Superada a fase da demolição seletiva e vencidas as dificuldades da terraplenagem sob chuva, o estádio de Manaus para a Copa de 2014 entra na etapa das fundações, podendo ficar pronto em 2013, se possível, antes da Copa das Confederações
Nildo Carlos Oliveira
Tudo é difícil, mas tudo é possível. O prazo de 36 meses é reconhecidamente apertado, em especial quando as obras de engenharia enfrentam um adversário que não lhe dá trégua: a chuva, que parece não parar nunca, diferentemente do que acontece em outras regiões do País, onde ao período chuvoso sobrevém o período de estiagem prolongada. Em Manaus são apenas três meses de seca.Apesar das dificuldades climáticas e de outras resultantes de características locais, as obras seguem obedecendo ao cronograma de 36 meses, sob a pressão da Federação Internacional de Futebol (Fifa), Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e do Ministério dos Esportes.
O risco para a cidade-sede que acaso não venha a atender ao prazo estabelecido pela Fifa será muito alto. E nenhuma instância de governo, seja municipal, estadual ou federal, quer ver uma das cidades escolhidas fora do maior evento esportivo do mundo. No caso dos empreendedores do estádio de Manaus, cidade que possui 1,8 milhão de habitantes e perto de 2,2 milhões no conjunto da Região Metropolitana, há um esforço adicional para garantir uma vaga, como sede da Copa das Confederações, em junho de 2013.
Aliado a esses fatores, há outro que o Comitê Organizador Local (COL) apresentou na proposta da candidatura encaminhada à Fifa: a Arena da Amazônia, como o estádio está sendo chamado, se caracterizaria pela audácia da arquitetura temática e por um modelo de construção sustentável.
Quando, em 2009, Manaus se candidatou para ser uma das sedes da Copa, possuía dois projetos nas mãos. O primeiro propunha a reforma do estádio tradicional da cidade, o Vivaldo Lima, popularizado como "Vivaldão", que foi construído em 1970 a partir do projeto de um arquiteto ícone da arquitetura brasileira e da Amazônia, Severiano Porto. O segundo propunha a construção de arena moderna, destinada a se constituir em novo marco arquitetônico para a Amazônia.
A opção foi por um estádio novo, seguindo tendências daqueles que têm sido construídos em outras cidades do mundo nas últimas Copas. Contudo, como a capital amazonense não tem demanda para ocupar dois estádios – o antigo, com capacidade para 31 mil expectadores e o novo, dimensionado para 43 mil lugares, conforme determinação da Fifa, – e considerando-se ainda a localização do "Vivaldão", que fica no principal eixo viário local, decidiu-se pelo segundo projeto, com uma peculiaridade: ele deveria ser construído no mesmo espaço onde o anterior funcionara há 40 anos.
A ideia do novo estádio ganhou corpo e foi desenvolvida pelo Grupo Stadia, de São Paulo, com base na concepção do escritório alemão Von Gerkan, Marg und Partner (GMP), que esteve envolvido nos projetos de estádios na África do Sul e na Alemanha, todos concebidos de modo a aproveitar valores e identidades regionais. A construção ficou estimada em perto de R$ 500 milhões e conta com linha de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com a contrapartida do governo do Estado do Amazonas. A construção está a cargo da Construtora Andrade Gutierrez.
Demolição, terraplenagem, fundações
O engenheiro José Antônio Grajeda Fernandes, gerente de obras da Andrade Gutierrez, informa que a construção, hoje na fase das fundações, respeita, em todos os aspectos, o layout definido junto à Fica.
A fase inicial, a demolição do Vivaldo Lima, poderia até ter prosseguido mais rápida, não fossem os compromissos firmados para que a operação se desenvolvesse com critérios rigorosamente seletivos. Os materiais e equipamentos removidos deveriam ser preservados para uso posterior por outros estádios esportivos regionais. Foram retirados o mobiliário, as catracas eletrônicas, as instalações hidráulicas e elétricas e outros materiais aproveitáveis. Por causa desses cuidados, o serviço de demolição, que poderia ser realizado em até 45 dias, durou mais de 60. Até o concreto armado teve de ser segregado quase artesanalmente, das armaduras, a fim de ser levado para britagem, para reuso dos agregados.
Depois, veio a etapa da terraplenagem, realizada quase invariavelmente em condições climáticas adversas. O verão na Amazônia é pontuado por chuvas torrenciais e, quando há estiagem, ela não se estende por mais de dois ou três meses durante o ano. Para o prosseguimento do trabalho nessas condições foi necessário manter uma programação apertada, buscando-se a otimização dos recursos disponíveis. Por exemplo: era preciso cuidar continuamente da manutenção dos acessos, empregar sistemas de drenagem mais eficientes no canteiro, manter estoques de materiais cobertos dentro ou nas proximidades da obra e selar toda a camada de terraplenagem, na medida em que ela avançava, para que o trabalho realizado não resultasse inócuo ou acabasse parcialmente erodido pelas inevitáveis precipitações pluviais.
Vencida essa etapa, a construtora partiu para a fase atual: as fundações. Nesse trabalho estão sendo utilizadas estacas moldadas in loco pelo processo hélice contínua. No conjunto, serão 21.833 m de estacas.
Estrutura em pré-moldados
Com exceção dos pilares de grandes dimensões, que serão executados com equipamentos específicos e moldados in loco, e das vigas de apoio das arquibancadas superiores, toda a estrutura do estádio será executada com elementos pré-moldados.
