A frase do título é antiga, embora continue atual. Reflete a realidade da inflação alta, da retração dos investidores externos, dos gargalos logísticos e a posição de um governo, que, mesmo diante do ânimo nas ruas, só se preocupa com a reeleição. As estruturas que davam certo vêm se desmanchando
Nildo Carlos Oliveira
A dança dos números tem expressado mais expectativas do que realidade comprovada no dia a dia. A Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústria de Base (Abdib) tem suas previsões nessa dança. Acha que o investimento em infraestrutura deve chegar a R$ 260 bilhões anuais, correspondentes a 6% do Produto Interno Bruto em 2016.
São números expressivos, comparativamente aos cerca de R$ 180 bilhões estimados para 2012. E tem razão o presidente da entidade, Paulo Godoy, que ainda recentemente fez a seguinte afirmação: “Aumentamos muito o investimento nessa área, mas precisamos aumentar ainda mais diante do desafio de colocar projetos de logística para acontecer. Esse é um dos gargalos que temos de vencer na economia brasileira”.
À margem da dança dos números e das expectativas, o Brasil real não melhora, nem sequer com algumas medidas, com a aprovação da MP (Medida Provisória) dos Portos, que ainda depende de regulamentação e só vingará caso tenha condições de garantir, aos potenciais investidores, a segurança de que terão os seus direitos contratuais respeitados.
Enquanto isso, vale a frase que dá título a essa matéria, com um agravante: a competitividade, que ia até a porta da fábrica ou ao portão da fazenda do agronegócio, pode piorar, pois não suporta mais esperar pelas obras de engenharia que abram e melhorem estradas, construam ferrovias e façam os acessos aos portos, que prosseguem travados pela miopia burocrática e pela carência das ampliações necessárias para atendimento da demanda.
Na avaliação do engenheiro Luiz Fernando dos Santos Reis, que durante 15 anos ficou à frente do Sindicato Nacional da Construção Pesada (Sinicon), esteve durante algum tempo como consultor no mercado de infraestrutura e atualmente responde pela presidência executiva da Associação das Empresas de Engenharia do Rio de Janeiro (Aeerj), o País ainda não encontrou o rumo para resolver seus impasses naquela área. Tanto assim, que parou e corre o risco de estar regredindo. “Porque o que vejo”, diz ele, “é uma gradativa destruição de estruturas que vinham funcionando”.
Há uma ressalva: essa destruição não começou agora. O processo vem de longe e foi acelerado pelo aparelhamento partidário que tomou conta de algumas das mais importantes empresas e instituições. Ele cita o exemplo da Petrobras, que historicamente era um grande alavancador de investimentos e se posicionava na vanguarda do desenvolvimento brasileiro acionando a indústria off shore, a produção de bens de capital e a engenharia, em praticamente todas as suas modalidades, com desdobramentos na área social e em todas as demais.
A Petrobras criou polos de desenvolvimentos e de pesquisa científica avançada e estimulou a criação e a expansão da indústria naval. De alguns anos para cá, no entanto, acabou envolvida por uma série de problemas, aqui e no exterior (ver matéria sobre a Petrobras nesta edição), alguns dos quais chegaram a provocar o estancamento do processo que a levou a conquistar a autossuficiência em petróleo em 2006. Em boa hora, no dia 13 de fevereiro do ano passado, a engenheira química Graça Foster assumiu a presidência da companhia e decidiu recolocá-la nos trilhos.
Vale terceiriza ativos logísticos
O que aconteceu com a Petrobras aconteceu também, em outra escala, com a Vale, que perdeu capacidade de investir e teve o seu processo produtivo abalado. De algum tempo para cá começou a terceirizar ou a vender ativos importantes. Segundo Luiz Fernando, a empresa era vista como exemplar. Possuía todo o domínio da cadeia produtiva e conseguia sair da porta da fábrica e transpor planaltos e vales para chegar com segurança aos portos e, de lá, sair para colocar seus produtos nas praças internacionais.
Era eficiente na produção e na logística e colocava o minério produzido onde os compradores indicassem, nas regiões mais distantes. Resumidamente, fazia o que era certo: cobria a pequena distância no caminhão; a média distância via ferrovia; e a longa distância, de navio. Hoje, ela está terceirizando empresas e sacrificando a logística, uma peculiaridade que a caracterizava.
Dentre os órgãos que se desmancharam e que vêm se reestruturando, com enormes sacrifícios, estão a Valec, responsável pela construção de ferrovias, e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, o Dnit.
Gargalos rodoviários e ferroviários
Observando outros segmentos de atividades, a ideia que se tem é de que o Brasil está imobilizado no tempo. Os gargalos rodoviários vêm estrangulando o transporte. A exceção fica por conta das rodovias concedidas, que não deixam de possuir, também, por conta de suas especificidades, algumas limitações. Além do que, o programa das concessões federais está atrasado.
Mesmo considerando que mais de 60% das cargas são transportadas por caminhões, praticamente nada tem sido feito para melhorar as condições para as operações desse modal. Colocam-se aqui dois problemas: há rodovias, algumas transferidas para as mãos de concessionárias, e que foram melhoradas, mas nas quais os caminhões não têm vez, pois estão proibidos de trafegar por elas em determinados horários de sexta- feira a domingo. E há acessos, como a Serra de Petrópolis, por onde caminhões não passam. Além dessas limitações, não há hoje uma só rodovia em construção que venha a favorecer aquele meio de transporte.
A BR-101, que é uma rodovia incluída na categoria das estradas estratégicas para o desenvolvimento, está há mais de oito anos em reforma ou ampliação, tanto no Norte quanto no Sul. E, aparentemente, não há perspectivas de que seja concluída proximamente.
