Delfim Netto: "O governo demorou, mas aprendeu com o mercado"

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José Carlos Videira

Antonio Delfim Netto, economista pela Universidade de São Paulo, professor, ex-ministro da Fazenda, do Planejamento e da Agricultura, deputado federal por cinco mandatos, acredita que o governo está no caminho certo com relação às concessões. Diz que o governo finalmente aprendeu a negociar com a iniciativa privada e defende agências reguladoras independentes. Avalia que o Brasil vai crescer mais neste ano, e que não há nenhum risco de descontrole na economia. A seguir os principais trechos da entrevista exclusiva para O Empreiteiro.

OE: Que avaliação o senhor faz da situação atual de portos, aeroportos, ferrovias, rodovias, hidrovias? Falta muito para termos o mínimo de eficiência?

Delfim Netto: Estamos longe da compatibilidade do nível de infraestrutura com o de desenvolvimento. O Brasil tem um estoque de infraestrutura que é infinitamente inferior ao de outros países em relação ao PIB. Não se investe no Brasil de maneira sistemática desde 1984/85. Depois de 1988, após a Constituição, o nível de investimentos do governo só caiu. Houve transferência dos recursos do investimento para distribuição de renda. Hoje estamos numa situação muito precária em matéria de investimento de infraestrutura.

OE: E qual a saída para viabilizar investimentos em infraestrutura no Brasil?

Delfim Netto: Concessões, PPPs. Mas o governo demorou praticamente três anos para entender isso. Demorou muito, porque tinha uma ideia, que eu acho correta, de modicidade tarifária. Mas teve dificuldade de enxergar que não poderia fixar ao mesmo tempo a qualidade da obra sob concessão e a taxa de retorno. E ainda tem de tomar cuidado para não criar um monopólio privado. E o monopólio privado ainda é pior que o público.

“ O Brasil tem um estoque de infraestrutura que é infinitamente inferior ao de outros países em relação ao PIB”

OE: E como o governo pode evitar esse risco?

Delfim Netto: É preciso fazer, por intermédio de agências reguladoras. Mas essas agências precisam ser absolutamente independentes. Têm de ser agência de Estado e não de governo. O maior risco desse processo é que o concessionário se aproprie da agência.

OE: Isso tem acontecido?

Delfim Netto: Isso pode acontecer porque um contrato de concessão é sempre muito aberto. Sempre cabe mais alguma coisa lá dentro, sempre existe a possibilidade de discutir a integridade econômica do processo.

OE: Os gargalos na infraestrutura por falta de investimentos se refletem na economia?

Delfim Netto: Não há a menor dúvida que sim. O Brasil não cresce porque basicamente não há investimento do governo. O investimento privado depende do investimento público, benfeito. Uma concessão benfeita estimula o investimento privado. Quando o Brasil crescia 7% ou 8% ao ano, a carga tributária bruta era de 24%, e o governo investia 5%. Hoje, a carga tributária é 36%, e o governo não investe nem 2%.

OE: Como se explica essa diferença?

Delfim Netto: O governo não usou os recursos para investimentos, mas nas transferências sociais. Isso produziu uma sociedade mais civilizada. Não há menor dúvida de que o Brasil respeita mais o homem do que no passado. Uma sociedade a pleno emprego, onde se reduziu a miséria, com uma assistência social importante, tudo isso é muito bom e fundamental que continue.

OE: De que forma pode se compatibilizar política social com investimento em infraestrutura?

Delfim Netto: É preciso mudar, porque só se pode distribuir ou aquilo que foi produzido ou o que se tomou emprestado, ou ter déficit em contas correntes. O Brasil distribuiu um pedaço do que foi produzido muito maior do que costumava distribuir, financiado com déficit externo. Não tem nenhum milagre nesse processo civilizatório, importante. Só que agora o País não cresce, e não tem mais como pedir emprestado, porque as relações de troca pioraram no mundo; é preciso mudar o modelo.

OE: Mas isso não vai reduzir a inclusão, os programas sociais?

Delfim Netto: Não. O governo vai ter de fazer um movimento duplo. Melhorar a qualidade da administração desse recurso e aumentar a produtividade do uso do dinheiro público. Por isso, as agências são fundamentais. Estamos recuperando um tempo perdido nesses últimos anos, porque o mundo mudou.

