A empresa é outra — sem perder a força da personalidade que a distinguiu nos tempos do fundador Antônio Alves Ferreira Guedes. Estabelece parcerias estratégicas, acredita que o País não terá outra saída senão o crescimento, cumpre os contratos que vão implementar as obras do Corredor Mercosul e internacionaliza-se constituindo a Ferreira Guedes Venezuela. “Hoje, somos uma empresa que recolheu ao armário o figurino antigo e posiciona-se on line no mercado”, diz, com otimismo, Erasto Messias da Silva Júnior, diretor-superintendente, expressando o sentimento geral da diretoria e dos demais funcionários da construtora, que em 18 de dezembro de 2006 o completou 70 anos de atividades. Contudo, ela não nasceu Ferreira Guedes. Vem de longe, daquele ano de 1936, fundada por J. Cardoso de Almeida Sobrinho, em um período da vida brasileira em que tudo estava para se construir, e em que o advento da urbanização, até ali incipiente, exigia a formação de empresas de engenharia para abrir ferrovias, rodovias, executar obras de saneamento e energia. Enfim, a infra-estrutura então delineada no período do governo Getúlio Vargas, que ganharia força máxima na época de Juscelino Kubitschek e que chegaria ao auge nos anos 70, na época do chamado “milagre brasileiro”. Foi com o nome do primeiro fundador que a construtora, ainda pequena e, portanto, sem condições de fazer grandes vôos, operou, no conjunto com outras empreiteiras, nas obras da Via Dutra, inaugurada pelo presidente Eurico Gaspar Dutra em 1951. Seu traço distintitivo, no entanto, nas primeiras décadas de fundação, foram as obras ferroviárias, dentre as quais se destacam os volumes de terraplenagem para implementar a ligação Itapeva-Ponta Grossa (tronco sul); Brasília-Pires do Rio; o trecho Ibirité-Águas Claras, em Minas Gerais, e outros empreendimentos nesse campo, de que a Ferrovia do Aço, incluindo o pátio de Jeceaba, seriam exemplos posteriores. Com Antônio Alves Ferreira Guedes na diretoria da empresa, ela infletiu, com maior ênfase para as obras rodoviárias, trabalhando na BR-116, BR-040, em Petrópolis, na BR-324, em Feira de Santana e em outras obras para o antigo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) e para DERs estaduais. O maior volume de contratos para obras rodoviárias e ferroviárias foi obtido a partir de 1973, quando Antônio Alves Ferreira Guedes adquiriu a empresa, em razão do falecimento de J. Cardoso de Almeida. Começou, então, a “fase Ferreira Guedes”.
“Fase Ferreira Guedes”
Homem de personalidade muito forte, Antônio Alves Ferreira Guedes impôs uma direção vertical às atividades da construtora, que se desenvolveu caracterizada como a empreiteira que possuía a maior frota de máquinas e equipamentos rodoviários do País. Os documentos da época revelam que ela possuía, naquele período, 250 motoescreiperes, 180 carregadeiras 966, 90 tratores D9, e por aí em diante. Nas complexas obras de terraplenagem de Jeceaba, em Minas Gerais, Ferreira Guedes concentrou a maior frota de máquinas em operação no Brasil. E se orgulhava disso. Com ele – numa etapa em que todas as empresas construtoras cresceram no País – a Ferreira Guedes, nome que substituiu a de J. Cardoso Sobrinho, acelerou os empreendimentos rodoviários e ferroviários. Atuou nas obras já mencionadas, trabalhou na variante de Manilha-Duques, no Estado do Rio, implantou ferrovias para a Rede Ferroviária Federal em Minas Gerais e executou os serviços de manutenção de mais de 900 km de linhas da antiga Fepasa. Trabalhou também na implantação da Ferrovia de Carajás, no complexo de minério de ferro da Vale do Rio Doce, no Pará. Simultaneamente, ela executou obras para a iniciativa privada: fez o pátio da fábrica da Caterpillar em Piracicaba (SP); realizou os trabalhos de infra-estrutura da Nuclebrás Equipamentos Pesados (Nuclep), instalada às margens da Rio-Santos em terreno de 1 milhão de m² e cuja finalidade original era a fabricação de componentes pesados para usinas nucleares; fez a terraplenagem para a instalação da Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST); as obras da Petrobras em São José dos Campos e outras, também para a estatal brasileira, na Ilha Redonda, no Rio de Janeiro. No Rio Grande do Sul executou as obras de infra-estrutura para a implantação do Pólo Petroquímico de Canoas. Em nenhum momento, no entanto, descurou dos contratos para o governo federal e para governos estaduais. Na Bahia, em parceria com a Norberto Odebrecht, participou do sistema adutor Pedra do Cavalo. Executou a primeira fase do Projeto Jaíba, em Minas Gerais, que durante muitos anos foi considerado o maior projeto de irrigação da América do Sul. Jaíba, concebido na década de 50, ganhou impulso nos anos 80, quando o governo federal, através da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf), injetou ali recursos do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Bird). “Naquele período, ao lado da capacitação técnica para realizar empreendimentos de grande vulto, a construtora, impulsionada pelo fundador, desenvolveu fortemente a capacitação humana. Constituiu quadros técnicos tendo em vista a considerável oferta de obras que, depois, passaram a ser chamadas de `faraônicas´. Faraônicas, mas nem tanto, pois hoje, se não fossem aquelas obras, não teríamos a infra-estrutura que temos e que já é insatisfatória para o desenvolvimento que queremos", lembra o superintendente da Ferreira Guedes, Erasto Silva Júnior.”. Porque, segundo ele, quando se projeta o desenvolvimento de um País, este é projetado para um horizonte não de apenas dez ou quinze anos, “mas com uma visão bem mais ampla de futuro”. A meta de Juscelino, por exemplo, era de 50 anos à frente de sua época.
