Os contratos entre a Federação Internacional de Futebol (Fifa), governos estaduais e prefeituras das 12 capitais escolhidas para sediar os jogos da Copa de 2014 não vão contemplar apenas as rigorosas exigências da entidade. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está conversando com os cartolas do futebol mundial para incluir também os compromissos assumidos pelos estados e municípios perante o governo federal para a realização do evento.
Queremos evitar o empurra-empurra que aconteceu nos Jogos Pan-Americanos. A partir de junho já começamos a negociar uma matriz de responsabilidades no âmbito do setor público para definir desde já o que caberá a cada esfera de governo fazer – afirmou em entrevista ao JB o ministro dos Esportes, Orlando Silva, 38 anos. Essa definição ocorrerá logo após o anúncio, no final de maio, das 12 cidades-sede.
Ele está convencido de que o setor privado será atraído para investir na construção da rede de arenas multiuso para substituir os estádios atuais, enquanto os públicos serão direcionados para melhorar e ampliar a infraestrutura física das cidades, principalmente nas áreas de transportes. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida no feriado de Tiradentes, em Una (Bahia).
Quando o planejamento vai começar a andar?
Como o futebol tem peso elevado aqui, existe muita ansiedade quanto à preparação das cidades candidatas a sediar os jogos. São 17 cidades disputando 12 vagas. A disputa é tão acirrada que a Fifa decidiu fazer os jogos em 12 cidades e não em 10, ideia inicial. Acordo de cooperação firmado ano passado entre o Ministério dos Esportes, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), cujo presidente, Ricardo Teixeira, também preside o Comitê Organizador, e a Associação Brasileira da Indústria de Base (Abib), permitiu mapear as demandas de investimentos em infraestrutura nas 18 cidades candidatas – agora são 17.
E qual a conclusão?
Esse material ficou pronto no final de março, coincidindo com a data em que a Fifa anunciaria as cidades-sede, o que foi adiado para o final de maio. Aguardamos a Fifa anunciar as escolhidas para entrarmos na fase dois: a pactuação entre os governos federal, dos estados e municípios onde os jogos vão acontecer. Será firmado um pacto para que sejam criadas as melhores condições possível para a realização da Copa.
Já existe uma data marcada para essas conversas?
O presidente Lula vai convidar a Brasília os prefeitos e os governadores das cidades-sede para, junto com o governo federal, definir uma matriz de responsabilidades – quem fará o quê, com recursos de tais fontes e “x” prazos. Essa fase, a etapa dois, será a chave, pois as tarefas do setor público no evento serão divididas entre os três níveis de governo. Isso é tão importante que propusemos à Fifa incluir esses compromissos no contrato que assinará com as cidades, onde estarão as exigências todas. O objetivo é evitar o empurra-empurra ocorrido nos Jogos Pan-americanos. Um ano antes do Pan a gente via que a prefeitura do Rio de Janeiro – isto não é nenhuma crítica, mas aconteceu – protelava decisões, o governo do estado protelava decisões de coisas que tinham de ser feitas e entregues em data marcada. Vivemos uma fase na qual o governo bancava ou naufragava.
Essa é a principal lição do Pan para a Copa?
É relevante fixar, com clareza e antecedência, as responsabilidades de cada um. Nossa meta é concluir o planejamento neste ano para que a União, estados e municípios reservem recursos orçamentários em 2010 e comecem a tocar as obras em janeiro próximo.
De tudo o que precisa ser feito, o que mais preocupa?
