Luiz Aubert Neto *
Em alguns aspectos a economia brasileira vai bem, com seu crescimento puxado pelo forte consumo do mercado interno. Também, é preciso reconhecer que nos últimos anos o País obteve resultados expressivos no que diz respeito às políticas sociais, tendo tirado mais de 20 milhões de brasileiros da situação de miséria e elevado mais de 30 milhões à classe média. |
Por outro lado, alguns indicadores ainda nos envergonham e mostram que estamos muito distantes do mínimo necessário para nos considerarmos uma nação em desenvolvimento. Como exemplo, podemos citar um quesito fundamental à saúde, que é o saneamento ambiental, cujos indicadores são alarmantes: aproximadamente 36 milhões de pessoas não têm acesso à água potável; 56% da população urbana brasileira não têm esgoto coletado, o que perfaz 86 milhões de pessoas; 126 milhões de pessoas não têm acesso ao serviço de tratamento de esgoto, o que representa aproximadamente 66% da população.
Para universalizar o saneamento no Brasil seriam necessários investimentos da ordem de R$ 296 bilhões até o ano de 2025, ou seja, o equivalente ao que gastamos em apenas 1,4 anos com o pagamento de juros da dívida pública (o Brasil gastará este ano cerca de R$ 230 bilhões com o pagamento de juros da dívida pública).
Na saúde, educação, ciência e tecnologia a situação não é diferente. Em 2010, o Brasil gastou apenas R$ 21 bilhões em educação, R$ 49,7 bilhões em saúde e R$ 5 bilhões em ciência e tecnologia (menos de 1/3 do que gastou com pagamento de juros e com o custo de carregamento das reservas).
No que se refere à política industrial a situação também é extremamente preocupante, pois o atual modelo econômico nos empurra para uma “primarização” da economia. O fato é que o Brasil está priorizando a exportação de commodities em detrimento das exportações de bens de maior valor agregado.
Para se ter uma ideia, desde o século XIX o Brasil é o maior produtor mundial e exportador de grãos de café, mas o maior exportador de café industrializado é a Alemanha, que não possui um pé de café. Cerca de 75% da soja produzida no país é destinada ao mercado externo, enquanto as exportações de derivados de soja, que possuem maior valor agregado, cai ano a ano. Cerca de 90% da produção de celulose é destinada às exportações, porém mais de 50% do papel consumido no Brasil é importado. Somos um dos maiores produtores de algodão do mundo, mas a balança comercial de tecidos já experimenta déficit significativo.
Em relação ao petróleo, com a descoberta do pré-sal, temos uma das maiores reservas do mundo, mas o Brasil está se tornando um exportador de petróleo cru e grande importador de derivados de petróleo (esse item é um dos maiores responsáveis pelo déficit da balança comercial brasileira). Cabe lembrar que não existe nenhum país desenvolvido que seja basicamente exportador de petróleo, mas existem países ricos e desenvolvidos que são fornecedores de máquinas e equipamentos para a prospecção e processamento. Por conta do alto custo da energia elétrica não há no Brasil nenhum novo projeto viável para a produção de alumínio, assim passaremos a ser exportadores de bauxita e alumina para nos tornarmos importadores de alumínio.
O minério de ferro, que é o insumo utilizado para produzir aço, é um dos principais itens da nossa pauta de exportações, por outro lado, a balança comercial dos setores que possuem o aço como principal matéria-prima (automóveis, máquinas, equipamentos etc.) é totalmente deficitária. No caso específico do setor de máquinas e equipamentos, o déficit acumulado, de 2004 a 2010 é superior a US$ 45 bilhões.
Temos mostrado, através de estudos bem fundamentados, que o Brasil é que não é competitivo. A falta de incentivo aos investimentos, o câmbio atual, a taxa de juros mais alta do mundo, o custo Brasil, a alta carga tributária e a ineficiência em nossa infraestrutura impõe à indústria brasileira de transformação uma perda de competitividade que pode vir a resultar na extinção de uma indústria que produz bens de alto valor agregado e conteúdo tecnológico e que é responsável pela geração de milhões de empregos que exigem qualificação e que, portanto, pagam melhores salários.