O impacto do governo Collor
O fato é que aqueles anos do “milagre” passaram. As empresas e o País entraram na contramão do desenvolvimento em razão de diversos fatores, dentre os quais a crise do petróleo e a inflação galopante. Tal situação acentuou-se depois de 1988. Também, com uma inflação de 20 e 25%, que chegou ao pico de até 84%, país nenhum deixaria de passar por extraordinários sacrifícios. Nesse quadro, o governo atrasava os pagamentos e perdia a capacidade de investir até naquilo que era mais prioritário. E as empresas não tinham alternativa, senão pleitear a correção monetária administrativamente. Muitas sofrem, até hoje, as injunções decorrentes daquelas medidas. Antônio Alves Ferreira Guedes, que sempre trabalhara majoritariamente para o governo, evitava entrar em demandas. Achava que as coisas ainda poderiam mudar. Afinal, o Brasil é um País que jamais deixaria de optar pelo desenvolvimento. Achava, por isso, que as condições ajustar-se-iam e que a falta de um pagamento hoje, seria compensada por um novo contrato de obra amanhã. Mas os rumos não foram esses. Veio o governo Ferna
ndo Collor e, no dia 15 de março de 1990, houve o bloqueio do dinheiro das pessoas físicas e jurídicas em todo o País. A empresa, uma das mais líquidas do País, acordaria a 16 daquele mês com apenas 20% de sua liquidez. Três dias depois Ferreira Guedes reuniu-se com a diretoria. Apesar de tudo, era um otimista. Considerava o seguinte: se o bloqueio do dinheiro, do ponto de vista nacional, permitisse que o governo viesse a saldar as suas dívidas, o céu ainda não estaria tão escuro. Mas a previsão do empresário não se confirmou e a construtora só entrou na luta para liberar os cruzados novos, depois que outras empresas o fizeram.
As mudanças realizadas
Com o falecimento de Antônio Alves Ferreira Guedes, em 1991, a diretoria veio a considerar, posteriormente, a necessidade de adequar a empresa aos novos rumos que outras empreiteiras estavam adotando. O Brasil era outro, a economia era outra e não havia por que persistir em um caminho, aparentemente, sem volta. Ela deveria continuar operando nos segmentos tradicionais – ferrovias e rodovias – mas considerando a possibilidade de ingressar em outros nichos de atividades da engenharia. Para tornar-se competitiva, teria de adotar uma postura mais leve, mais dinâmica, mais apta a fazer parcerias e obter a capacitação necessária para esse fim. Uma das primeiras medidas nesse sentido, conforme lembra Erasto Silva Júnior, foi vender a frota de máquinas e equipamentos. A oferta de obras dos anos 90 não comportava a posse de tal volume de máquinas: o grande número de motoescreiperes 657, cerca de 50 motoescreiperes 637 e outras máquinas pesadas. Além do mais, o mercado de obras passava a exigir máquinas mais leves, dotadas de maior capacidade operacional, resultado do desenvolvimento tecnológico buscado e aprimorado pelos fabricantes. E, tais máquinas, já que a construtora estava optando pelas parcerias e terceirização, poderiam ser locadas – ou até compradas – conforme a dimensão maior ou menor da obra. Já não tinha sentido imobilizar o capital nessa área. Além disso, o modelo para a sobrevivência das empresas era outro. Na época das “grandes obras”, as empreiteiras preservavam a figura do engenheiro-residente. Conforme a obra, como no caso do Projeto Jaíba, a Ferreira Guedes chegou a manter dois aviões baseados em Montes Claros (MG), para o atendimento requerido: transportar peças de reposição, pessoal e dinheiro para o pagamento dos empregados, etc. Além disso, ela possuía cantina própria, cozinha industrial, toda uma rede de infra-estrutura de serviços que o modelo de então exigia. A venda das máquinas e a nova postura empresarial eliminavam o figurino conservador. Os contratos assinados previam a terceirização da parceria construtiva e a adoção de uma moderna tecnologia de acompanhamento de tarefas que evoluiu para o desenvolvimento on line das diversas atividades, implicando o desaparecimento do engenheiro-residente, que foi substituído pela figura do gerente de contrato. As obras passaram a contar com uma autonomia controlada. Pessoas, colocadas em até quatro níveis de decisão, poderiam tomar providências que no modelo antigo só poderiam ser adotadas pela diretoria ou pelo presidente da empresa. “Estamos investindo numa empresa ágil, em tecnologia, na implementação do ERP para a gestão de nossas obras e, para isso, apostamos na capacitação de pessoal”, diz Erasto Silva Júnior, explicando: “No mercado de obras atual, o insumo é igual para todos. Ninguém compra o aço pela metade do preço. O mesmo acontece com o cimento. E, quanto a salários, as coisas não são diferentes. Se uma empresa quiser ter profissionais competentes, ela paga no mercado por isso. Agora, por que, apesar disso tudo, uma empresa vai bem e outra não? É uma questão de capacidade. E tal capacidade é que diferencia uma empresa enxuta, da outra. Nesse quadro, o nível de decisão assume importância fundamental. Foi diante de tais constatações que arquivamos o modelo centralizador e adotamos um modelo mais funcional.”