O presidente Lula tem uma preocupação particular com a mobilidade urbana. Ele protelou o anúncio de quatro obras dessa área por acreditar que essa é uma tarefa chave a ser enfrentada. Transporte, tráfego, acesso às capitais estão entre os problemas de infraestrutura bastante valorizados pelo Planalto. Mas, para a Fifa, a ênfase está no sistema aeroportuário e na malha aérea porque a Copa acontecerá em várias cidades. Ao contrário da Europa, as distâncias aqui são muito maiores. Além disso, o setor ainda convive com o risco de nova crise. Ao lado da expansão de metrôs e melhoria dos acessos rodoviários, da solução para os aeroportos e malha viária, existem os portos, que em certas capitais poderão resolver outro tema sensível – a rede hoteleira. Com boa infraestrutura portuária, será possível encostar transatlânticos para ampliar o número de leitos temporários e auxiliar na circulação dos torcedores e turistas dentro do país.
E as deficiências nos serviços?
Esse tema abrange outras questões relevantes: saúde, segurança, hotelaria/hospitalidade, saneamento. O levantamento da Abdib inclui essas dimensões e com base nele vamos dialogar com governadores e prefeitos. Tudo dentro da lógica de que o setor público vai focar os recursos na infraestrutura das cidades. As arenas, redes hoteleira e gastronômica terão de ser bancadas por investimentos privados. Dinheiro público também será aplicado na qualificação de serviços para alcançar o patamar adequado ao evento. Isso não impedirá, entretanto, que capitais privados participem de projetos de melhoria e expansão da saúde e segurança, mas a ideia é concentrar os recursos públicos naquilo que fica depois do mundial. O presidente Lula vê a Copa como uma chance de adotar medidas anticíclicas complementares para atravessar a crise. Por isso, projetos novos serão incorporados ao PAC, garantindo verbas orçamentárias.
Existe uma estimativa de quanto será preciso investir de recursos públicos?
Somente após conhecermos as cidades-sede. As demandas variam muito de uma capital para outra. Algumas apresentaram como solução nos transportes a construção de linhas de veículos leves (VLTs), mas tem gente no governo que prefere corredores de ônibus, mais barato e simples. Na hora certa, a solução técnica será tomada e as verbas estarão nos orçamentos públicos. O mapeamento da Abdib traz uma visão localizada das deficiências e vantagens das cidades e estados, mas quando fizermos o encontro de tudo, teremos uma visão de conjunto e, portanto, qual a melhor solução para cada problema, com o respectivo financiamento.
Já existem investidores privados interessados nos estádios?
Tem muito diálogo. Vários governadores estão conversando com empresas brasileiras, algumas delas associadas a fundos de investimentos estrangeiros. O fato de o Brasil ser um porto-seguro para capitais estrangeiros facilitará o aporte desses recursos. Projetos imobiliários factíveis de financiamento, não só para a construção de arenas multiuso, mas de prédios comerciais no entorno dos estádios, estão sendo estruturados. O Rio Grande do Sul prevê para locais próximos ao Beira Rio, que deverá ser reformado, várias torres de escritórios e um complexo comercial.
O que tornaria as arenas atraentes para o setor privado?
A utilização para além do futebol, ser um espaço multiuso. Estive no estádio de Wimbledon, onde a seleção inglesa joga e acontecem as finais de vários torneios. Há shows, eventos políticos e religiosos. Isso viabiliza o uso mais intenso desses espaços, dentro de um conceito mais amplo. As instalações têm de ser diferentes. Alguns estádios aqui começam a ter áreas vips direcionadas a empresas ou convidados, ajudando a aumentar a renda. Portanto, é preciso mudar a mentalidade sobre a gestão desses espaços.
Fala-se que atualmente nenhum estádio teria condições de sediar um jogo da Copa.
Nenhum atende os critérios rígidos da Fifa: capacidade de público, espaço para imprensa, acessibilidade, estacionamento. Essas exigências são uma oportunidade para que qualificar esses espaços no Brasil.
Tem algum mais próximo desses critérios?
Essas coisas são complicadas de dizer (risos). Tem estádios interessantes. A arena da Baixada, do Atlético Paranaense, de Curitiba, talvez seja um dos estádios mais modernos do Brasil em conforto e segurança dos torcedores.