Empresas estaduais pedem recursos para novos projetos

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Organizada pela Aesbe, pauta do setor se diz propositiva e modo de garantir investimentos e eficiência aos serviços

Guilherme Azevedo

As companhias estaduais são as principais protagonistas do setor de saneamento básico no Brasil, respondendo por 70% dos serviços prestados. A eficiência gerencial e operacional do sistema, a modernidade dos equipamentos disponíveis e serviços dependem, portanto, em grande medida, da vitalidade dessas empresas. Com a liderança da entidade de classe, a Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe), uma “agenda propositiva” tem sido defendida, como forma de melhorar a estrutura e os profissionais dessas empresas e a qualidade e volume do investimento no setor. Uma das ações desejadas é a criação de linha de crédito para o aprimoramento das operações. “Não podemos mais ficar só fazendo obras de expansão. Temos de revitalizar as estruturas já existentes também”, defende Roberto Tavares, presidente da Aesbe, em entrevista à revista O Empreiteiro.
 
 
Roberto Tavares: Defesa da vitalidade das companhias estaduais

O senhor poderia avaliar, do ponto de vista das empresas estaduais de saneamento, o momento atual do setor no País?

Há muito, o setor de saneamento luta para reduzir um déficit histórico na cobertura dos serviços de coleta e de tratamento de esgotos prestados à população. Com o agravamento da situação econômica do País, a resolução desse problema tende a ser postergada. Isso porque já é percebida a redução de investimentos destinados à ampliação e à melhoria dos serviços. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) mesmo, conforme levantamento realizado recentemente pela ONG Contas Abertas, apresentou, nos últimos oito meses, a pior execução dos últimos quatro anos e um desembolso 60% inferior, comparado ao mesmo período no ano passado. As próprias empresas estaduais de saneamento precisaram reorganizar suas contas para reduzir os impactos dos sucessivos aumentos de energia elétrica. Como exemplo, cito o caso da Cedae, empresa estadual do Rio de Janeiro. A Cedae estima que os gastos com energia elétrica serão 67% superiores aos de 2014. Em valores reais, o acréscimo na despesa anual representará cerca de R$ 150 milhões. Em suma, é um momento de retração para o setor, que certamente implicará a diminuição dos investimentos, o que é muito ruim para o setor e para a população.

Mudanças climáticas colocam novos desafios, como o de elevar oferta de água no Sudeste. Na foto, ETA de
Maringá (PR), mantida pela Sanepar
 

Que tipo de movimento se pode identificar nas estratégias de negócios e investimentos dos Estados no enfrentamento da questão urgente da melhoria do nível do saneamento básico, para o cumprimento das metas do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab, com metas para universalizar serviços até 2033)?

Desde 2007, com a criação do PAC, o maior número de obras de saneamento foi relativo à ampliação e melhoria dos serviços de coleta e de tratamento de esgotos. Dados das obras efetuadas pelo PAC indicam que, em todas as suas edições, a maior parte foi relativa ao esgotamento sanitário, 181 contra 156. No entanto, apesar de haver um esforço considerável para avançar nas obras de esgotamento sanitário, as mudanças climáticas estão a exigir maiores investimentos para garantir o abastecimento de água. A crise hídrica no Sudeste trouxe à luz um problema que antes era apenas percebido no Nordeste. O País precisa se reorganizar para enfrentar os desafios dos novos tempos, quando os fenômenos climáticos serão cada vez mais extremos.

Qual é a posição, hoje, das empresas de saneamento estaduais em relação a investimento? Para que cidades ou regiões o investimento está fluindo com mais intensidade?

Os recursos ainda são insuficientes e de fluxo irregular, o que agrava ainda mais a situação do saneamento no País. Entretanto, não podemos negar que a criação do PAC trouxe um pouco de alívio a essas questões. Desde a criação do programa, os investimentos têm fluído com mais intensidade para a Região Sudeste, quando levamos em consideração os recursos destinados às obras de abastecimento de água. Já quando tratamos das de esgotamento sanitário, tanto a Região Sudeste como a Nordeste receberam montantes quase equivalentes. Precisamos que haja uma visão estratégica do governo federal para compreender e adotar investimentos numa estratégia para garantir a segurança hídrica tão necessária para quem trabalha no setor de infraestrutura.

O senhor poderia apontar dois exemplos de associação eficiente com entes públicos ou privados, na gestão e melhoria do saneamento?