No mapeamento rodoviário, a BR-163 prossegue eternamente inconclusa, sem jamais chegar, como deveria chegar,nem sequer às proximidades do porto de Santarém. Há promessas de que será pavimentada, em sua extensão, até aquele porto paraense. Mas, isso, daqui a um ano. Out
ras rodovias continuam na maior precariedade pelo País afora corroborando recente sondagem da Confederação Nacional do Transporte (CNT), de que apenas 37,3% das estradas brasileiras podem ser consideradas boas ou ótimas. O restante está na categoria de ruim ou péssima. Estão aí os exemplos da BR-164, BR-210, BR-153, BR-22 e por aí em diante.
A situação ferroviária não é melhor. De acordo com o Plano Nacional de Logística de Transporte (PNLT), a participação da ferrovia na matriz do transporte brasileiro é da ordem de 25%. Contudo, só deverá chegar a 35% – se chegar – depois de 2025. E, para que isso aconteça, deverão ser investidos cerca de R$ 20 bilhões na construção das ferrovias Norte-Sul, Transnordestina (CE-PE-PI) Oeste-Leste (BA), Ferronorte (MT) e São Francisco do Sul (SC).
Segundo os construtores de falácias, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) destina R$ 300 milhões para a ampliação de ferrovias, obras para eliminar gargalos no contorno de cidades e construção de passagens de nível. E tem aí o Trem de Alta Velocidade (TAV), para ligar as cidades do Rio, São Paulo e Campinas, que engoliria, segundo os números oficiais, R$ 34,6 bilhões, volume de recursos que empresários da construção consideram modesto, pois, segundo os seus cálculos, esse trem não entraria em operação por menos de R$ 50 bilhões.
Fizeram demagogia com a energia
Já em relação à energia, há outros problemas. Atualmente o País não tem pela frente a crise de 2001, quando houve a necessidade de se iniciar, com urgência urgentíssima, a segunda fase da usina hidrelétrica de Tucuruí e se partir, ao mesmo tempo, para investimentos em usinas térmicas. Contudo, providências políticas demagógicas quase colocaram a perder eficiência conquistada nesse segmento da infraestrutura.
Atualmente está em curso auditoria no Tribunal de Contas da União (TCU) para apurar os efeitos, no sistema elétrico, da MP (Medida Provisória) 579, elaborada a pretexto de estimular a competitividade econômica e controlar a inflação. Contudo, ela passou a ser criticada pelas empresas setoriais e por especialistas em política energética, uma vez que, impondo redução de tarifas, impactava o setor de duas formas simultâneas: a) Comprometeria o potencial futuro das empresas geradoras e b) colocaria os ativos, a título de avaliação, abaixo dos patamares esperados para o processo de renovação dos contratos de concessão de usinas e linhas de transmissão.
Resumo da ópera: as geradoras teriam redução de cerca de 70% em suas receitas e as distribuidoras, de 30% em sua capacidade de geração de caixa, devido à revisão tarifária.
O TCU, acionado, teve de entrar nesse impasse e vem apurando os efeitos da famigerada MP no volume dos investimentos no setor e no eventual maior consumo, uma vez que os consumidores estão pagando menos pela eletricidade. Além disso, o TCU vem examinando os altos custos provocados pelo acionamento das usinas térmicas, que o governo agora promete desativar.
E os grandes eventos estão aí
Houve muita expectativa em relação ao propalado Programa de Aceleração do Crescimento. No fundo, é um Avança Brasil, da época do Fernando Henrique Cardoso, colocado em outros termos. Mas o PAC se anulou por conta de três fatores: falta de planejamento, falta de capacidade gerencial e falta de dinheiro. É que o governo não pode tudo sozinho. Para que um programa dessa amplitude deslanche e atinja os seus objetivos, terá inevitavelmente de contar com o setor privado. E o setor privado só se fará presente, na medida em que haja atrativos para investimento e taxas de retorno compatíveis com os recursos disponibilizados.
Falácia “padrão Fifa”
De qualquer modo, o País caminha. Alguns estados, como Pernambuco, Bahia, Ceará, Minas Gerais, São Paulo e Rio, dentre outros, avançam porque têm de avançar. Seria um naufrágio se não avançassem, aproveitando as circunstâncias econômicas e as especificidades regionais que os mobilizam. Pernambuco, com Suape e o corolário de indústria que ali vem se instalando; Ceará com Pecém; a Bahia, com Camaçari e outros atrativos industriais e turísticos; Minas, com a tradição na área de minério e empreendimentos paralelos correspondentes; São Paulo, com as obras do metrô e do monotrilho e com o Rodoanel fechando o círculo; e o Rio de Janeiro, com as obras do Porto Maravilha, da Cidade Olímpica na Barra, a Transoeste, a Transcarioca, o metrô, BRTs e VLT.
“Tudo isso é bom. Mostra potencial regional e local para crescer”, diz Luiz Fernando, “mas em paralelo continuamos com os gargalos logísticos e muitos outros”. Ele cita o caso do Aeroporto Internacional Tom Jobim, até hoje condições limitadas para atendimento da demanda.
Este e os demais problemas que imobilizam o País e não deixam que a competitividade não ultrapasse a porta da fábrica formam o mapa dos paradoxos brasileiros, aprofundados com as arenas esportivas que já foram ou estão sendo concluídas, mas cujo legado prometido à sociedade brasileira deverá converter-se numa falácia maior do que o Pão de Açúcar. Falácia “padrão Fifa”.
Fonte: Revista O Empreiteiro