As obras, no novo modelo
Com o novo modelo gerencial e empresarial, uma evolução que se deu a partir dos anos 90 e que se acentuou ainda mais depois de 1997, a Construtora Ferreira Guedes está concentrando esforços, dentre outras, nas seguintes obras:
Ferrovias.
Faz a manutenção do subúrbio da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). São cerca de 80 km de linhas, divididos em dois contratos: 40 km que vão da Estação da Luz até Amador Bueno e mais 40 km no trecho Brás-Paranapiacaba. Ao mesmo tempo, trabalha nas obras de reforma da via permanente do sistema do Bonde de Santa Tereza – equipamento da infra-estrutura turística do Rio de Janeiro, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e que completou 100 anos de atividades em 2006. Essa obra deverá estar concluída até abril. A empresa executa também o contorno ferroviário de São Félix, na Bahia – obra que tem a parceria da Construtora Queiroz Galvão.
Rodovias.
Trabalha na BR-101 Sul, em conjunto com a Construcap e nas obras da BR-101 Nordeste; executou a duplicação da Raposo Tavares, trecho de Cotia (SP), que embora de apenas 4,5 km, foi marcado pelas dificuldades decorrentes da passagem por região densamente urbanizada. A rodovia é a segunda mais movimentada que está sob a responsabilidade do DER paulista. O trecho acaba de ser inaugurado pelo então governador Cláudio Lembo (PFL). A empresa conclui as obras da ligação Suzano-Ribeirão Pires, de 50 km, que incluem recapeamento, terceira faixa e sinalização. Trabalhou na duplicação da SP-294, trecho de Garça, proximidades de Marília, interior paulista, e faz também o trecho correspondente ao lote 2, nas proximidades de Bauru. Adicionalmente já montou a usina de asfalto no canteiro das obras Assis-Maracaí, a serem iniciadas proximamente. Em conjunto com a Camargo Corrêa, ela executa, para a prefeitura de Guarulhos, a avenida Bardella e faz, também, um viaduto estaiado, em curva, que será um portal para esta cidade. A Avenida Bardella ligará a Dutra à Rodovia dos Trabalhadores, constituindo-se em alternativa ao trecho do Rodoanel. Ela faz parte do programa de obras do governo José Serra (PSDB). Além desses e de outros contratos em andamento, a empresa está presente nas obras do Corredor Mercosul: na BR-381 – Rodovia Fernão Dias (lotes 4 e 5, perto de São Paulo), na BR 116 – Rodovia Régis Bittencourt as obras do lote 1 no Estado de São Paulo (executados em consórcio com a Serveng Civilsan), e as do lote 2, no Estado do Paraná. Todas elas fazem parte do Corredor Mercosul, sendo, portanto, da maior prioridade para o País. Em consórcio com a Construcap, a empresa executa obras de duplicação nas proximidades de Florianópolis (SC) e de Porto Alegre (RS).
Internacionalização
A empreiteira está consolidando o projeto de internacionalizaçã
o. Atualmente implanta um tramo rodoviário de 13,8 km – a Autopista do Oriente – no Estado de Anzoategui, na Venezuela. E está cuidando da instalação, nesse país, da Ferreira Guedes Venezuela, na perspectiva da realização de outros projetos na área da infra-estrutura local. Ainda recentemente, Sílvio Navarro Guedes, presidente da empresa, manifestou-se sobre os planos da Ferreira Guedes naquele país: “Pretendemos obter, no começo de 2007, uma carteira de obras da ordem de US$ 160 milhões.”. Com uma nova visão empresarial e com projetos aqui e no exterior, a empresa projeta, assim, o seu futuro. E quer acreditar nas promessas do governo Lula da Silva, no seu segundo mandato, de que o Brasil não terá outro caminho, daqui pra frente, senão o do crescimento. Seria doloroso demais pensar que o Brasil, com as potencialidades que tem, adotasse roteiro inverso.
Fonte: Estadão