Os números acima requerem uma reflexão por parte dos nossos governantes sobre a atual política macroeconômica, no sentido de projetar que tipo de país nós queremos e quais serão os efeitos desta política a médio e longo prazo. Um país com dimensões continentais e populoso como o Brasil precisa de muito mais, tem que pensar e agir de forma grandiosa para vir a ser, de fato, um país mais justo, que gera e distribui riquezas, que educa e cuida da saúde do seu povo.
Não me canso de repetir que não existe país desenvolvido que não tenha uma indústria de transformação forte. “Evidente que nada contribui mais para promover o bem-estar público do que a exportação de bens manufaturados e a importação de matéria-prima estrangeira”. Esta frase, tão atual, foi parte do pronunciamento de Walpole ao parlamento britânico, em 1.721 (livro: “Chutando A Escada”, pág. 42, Autor Ha-Joon Chang). Este pronunciamento mostra que o Brasil está indo na contramão do que os países ricos e desenvolvidos fizeram e continuam fazendo há mais de 2,5 séculos.
A Suíça, por exemplo, é um país inquestionavelmente rico, mas há quem pense que o país, com os seus poucos mais de 7 milhões de habitantes, tem a sua economia baseada somente na arrecadação proveniente do sistema financeiro e de algumas grandes empresas multinacionais. A verdade é que a base estrutural da economia Suíça está nas mais de 350 mil empresas de médio e pequeno porte, que empregam mais de 3,3 milhões de pessoas com salários elevados (metade da população do país) e que produzem bens de tecnologia intensiva, de alto valor agregado e voltados à exportação. Apesar de pequeno, a Suíça é um país altamente industrializado e possui, há séculos, uma balança comercial superavitária, sendo que 2/3 desse superávit proveem da exportação de produtos manufaturados.
Bons exemplos não faltam (Suíça, Coreia do Sul, Noruega etc.), por isso não podemos mais
aceitar um modelo econômico que somente nos últimos 16 anos (8 anos de governo FHC e 8 anos de governo Lula), de acordo com relatório do Banco Central, pagou de juros a quantia estratosférica de R$ 1,8 trilhão (um trilhão e oitocentos bilhões) e que no ranking mundial de competitividade (Fórum Econômico Mundial) ocupa a incômoda e vexatória 58ª colocação. O Brasil pode e precisa caminhar em outra direção, estruturando políticas claras que possam contribuir para fazer do nosso país uma nação verdadeiramente desenvolvida, em todos os aspectos (cultural, social, educacional e econômico). preciso simplificar e desburocratizar, criar condições para que o setor produtivo possa, de fato, se desenvolver, ter musculatura para ser competitivo nos mercados interno e externo.
Não somos contra a produção e exportação de commodities, mas estamos convictos de que somente isso não será suficiente para gerar o superávit necessário na balança de pagamentos e a quantidade de empregos que uma nação tão populosa como a nossa necessita.
Acredito ser possível fazermos as duas coisas (commodities e indústria), mas o governo tem que ter senso de urgência, precisa implementar medidas em caráter emergencial, pois corremos o risco de perder a maior, e talvez única, oportunidade da nossa história, para fazer do Brasil uma nação desenvolvida. Do contrário, retrocederemos no tempo, na época do Brasil Colônia, em que exportávamos pau-Brasil e café, para importarmos “espelhinhos e bijuterias”.
Ainda dá tempo, é possível reverter o atual quadro de desindustrialização, mas os nossos governantes precisam comunicar imediatamente que tipo de Brasil desejam: rico e desenvolvido ou eternamente uma colônia pobre? As opções existem e nós, da Abimaq, continuaremos lutando por um Brasil que se transforme em uma potência econômica, com uma indústria de transformação forte, afastando o risco de nos tornarmos um Brasil colônia.
*Luiz Albert Neto é presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq)
Fonte: Estadão