No mar ou na terra, os desafios enfrentados pela Carioca Christiani-Nielsen são de grandes proporções. É o que se pode dizer do projeto da Cidade da Música Roberto Marinho, em execução na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Concebido pela prefeitura carioca para ser a futura sede da Orquestra Sinfônica Brasileira e principal centro de espetáculos musicais do estado, o empreendimento abrigará a maior sala de concertos e de ópera da América Latina, com até 1.800 lugares. Além disso, o prédio, com 90 mil m2 de área construída, em um terreno de 95 mil m2, terá lugar para 10 salas de ensaio, 13 salas de aula, três cinemas, sala especial para execução de música de câmara (forma de música erudita que pode ser executada por um pequeno grupo de instrumentos) para 500 pessoas, tudo com isolamento acústico e sistema de controle de climatização de última geração.
Terá também restaurantes e lojas e, no pavimento térreo, uma área dedicada à integração com a natureza, com lagos artificiais com desenhos orgânicos e um grande jardim, cujo projeto paisagístico, idealizado por Fernando Chacel, buscou resgatar as características naturais da Barra da Tijuca, incorporando orquídeas da restinga, bromélias e flor do Guarujá, entre outras espécies da região. Cerca de 60 mil mudas serão plantadas no entorno do complexo. Ainda no nível térreo haverá áreas pavimentadas com desenhos em mosaicos portugueses, inspirados nos padrões criados pelo paisagista Burle Marx.
O projeto arquitetônico é do urbanista e arquiteto Christian de Portzamparc, autor também da Cité de la Musique, de Paris. Em setembro, o projeto recebeu o maior prêmio da arquitetura contemporânea, o International Architecture Awards, concedido pelo Metropolitan Art Press e o Centro Europeu de Artes de Design. Considerado pelos engenheiros da Carioca como extremamente arrojado, o projeto exigiu cálculos estruturais sofisticados e uma tecnologia especial na produção do concreto da estrutura, auto-adensável, e de cor clara, cujo desenvolvimento requereu meses de pesquisa.As obras estão sendo executadas em parceria com a Andrade Gurierrez.
Apresentado em outubro de 2002, o prejeto previa inicialmente gastos de R$ 80 milhões, e sua inauguração estava programada para o final de 2004. Mas tanto o orçamento quanto os prazos de conclusão, foram muito dilatos. Hoje, o custo estimado do empreendimento é de R$ 482 milhões, cerca de seis vezes mais que o valor previsto originalmente. Esse orçamento inclui a edificação, o mobiliário, sistemas de acústica, climatização, energia, segurança, redes de infra-estrutura geral, urbanização, paisagismo e obras viárias no entorno do complexo.
A expectativa do prefeito César Maia é inaugurar a cidade da Música em dezembro, antes de finalizar seu segundo mandato. E até já anunciou o concerto inaugural. Mas o que se vê, apesar do ritmo acelerado com que os trabalhos estão sendo executados, é que dificilmente conseguirá seu objetivo. De qualquer maneira, a inauguração ocorrerá com quatro anos de atraso, em relação ao projeto original.
O principal motivo dos atrasos foi a prioridade dada pela prefeitura às obras das instalações desportivas para os Jogos Panamericanos de 2007. Para não comprometer o sucesso do evento desportivo, a administração municipal concentrou a maior parte dos seus recursos financeiros nas obras do Pan, deixando outros projetos, como a Cidade da Música, em segundo plano. Somente a partir de setembro de 2007 o ritmo das obras da Cidade da Música foi retomado, quando a prefeitura voltou a injetar recursos.
Para recuperar o tempo perdido, a Carioca optou por um método construtivo pouco tradicional: em vez de concluir sucessivamente cada nível do prédio, levantando as paredes intermediária, para, só então, retirar as escoras e dar início às obras no nível superior, adotouse um processo batizado de entramado. Ele é formado por quatro torres, com 10 metros de vão, dando sustentação a duas vigas principais e sete perpendiculares, apoiadas sobre as principais. Sobre esta estrutura provisória era lançada a forma da laje, por seções. Isso permitiu trabalhar no lançamento da laje acima, ao mesmo tempo em que se avançava, simultaneamente, com a estrutura abaixo dela.
De acordo com a equipe técnica da Carioca, a opção pelo método tradiocional consumiria pelo menos um ano e maio a mais, para a construção da estrutura do prédio, já que a necessidade de simbramento sob a laje impediria a circulação de pessoas e equipamentos sob ele e, consequentemente, a continuidade do trabalho.
Tornando um conceito em realidade
Para as fudações do prédio, foram cravadas 73 estacas hélice com fundidade média de 24 m e diâmetros variando de 1,00 m a 1,80m, além de células-barrete (137 lamelas) de 20 a 40 m de profundidade. Foram, ainda, instalados 36 blocos de coroamento, com volumes entre 100 m3 e 240 m3 de concreto armado. Para estabilizar a subpressão do lençol freático, foram instalados 145 tirantes com 20 m de comprimento cada.
