“A expectativa dos analistas de mercado é de que a Selic caia mais 2,5 pontos nas próximas três reuniões do Copom, o que fortalece a tendência”. Eduardo Coutinho, professor do Ibmec. Depois da explosão da abertura de capital na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), registrada entre o fim de 2006 e o início do ano passado, a crise financeira mundial calou o mercado. A oferta de dinheiro na praça foi ao fundo do poço, os juros percorreram o caminho inverso, rumo à estratosfera, e as empresas perderam o acesso ao mercado de capital simplesmente porque não havia investidor disposto a encarar a oscilação da renda variável ou os exíguos prazos e juros impagáveis do mercado de renda fixa. Mas a situação começa a mudar.
Num sinal de que há luz no fim do túnel, a Bradespar, empresa de participações do Bradesco, que integra o bloco de controle da Vale, emitiu R$ 610 milhões em debêntures, títulos de renda fixa por meio dos quais as empresas emissoras se capitalizam ao contrair uma dívida.
A reação do mercado foi imediata. E surpreendeu. A demanda pelos papéis chegou a 10 vezes o valor ofertado, batendo em R$ 6 bilhões. As debêntures da Bradespar terão rendimento de 125% do CDI e vencimento em três anos, com pagamento do principal no fim do prazo, remuneração semestral e repactuação das condições ao final de 18 meses. “Com esse lançamento, notamos uma mudança da dinâmica do mercado. No segundo semestre de 2008, durante a crise, os únicos títulos de renda fixa disponíveis eram notas promissórias de curto prazo, com vencimento entre seis meses e um ano”, diz Alberto Kiraly, vice-presidente da Associação Nacional dos Bancos de Investimentos (Anbid).
Na avaliação dele, isso mostra uma evolução da liquidez em relação ao fim do ano passado. Mas nem todas as empresas têm entrada garantida no baile. Num mercado ressabiado, apenas as grandes empresas, com capital aberto na bolsa e imagem intacta com os investidores, conseguirão se capitalizar por meio do lançamento de papéis de renda fixa e prazo longo, como as debêntures. Fontes do mercado apostam, por exemplo, que essa será uma das saídas a serem usadas pela Petrobras para aliviar o caixa. “Isso só funciona para corporações de grande porte, com bom risco de crédito, transparentes aos olhos dos investidores. Empresas medianas não conseguem acesso a esse mercado”, sustenta Kiraly. De acordo com ele, corporações dos setores de energia elétrica, concessões rodoviárias e infraestrutura deverão ser as próximas da fila.
Eduardo Coutinho, professor do Ibmec, concorda que há uma tendência mais favorável para as captações de longo prazo em renda fixa. Contribuem para isso a redução de 1 ponto percentual da taxa de juros básicos da economia (Selic) e o aumento de liquidez. “A expectativa dos analistas de mercado é de que a Selic caia mais 2,5 pontos percentuais nas próximas três reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom), o que fortalece a tendência”, diz.
Levantamento da Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro (Andima) mostra que, em 2006, o volume de emissões desses títulos chegou a R$ 69,4 bilhões. Em 2007, com a crise a caminho, foram R$ 46,5 bilhões, montante que caiu para R$ 37,4 bilhões em 2008. Entre agosto e dezembro do ano passado, porém, apenas duas empresas fizeram emissões: a Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (R$ 220 milhões) e a Duke Energy (R$ 340 milhões). Os papéis só voltaram a ser usados em janeiro deste ano, com o lançamento da Bradespar.