OE: O que mudou no mundo?

Delfim Netto: Até 2010, o vento era de cauda na economia mundial; de 2012 em diante, passou a ser de frente. Está havendo uma redução das relações de troca, não um aumento, como tivemos de 2003 a 2010.

OE: Mas já estamos começando a ter concessões bem-sucedidas.

“ As agências precisam ser absolutamente independentes. Têm de ser agência de Estado e não de governo. O maior risco desse processo é que o concessionário se aproprie da agência.”

Delfim Netto: Criou-se uma enorme desconfiança entre o governo e o setor privado, que está sendo superada. Fizemos leilões bem-sucedidos, e vamos fazer outros, de petróleo, aeroportos e de rodovias.

OE: Que desconfiança é essa?

Delfim Netto: O governo foi mal entendido, imaginavam que a presidente Dilma era uma trotskista enrustida, que não gostava de lucro; o ponto que ela pôs (nas concessões) é absolutamente correto, a concessão tem de objetivar, sim, uma certa modicidade tarifária compatível com a qualidade dos serviços. Os leilões são exatamente isso. Projetos benfeitos, leilões benfeitos vão dar a tarifa que é a mais módica possível. Se o governo não estiver satisfeito, ou dá um subsídio ou não faz a obra. Ou põe no Orçamento e aí vai ter um custo muito maior.

OE: Que avaliação faz das agências reguladoras?

Delfim Netto: Elas nunca funcionaram realmente bem. Principalmente, depois que foram aparelhadas por companheiros de passeata, a c
oisa ficou ainda muito pior. E mais. Usaram recursos das agências para outras despesas; tiraram delas competência e recursos, o que é fundamental para ter alguma coisa que funcione.

OE: E qual o risco dessa situação?

Delfim Netto: A privatização é sempre a transferência do monopólio público para o privado. Se deixar o monopólio privado solto, é tão ruim quanto o público; até pior. No público, como o dinheiro não é do governo, a coisa vai até andando. No privado, não. Mas o contrato é aberto, por isso tem que ter um agente fiscalizador, que é a agência.

OE: Há leilões que não despertam o interesse dos empresários. Como o governo deve agir nesses casos?

Delfim Netto: Quando a taxa de retorno social for maior que a taxa de retorno privada, se justifica o subsídio. Subsídio não é um ma, não é um negócio pecaminoso.Tem de ser uma coisa objetiva e transparente. Quando der o subsídio tem de ir para o Orçamento. É assim que funciona.

OE: Nesses casos também caberia o papel das agências?

Delfim Netto: Sim. Todas essas obras, à medida que se consolidam, têm ganhos de produtividade. Uma estrada, cuja taxa de retorno é socialmente menor do que a taxa privada hoje, no futuro, pode mudar toda a estrutura geográfica, criar demandas que não existiam. Por isso que a agência reguladora é fundamental. À medida que esse ganho de produtividade acontece, vai-se retirando o subsídio, e, no final, a obra está funcionando a taxas equivalentes às do mercado.

OE: O sr. acha que governo investe direito em infraestrutura?

Delfim Netto: Todos os programas da Dilma estão na direção certa. Precisava mesmo reduzir o custo da energia, fazer a concessão dos portos, e outras concessões. Mas levou um tempo para o governo aprender. Como existia desconfiança, mesmo as coisas corretas provocam um atrito grande com os interesses que estão sendo afetados.

OE: O que falta para esse entendimento acontecer?

Delfim Netto: A Dilma estava querendo modicidade tarifária, que é justo, só que fixando a taxa de retorno. No leilão, só se pode fixar uma das duas coisas: quero esta qualidade, e o mercado fixa o preço; ou dá o preço e o mercado fixa a qualidade. Para as taxas de retorno que o governo fixava, não era possível atender a qualidade. Depois que isso foi compreendido, mudou a relação entre o governo e o setor privado.

OE: Esse raciocínio vale para todo o tipo de concessão?

Delfim Netto: Sim. Esses projetos exigem um olho do governo, na verdade, do Estado, para permitir que os ganhos de produtividade sejam repartidos entre o concessionário e o consumidor.