Na supra-estrutura, foram utilizadas 7.941 t de aço CA 50, 63.566 m3 de concreto FCK 50 Mpa, de alto desempenho e resfriado, 270.467 m2 de formas e 800 t cabos de protensão.
O prédio tem dois níveis além do térreo, formados por duas lajes paralelas de concreto protendido, cada uma com 200 m de comprimento por 20 m de largura. O segundo nível está suspenso a 10 m de altura do solo, e acima desse segundo, o terceiro e último nível, a 30m de altura. Essa foi a solução que o arquiteto adotou para que os frequentadores do complexo tomassem partido da paisagem privilegiada da região. “Para atingir esse objetivo, o arquiteto concebeu o projeto de forma que ele se assemelhasse a uma grande mesa de vidro. E esse foi o grande desafio doempreendimento: tornar realidade esse conceito arquitetônico. A laje do pavimento onde fica a sala para música de câmara é como se fosse o tampão dessa grande mesa de vidro. E a aparede tem poucos pontos de contato com as lajes. Elas só encostam em pequenos pontos. Como se fossem os pés de uma mesa. O mesmo acontece com a laje do pavimento onde fica a Grande Sala.”, explifica o engenheiro Marcelo Galvão Machado, gerente do Contrato pela Carioca Christiani-Nielsen.
“Estruturalmente é um projeto muito arrojado, no Brasil e na América Latina” analisa o engenheiro.
Os cálculos estruturais foram realizados pelo engenheiro Carlos Fragelli, da Beton Engenharia, e ratificados por uma equipe de especialista da Universidade de São Paulo (USP), através de sofisticados cálculos gerados através de modelos matemáticos, por computador. Esses novos cálculos, segundo Marcelo Machado, recomendaram alguns reforços pontuais de fundações e paredes.
“Nesse projeto, todas as paredes são curvas e desiguais. Eu mesmo recomen
dava ao nosso pessoal de campo que se encontrasse alguma parede reta, que avisasse, porque tinha alguma coisa errada. Não houve repetição de fôrma, e o projeto teve que ser rechecado camada por camada”, descreve o engenheiro da Carioca. “O comportamento dessa projeto é tão atípico que boa parte das paredes trabalha sob tração e não com pressão. Algumas estruturas só ficaram totalmente estáveis depois de concluída a protenção da laje do nível superior, que puxa parte da laje inferior e das paredes. Por tudo isso, o cuidado com a execução teve que ser redobrado”, revela Marcelo Machado.
Durante o período de pico da montagem das estruturas, a Carioca chegou a ter cerca de 3 mil homens trabalhando no local inclusive com turno noturno e a lançar cerca de 5 mil m3 de concreto/mês. Hoje, com o avanço das obras, 2 mil pessoas dão andamento às obras e o volume de lançamento do concreto caiu para cerca de 600 m3. Em poucas semanas esse trabalho estará concluído.
Simultaneamente à conclusão da estrutura, a equipe que trabalha no local deu início à parte de acabamentos e instalações e na urbanização do entorno e tratamento paisagístico.
A busca da perfeição
A pureza do som, sem interferências externas à música tocada nos ambientes, foi ou grande desafio para os arquitetos. Os ambientes foram projetados com isolamento e proteção acústica, nos pisos, paredes e tetos, a partir das alvenarias. As salas especiais possuem paredes com alvenarias duplas, com preenchimento de lã de vidro e alvenarias flutuantes. A chamada Grande Sala, para concertos sinfônicos foi projetada para ter uma perfeita difusão acústica e homogeneidade sonora.
Para testar e aperfeiçoar este projeto, foi construído um modelo acústico 25 vezes menor que o tamanho original, reproduzindo as características geométricas e físicas das salas. Esta solução permitiu medir e ajustar a recepção do som nos diversos pontos, várias vezes, durante a fase de construção, evitando, assim, novos gastos após a conclusão da obra.
A mecânica cênica é um elemento fundamental da Grande Sala e seu funcionamento envolve outros elementos como o urdimento, os camarotes móveis, o palco, a vestimenta de palco e estruturas complementares. O urdimento é o setor de apoio do palco, composto por treliças metálicas, piso especial, passarelas de serviço em três níveis, platéia; varas e motores com capacidade para 500 quilos e varas e motores para 1.000 quilos de equipamentos.
A Grande Sala foi projetada de forma a ser convertida em sala de ópera, com 1.300 lugares. Para isso, as torres próximas ao palco da orquestra, instaladas sobre um sistema móvel, são deslocadas e ordenadas ao fundo, deixando expostos o fundo do palco e as laterais. O fosso da orquestra, por sua vez, é elevado de forma a se transformar em palco.
Os camarotes móveis são dotados de transportadores pneumáticos, estrutura metálica e revestimentos. O palco é composto por uma base e assoalho, piso fixo, quarteladas, elevadores, estrutura móvel e o piso móvel. A vestimenta do palco é composta por equipamentos especiais, a cortina principal e a cortina corta fogo.
Por esse nível de complexidade e pela grandeza do projeto, a Carioca considera a obra da Cidade da Música como um novo marco na história da Engenharia e da Arquitetura no Brasil.
Fonte: Estadão