Como ser um tigre verde-amarelo

Augusto Diniz

A Coreia do Sul tem população homogênea, tamanho territorial bastante modesto e uma posição geográfica favorável. O Brasil é heterogêneo, de dimensão continental, com nações vizinhas de baixo índice econômico. Mesmo com esses contrastes, o tigre asiático é um grande exemplo ao país verde-amarelo

Afantástica expansão coreana nos últimos 40 anos, depois da população viver em situação de pobreza, foi ajudada por uma herança cultural uniforme. Com uma área territorial do tamanho do estado de Alagoas e 48 milhões de habitantes, o programa de integração internacional foi um dos principais caminhos encontrados para o crescimento econômico. Mas há outras notáveis transformações que fizeram a Coreia do Sul ser o que é hoje. Foram mudanças que podem servir de lição ao Brasil.

“Reproduzir experiência de qualquer natureza é sempre complicado. Ainda mais econômica. No entanto, é bom olhar sempre o que os coreanos fizeram”, argumenta Pedro Cavalcanti Ferreira, professor de economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ) e um dos que defendem o uso do modelo de desenvolvimento da Coreia do Sul no Brasil.

Para Ferreira, o país asiático foi além de uma política industrial e de ações para fortalecer específicos setores econômicos para avançar. “Eles investiram muito em educação”, lembra.

De fato, a educação é um dos pontos fortes da Coreia do Sul. A grande reforma educacional começou ainda na década de 50 do século passado, depois da Guerra da Coreia (antes disso o país ainda havia enfrentado diversas invasões). Décadas depois, o país deu um salto no ensino, com a escolaridade média alcançando o dobro da brasileira, que está em 7 anos. “Aqui no Brasil falta foco na educação”, resume Ferreira.

Para melhorar a educação, o país asiático contou não só com programas do governo, mas também recursos da iniciativa privada, principalmente em capacitação e aprimoramento profissional.

Em meio ao coro de muitos que imploram pela melhoria da qualidade do ensino brasileiro, Gilmar Masiero, professor da FEA-USP, vai além: “Tem que ter vontade de aprender. O estudo é uma obsessão lá”.

Masiero desenvolve há anos pesquisas sobre o relacionamento político e econômico do Brasil com o Japão, a Coreia do Sul e a China. Na vez que visitou o país asiático, se surpreendeu com que presenciou dentro do campus de uma universidade local. “Cheguei tarde da noite no alojamento. Vi luzes acesas e pensei que estavam fazendo festa. Que nada, eram vários alunos estudando”.

Pesquisa e desenvolvimento

O quadro de elevado nível educacional facilita a ampliação do conhecimento em específicas áreas, refletindo diretamente nos resultados em pesquisa e desenvolvimento (p&d) no país. Mais de 3% do PIB coreano é voltado para esse fim – no Brasil, o mesmo índice fica em 1%. Trata-se de um tipo de investimento que vale a pena a médio e longo prazo, pois traz soluções e aplicações para os mais variados serviços e produtos, favorecendo o progresso e a competitividade, além de conquista da eficiência.

No caso coreano, a questão é ainda mais peculiar. “Os investimentos em p&d na Coreia do Sul são de orientação tecnológica, ao contrário do Brasil, que é maisvoltado àciência. O investimento em tecnologia tem resultado mais mercantil, empresarial. Enquanto o investimento em ciência é mais diletante”, explica Masiero, completando que não se trata de menosprezar a pesquisa científica básica. Segundo o acadêmico, ela é também importante para o desenvolvimento, mas os resultados são menos imediatos.

Outra característica na p&d coreano é de onde se originam os recursos. Na Coreia do Sul, 75% dos investimentos na área são feitos por empresas. No Brasil, os recursos em pesquisa e desenvolvimento provêm do governo ou instituições de ensino superior. Apenas 40% saem das empresas.

A divisão do dinheiro em p&d na Coreia do Sul mostra claramente o quanto as empresas de lá se preocupam em se aperfeiçoar e se manter na vanguarda da inovação. “Temos outro agravante no Brasil. As grandes empresas são multinacionais, cujo trabalho de pesquisa é feito em seus países de origem”, ressalta Masiero.

A história da industrialização do tigre asiático é bastante pragmática. Inicialmente, o enfoque foi desenvolver indústrias de base e infraestrutura para sustentar o crescimento, como energia, petróleo e cimento. Em um segundo momento, foram mais a fundo e criaram condições para o incremento da indústria pesada, como metalurgia e química.

Na terceira fase da expansão econômica coreana, já na década de 70, alguns segmentos econômicos passaram a receber atenção e tratamento estratégico, como as indústrias de máquinas, naval, automobilística e eletrônica. Com o rápido crescimento industrial, o governo precisou nesta etapa acolher outros setores ainda pouco assistidos para dar equilíbrio à expansão. A agricultura, por exemplo, passou a ter projetos para melhorar a renda e condições de vida — embora uma reforma agrária tenha sido feita antes mesmo da reforma educacional.

Na década seguinte, o foco foi conquistar mercados internacionais, se integrar ao mundo e apostar na alta tecnologia para avançar. “O país criou um projeto de desenvolvimento. Houve uma diretriz de exportação. O país é pequeno. Era a única maneira de sobreviver”, aponta Alcides Leite, professor de macroeconomia da Trevisan Escola de Negócios.

Os chaebols

A questão geográfica da Coreia do Sul foi um item a favor. Do rico e poderoso Japão, por exemplo, adquiriu conhecimento técnico durante a industrialização. “Japoneses chegavam a trabalhar durante a semana no Japão e no fim de semana na Coreia do Sul”, menciona Gilmar Masiero. A prática representou uma troca de experiência e informação muito grande. A organização da Copa do Mundo de 2002 dividida entre ambas nações pode se dizer que foi o ápice da celebração dessa histórica parceria.

E a integração continuou com os países vizinhos, significando um fluxo de mercadorias imenso na região, principalmente com os outros tigres asiáticos – Hong Kong, Cingapura e Taiwan. E mais recentemente com a China.

O forte programa de globaliza&ccedi

l;ão na década de 1990 implementado pelo governo visou tornar diversos setores ainda mais competitivos lá fora. Foi a partir daí que marcas coreanas passaram a se tornar famosas e respeitadas no mundo, como a Daewoo, Hyundai, Kia, LG e Samsung.

Os grandes conglomerados coreanos – os chamados chaebols – se formaram ainda na década de 1950, mas cresceram e se estabeleceram apoiados nos diversos programas governamentais — inclusive de financiamento — para alavancar seu crescimento.

As grandes corporações têm participação expressiva na riqueza da Coreia do Sul. Juntas com outras empresas coreanas, elas respondem por 28% do PIB no que se refere a investimentos (item que integra o PIB e envolve despesa das empresas em bens de capital, matérias-primas e produtos, além de inovação).

O item é tão importante para o crescimento sustentável da economia que Luciano Coutinho, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES), defendeu este ano a necessidade do Brasil elevar o seu investimento para 25% do PIB. Hoje, este índice está em 19,2%. O governo se propôs a criar condições para alcançar a meta.

Fonte: Estadão

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