OE: E quanto aos leilões de ferrovias?

Delfim Netto: No caso de ferrovias no Brasil é um pouco diferente. O modelo ainda não está bem fechado. Mas o governo está aprendendo, e depressa. Passou a ouvir as pessoas que estão no setor e não provocar desconfianças. Quer um bom serviço a uma tarifa módica? Então tem de apresentar bons projetos executivos e deixar o leilão funcionar. Porém, a Valec (Engenharia, Construções e Ferrovias S.A.) é um caso estranho, que perturba tudo onde ela entra.

OE: Como o sr. viu os leilões de aeroportos?

Delfim Netto: Achei bom. A interferência pessoal do ministro da Fazenda, da chefe da Casa Civil e do ministro dos Transportes como interlocutores melhorou a qualidade do leilão. O governo, na verdade, escutava, mas não ouvia. Agora passou a escutar e a ouvir melhor o setor privado.

“ As agências nunca funcionaram realmente bem. Principalmente, depois que foram aparelhadas por companheiros de passeata, a coisa ficou ainda muito pior.”

OE: Este ano teremos Carnaval, Copa e eleição na sequência, que impactos podem causar na economia?

Delfim Netto: Carnaval tem todo ano, a Copa vai durar um mês, e em matéria de desenvolvimento não ajuda nada, vai até reduzir o nível de trabalho. Mas 2014 vai reproduzir 2013, um pouco melhorado.

OE: Mas é um ano de eleição.

Delfim Netto: De quatro em quatro, de dois em dois, temos eleições. A eleição não produz perturbação nenhuma.

OE: Mas não se apressam obras, inaugurações?

Delfim Netto: Se a obra estiver pronta, tudo bem. Não pode inaugurar o que não estiver pronto. Não é simplesmente a eleição. O mundo está numa situação delicada, e o Brasil faz parte do mundo. E nos saímos relativamente bem. O investimento murchou pelo que já falamos no início.

OE: O País corre algum risco?

Delfim Netto: Não estamos com o apocalipse na esquina. O déficit com relação ao PIB tem crescido ligeiramente; este ano pode ficar em 3,6%, 3,7%; a dívida bruta está estável em torno de 59% e 60%. É muito alta para um país emergente, mas não ameaça o governo, porque não é em dólar, é basicamente em reais. Do ponto de vista monetário, temos uma dívida (que deveria ser menor), e um pedaço dessa acumulação da reserva é responsável também pela redução do crescimento.

OE: E quanto à inflação?

Delfim Netto: Temos um sistema de metas inflacionárias que tem o defeito de namorar com o limite superior (da meta). O governo faz um esforço aqui, desfaz um esforço lá. Na verdade, voltou a controlar alguns preços, de forma que tem acumulado escondido aí 1,5% de inflação, mas não é um desastre, não vai perder o controle. Vai voltar para o centro, talvez, em 2016.

OE: Essa inflação no teto não pressiona os juros e o câmbio?

Delfim Netto: O câmbio flutua estimulado pelas relações de juros interna e externa, não é problema fiscal. A dívida é um pouco alta, mas não está fora do controle. Também não adianta achar que a inflação vai convergir para 4,5% em 10 ou 12 meses. Se convergir em 24 meses, já está bom.

OE: Não é um risco prosseguir com essa política por tanto tempo?

Delfim Netto: Não há nenhum sinal de descontrole. A inflação atual é efeito de se ter forçado os aumentos salariais muito acima dos níveis de produtividade do trabalho. E isso tem a ver com os programas exercidos pelo governo. E o governo sabe disso.

OE: E qual o cenário para 2014?

Delfim Netto: Vamos manter o status quo de 2013, porque não fizemos as reformas que precisávamos fazer. O PIB vai ficar acima de 2013, entre 2,5% e 2,7%.

OE: Muda o cenário se não houver uma reeleição?

Delfim Netto: Se não houver reeleição a gente não sabe, porque quem ganhar vai ter o seu próprio programa. A maior probabilidade é a reeleição da Dilma. E uma coisa é certa, ela já está mudando a política.

Fonte: Revista O Empreiteiro


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