"Não se tratou", diz José Grajeda, "de uma decisão unilateral, mas de consenso. Fizemos diversos comparativos de sistemas estruturais – laje plana, moldada in loco, laje nervurada, enfim, toda a avaliação dos riscos, incluindo os custos envolvidos." A decisão, tendo-se em conta o prazo da obra, recaiu sobre o pré-moldado, uma tecnologia que impõe algumas premissas básicas: as peças precisam ser produzidas numa escala repetitiva e industrial; é necessário que haja disponibilidade de espaço suficiente para estocá-las; trabalha-se com o pressuposto de que elas, sendo repetitivas, devem possuir geometria simplificada e o dimensionamento precisa ser previsto considerando-se os equipamentos de movimentação horizontal e içamento em operação no canteiro.
O engenheiro lembra que as arenas mais econômicas, construídas com pré-moldado, são aquelas em que há quatro segmentos de retas paralelas 2 a 2 no sentido leste-oeste e norte-sul. Nesses casos, normalmente os cantos curvos são construídos com outros elementos, adotando-se soluções que facilitem o em
prego do método construtivo. Por exemplo: a colocação de uma torre de acesso em um daqueles pontos, o que ajuda na solução adotada e até na estética da edificação.
Para resolver o problema dos ajustes nos segmentos em curva da Arena da Amazônia, a Andrade Gutierrez concebeu uma fôrma própria, que permitirá as variações previstas. Na medida em que a produção das peças evoluir, os ajustes serão realizados e, assim, será obtida a geometria especificada.
"Estamos mobilizando equipamentos, pórticos etc., e já começamos a fazer as peças pré-moldadas dos degraus. Fabricamos os protótipos e a nossa expectativa é de que já em abril (este mês), a produção dos elementos pré-moldados estejam sendo estocados para a posterior montagem da estrutura", informa o engenheiro José Grajeda.
A estrutura da cobertura
Depois de construída a estrutura, a construtora terá pela frente um trabalho que considera sumamente delicado: construir a fachada e a estrutura da cobertura, que será executada com elementos metálicos. Será uma estrutura reticulada, montada com vigas metálicas com seção variável, com faces também variadas, de modo a parecer, a alguma distância, uma motivação amazônica, talvez um cesto costurado com materiais locais. Essa solução dispensará o uso daquelas vigas tradicionais que são soldadas e formam tramos retos.
Em princípio, as peças de fachada terão estruturas auxiliares e serão conectadas à estrutura de concreto da arquibancada superior. Depois, serão montadas torres de grande capacidade sobre a arquibancada de concreto já executada, naqueles pontos definidos pelo calculista onde ocorrerão esforços estruturais. Serão, ao todo, 18 torres desse tipo, cada uma com 100 ou 120 t. Quando toda a estrutura da cobertura estiver montada, soldada e testada, aí, sim, as torres, que funcionarão como estruturas de suporte, serão removidas. A estrutura metálica de fachada e a cobertura terão adquirido, àquela altura, a concepção prevista no projeto arquitetônico e terão atendido aos requisitos do projeto de cálculo original.
O engenheiro informa que o processo de requisição de propostas para a construção da estrutura metálica está em andamento e que a contratação da empresa que fará esse serviço deverá ocorrer em fins de junho ou começo de julho próximo.
Já o revestimento da cobertura metálica será feito com membrana PTFE translúcida. Ela será dotada de translucidez da ordem de 15%, retardador de chamas (classificação contra incêndio norma DIN 4102, classe B1), peso de 1,15 kg/m², na cor branca. José Grajeda diz que há coberturas similares nos estádios de Durban e Port Elizabeth, na África do Sul, e em alguns estádios construídos na Alemanha para a Copa de 2006.
O projeto da Arena da Amazônia considera o conceito de sustentabilidade e pretende obter a certificação pelo Leed. O processo, com esse fim, vai considerar os critérios de racionalização de recursos de energia e de utilização econômica de água. O estádio, nesse sentido, será dotado de luminárias de baixa tensão abastecidas por energia solar em sua área externa.
O entorno e o legado
É necessário ficar claro o seguinte: a construção do estádio é uma coisa. Já as obras do entorno e que poderão ser consideradas como futuro legado para a cidade e para a população de Manaus, é outra. A primeira está no contrato que a construtora está cumprindo, as demais obras que podem compreender o legado do ponto de vista de infraestrutura, se inserem no plano geral a cargo da Unidade Gestora do Projeto da Copa (UGP), que vem sendo coordenado pelo arquiteto e urbanista Miguel Capobiango.
Segundo esse plano geral, foram programadas amplas melhorias viárias em Manaus e em especial nos acessos ao estádio; está prevista a construção de um centro de convenção, de um hospital e até de um monotrilho de 14 km de extensão, para ligar a arena ao centro da cidade. Contudo, enquanto as obras do estádio prosseguem dentro do prazo, as obras do monotrilho ainda não haviam sido licitadas, pelo menos, até fins do mês passado.
Ficha técnica
Obra: Arena da Amazônia
Construtora: Andrade Gutierrez
Projeto: Grupo Stadia
Concepção: Escritório alemão Von Gerkan, Marg und Partiner (GMP)
Gestão: Unidade Gestora do Projeto da Copa (UGP)
Área construída:
Pódio: 72.000 m²
Área coberta da projeção do estádio: 25.000 m²
Principais quantitativos:
• Concreto estrutural: 58.038 m³
• Estaca : 21.833 m
• Fôrma: 139.000 m²
• Estrutura metálica: 3.862 t
• Contingente atual: 385 profissionais.
• Principais equipamentos em operação: caminhões, motoniveladoras, escavadeira hidráulica, central dosadora
de concreto, hidráulicas e gruas, carregadeira de pneus, motoniveladora, trator de esteira
Fonte: Estadão