O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou sem vetos, em 10 de janeiro, a Lei 14.801/24, que cria as debêntures de infraestrutura, oferecendo incentivo fiscal às empresas emissoras. A medida busca estimular a captação de recursos privados para investimentos em infraestrutura e pode atrair cerca de R$ 200 bilhões para novos projetos, calculam associações ligadas ao setor. Somente os fundos de pensão podem aportar cerca de R$ 40 bilhões, estimam os analistas.
A nova regra permite que o benefício fiscal seja concedido ao emissor do título, diferentemente das debêntures incentivadas, que estão no mercado desde 2011 e ofereciam vantagens tributárias apenas aos investidores. Agora, concessionárias, permissionárias e autorizadas para explorar serviços públicos e empresas de infraestrutura poderão abater 30% dos juros pagos aos investidores nos impostos sobre o lucro – Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
De acordo com analistas, a expectativa no mercado é que o benefício dado às empresas se reverta no pagamento de remunerações maiores nos títulos, ou seja, que ocorra uma compensação do benefício fiscal na forma de um rendimento maior aos adquirentes. Isso deve atrair investidores como os fundos de pensão, que não se animaram com as debêntures incentivadas.
As debêntures incentivadas foram criadas com a proposta de contribuir no financiamento da infraestrutura, oferecendo isenção de imposto de renda para o investidor pessoa física. Mas como o benefício fiscal era concentrado no investidor, os fundos de pensão não viram vantagem econômica no papel, uma vez que já têm isenção de imposto nos títulos públicos e outros investimentos de menor risco.
Com a nova lei a lógica do benefício se inverteu, uma vez que passa para a empresa emissora e elimina a concorrência criada pela debênture incentivada. A expectativa é de que as debêntures de infraestrutura ganhem fôlego para competir com as incentivadas, já que as empresas terão as duas opções em mãos, podendo escolher qual público querem acessar.
Segundo os analistas, as incentivadas devem funcionar melhor para operações de prazo mais curto, em financiamentos de menor risco, enquanto as de infraestrutura serão um instrumento a mais para o financiamento de obras com receitas previstas no longo prazo, como é o caso de projetos greenfield, para os quais não havia um financiador de mercado.
Vale lembrar que as debêntures incentivadas ganharam espaço nos últimos anos por conta do aumento dos juros no País. De janeiro a outubro de 2023, as emissões desses títulos somaram R$ 51,5 bilhões, segundo levantamento da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Um aumento de cerca de 28% sobre o valor movimentado em 2022, que foi de pouco mais de R$ 40,7 bilhões.
Conforme a nova lei, os recursos devem ser aplicados em projetos de investimento ou de produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação. As debêntures de infraestrutura devem ser emitidas até 31 de dezembro de 2030. A listagem de áreas nas quais os recursos podem ser aplicados caberá a um regulamento a ser publicado.
Segundo o governo, a intenção é alavancar investimentos em infraestrutura, como construção de ferrovias, duplicação de rodovias, melhoria da malha viária rural, integração de diversos modais de transporte, refletindo diretamente no desenvolvimento do País. De acordo com o senador Rogério Carvalho, relator do projeto no Senado, as debêntures de infraestrutura têm o potencial de alavancar mais de R$ 1 trilhão em investimentos no segmento.
Medida deve atrair estrangeiros
A medida agradou o setor produtivo, especialmente aquele ligado à infraestrutura, indústria de base e da construção. Dezessete entidades setoriais assinaram uma carta comemorando a sanção da Lei das Debêntures de Infraestrutura, após quase quatro anos de discussões até a aprovação no Congresso Nacional e a publicação do texto.
Na visão dessas instituições que subscreveram a carta – entre elas, a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB), Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (ABCON), Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), Associação Nacional dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP), Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) e Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon–SP) – o lançamento desse tipo de papel poderá trazer cerca de R$ 200 bilhões em recursos para novos projetos.
“Todos sabemos que há um hiato superlativo de investimentos em infraestrutura e as debêntures de infraestrutura surgem como mais uma alternativa de financiamento dos projetos, ao permitir a entrada neste mercado, a taxas de rentabilidade atrativas, de investidores institucionais particularmente os fundos de pensão, que poderão, agora, atrelar ativos e passivos de longo prazo”, afirmam as entidades, no comunicado.
Ainda segundo essas associações, as centenas de projetos de concessão ou PPPs de infraestrutura em estruturação “nos quatro cantos do País poderão ser financiados por combos compostos por recursos do BNDES, organismos multilaterais de crédito, captações externas, debêntures incentivadas (pessoas físicas) e, agora, por debêntures de infraestrutura”.
A comemoração tem base técnica, segundo elas. “Não basta termos a vontade política dos governos para concederem à iniciativa privada ativos de infraestrutura e a boa estruturação de projetos. É preciso financiá-los. Os maiores ganhadores desse processo são a geração de renda e a criação de emprego, principalmente da população mais carente do País”, concluem.
Uma mudança relevante que a lei também traz e agradou o setor produtivo é que deixará de ser necessário uma aprovação ministerial prévia para os projetos atrelados às debêntures. Até agora, para emitir um título incentivado era preciso um enquadramento do projeto pelo ministério competente. Caso uma empresa de energia quisesse emitir uma dívida atrelada a um projeto de ampliação das redes de transmissão, por exemplo, deveria buscar o aval do Ministério de Minas e Energia.
Já com as debêntures de infraestrutura, essa etapa deixa de existir, o que deve tornar o processo de oferta mais rápido.
Na visão dos especialistas de mercado, as debêntures de infraestrutura devem atrair também investidores estrangeiros.
Isso porque a lei prevê, mediante regulamentação do Executivo, que as operações possam ter uma cláusula de variação cambial. Assim, o título pode ser emitido no mercado brasileiro, mas com o valor atualizado conforme a variação do dólar.
Essa possibilidade de proteção em moeda estrangeira favorece tanto os investidores estrangeiros quanto para a emissora que possui contratos de fornecimento em dólares.