão os professores que têm capacitação em túneis.

 

Existe algum movimento para que seja ampliado esse número de professores? Ou vocês, que lidam dia a dia com essa atividade, se transferirem para as universidades?

A demanda tem sido forçada bastante em cima das universidades para aumentar, mas a universidade é muito lenta para responder a essas demandas. Por essa razão que o CBT, em nível brasileiro, e a associação internacional de túneis trabalham hoje maciçamente fornecendo cursos para profissionais.

 

Existe ainda um certo preconceito, não sei se a palavra correta é essa, em relação a obras de túneis, a ponderação do fator de risco, de nunca saber exatamente se vai dar certo ou não vai. Isso é verdade, mesmo? A obra de túnel é mesmo imprevisível, mesmo com a sondagem benfeita, a geotecnia?

Você tocou no ponto. É uma obra que depende extremamente da geologia e geotecnia. As duas podem ser muito bem estudadas, e assim devem ser, só que nunca vão conseguir garantir de antemão que você conheceu tudo. Sempre pode haver alguma coisa que ficou para trás.

 

Por que a sondagem trabalha com amostragem? Como é essa amostragem?

Nós fazemos amostragens, que podem ser perfurações mecânicas, retirando, olhando material, ensaiando material. Hoje temos uma sondagem muito boa, que trabalha com ondas, ou sonoras, ou elétricas, ou eletromagnéticas. Varrem de um ponto emissor até um ponto receptor de toda uma região. Então, combinando os dois tipos de sondagem, a sondagem de ondas e as sondagens mecânicas, que são de amostras, os geólogos, com sua competência, são capazes de gerar um modelo muito bom da geologia que devemos superar. No entanto, mesmo com tudo isso, não é 100% garantido. Daí que veio esse pré-conceito, esse mito, que eu chamo de tabu. Porque, aí, se fala assim: “Já que eu não vou saber tudo, que existe sempre uma incerteza, então não vamos fazer tanta investigação, tantos estudos, vamos esperar para ver na hora de escavar”. Essa mentalidade é que gera problema. Quando estamos trabalhando dentro de um parâmetro mais correto, de fazer um bom estudo geológico, uma boa modelagem, uma boa previsão do que a gente vai esperar, mesmo não determinando com 100% de certeza o que vamos pegar, a gente trabalha com cenários. Dentro disso que investiguei, posso ter uma incerteza? Posso, mas nessa incerteza pode acontecer isso ou aquilo e eu já me preparo para as duas alternativas. Essa outra mentalidade, completamente enganosa, infelizmente a gente vê muito por aí, que é usar a incerteza natural da geologia, do modelo geológico como desculpa para não fazer as investigações geológicas e ela te leva sempre a sustos e surpresas e a não estar preparado para eles. É a hora em que acontecem os acidentes. Não só técnicos, como ocorrer uma ruptura. Mas pode ser perder um prazo de obra, que pode ser um desastre. Ou pode ser uma obra que vai custar muito mais do que deveria e p
ode ser um desastre para o Estado, para a sociedade. Esses três tipos de risco podem ser muito minimizados fazendo o que a engenharia de túneis tem de fazer, não deixando isso ao deus-dará.

 

Essa sondagem leva muito tempo? No projeto geral de geotecnia, ela é muito cara?

No padrão internacional, um programa de sondagens benfeito, com todos os ensaios que devo fazer ao longo de uma linha inteira de túnel, com toda a interpretação e tal, custa entre 1% e 3% do valor total da obra. No Brasil nós nunca gastamos isso. Ou por ter uma mão de obra ou serviço um pouco mais barato, as obras que mais gastaram em sondagem chegaram perto de 1%. Se essas sondagens demoram muito? O tempo normal aí fora é entre cinco e três anos antes da construção da obra. No Brasil, muitas vezes, nós estamos falando que isso demora no máximo um ano. 

 

 

Fonte: Revista O Empreiteiro

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