Sim. A primeira diz respeito à associação com a iniciativa privada. O Programa Cidade Saneada é uma PPP na área de saneamento que se encontra em execução no Estado de Pernambuco. Essa parceria tornou-se o maior programa individual de saneamento implantado no País, no valor de R$ 4,5 bilhões. Ela prevê a universalização do esgotamento sanitário na Região Metropolitana do Recife e no município de Goiana (PE). Serão 3,7 milhões de pessoas beneficiadas e a previsão é de que em 2025 a universalização seja atingida. O alcance dessa meta representará um salto na cobertura dos serviços de esgotamento sanitário no Estado, que passará de 30% para 90% da população. O outro exemplo trata de uma associação entre órgãos do setor público, que ficou conhecida como a experiência “Carta Cariri”. Essa iniciativa foi realizada entre a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) e o Ministério Público Estadual. A ação consiste em obter o apoio do MPE para reduzir o número de usuários dos serviços da Cagece que não estão ligados à rede pública de esgoto. Por meio dessa associação foi possível garantir, a partir da atuação do MPE, que os órgãos e instituições afetos ao saneamento regional promovessem as condições necessárias para que os usuários executassem suas ligações e dessa forma fosse reduzido o passivo ambiental gerado pela não ligação.

A Aesbe aponta a majoritária participação (70%) das empresas estaduais de saneamento no trato da questão do saneamento. Apenas 20% ficam com os municípios. Qual é o problema, envolvendo essa equação da administração dos investimentos e gestão?

Não há problema nessa equação. Essa composição majoritária foi originada nos anos de 1970 pelo Plano Nacional de Saneamento (Planasa), que organizou os prestadores dos serviços de saneamento sob a forma de monopólios naturais e com visão regionalizada. Essa estruturação do setor requereu dessas empresas a adoção de um modelo de gestão dos serviços que promovesse a economia de escala e o subsídio cruzado de modo a atender com equidade tanto os municípios ricos como os pobres. Esse modelo de gestão permite que as empresas estaduais de saneamento atuem em mais de 4 mil municípios e atendam pouco mais de 124,8 milhões de pessoas. Quanto à administração dos investimentos e gestão, é importante ressaltar que, apesar de o modelo regional de gestão promover a prestação dos serviços de forma mais democrática, existem limitações ao modelo. A submissão a um conjunto de regras e normativos que geram excesso de burocracia e lentidão é uma delas. Tanto para a tomada de recursos quanto para a execução das melhorias dos serviços estamos submetidos a leis que por muitas vezes emperram a evolução do setor. Por conta disso, a Aesbe tem defendido uma agenda propositiva que prevê a desburocratização de processos de tomada de recursos, entre outras questões.

O que de mais importante ajudaria as empresas estaduais de saneamento: mudança de lei? Isenções? Aponte caminhos para a melhoria da saúde dessas empresas e, consequentemente, dos serviços.

Ambas as questões ajudariam. Há anos pleiteamos a desoneração do PIS/Cofins para o setor. Não queremos uma desoneração pura e simples. Queremos que os recursos sejam destinados diretamente pelas empresas à ampliação e melhoria dos serviços. Somente em 2014, as empresas estaduais de saneamento recolheram aos cofres públicos mais de R$ 3 bilhões, ou seja, 25% do que foi investido no setor. Isso contribuiria para a meta de universalização dos serviços. Também pleiteamos mudanças na legislação, uma visão sistêmica do setor, garantindo um arranjo institucional mais seguro. Temos sistemas operacionais muito antigos que precisam de um período de transição para recuperar o passivo ambiental. Precisamos de tratamento diferenciado para o licenciamento que acomode a transição entre o passado e o futuro que queremos. Mas não é só isso. Como disse, a Aesbe tem pleiteado uma agenda propositiva para o setor de saneamento. Nela elencamos como caminho para a melhoria da saúde das empresas estaduais a criação de linhas de crédito para o desenvolvimento operacional dessas empresas. Não podemos mais ficar só fazendo obras de expansão. Temos de revitalizar as estruturas já existentes também. Temos estruturas que foram construídas em 1918. Temos de modernizá-las, fazer retrofit. Temos de capacitar ainda mais nosso pessoal. Precisamos de profissionais mais qualificados.

Existe algum Estado modelar no Brasil, no encaminhamento das questões de saneamento? Qual e por quê? Em que modelo internacional uma empresa estadual de saneamento pode se inspirar?

Não existe um modelo único internacional que possa ser importado para nosso País, que tem dimensão continental. Mas há muitas experiências que podem inspirar mudanças. Por exemplo, a forma como a Espanha e os Estados Unidos monitoram as mudanças climáticas e adotam medidas que ajustam o planejamento de investimentos; o exemplo de parceria com o setor privado na Inglaterra, com planos de investimento e de operação que são reavaliados a cada cinco anos; a eficiência operacional no Japão, entre outros.

Qual é a mensagem da Aesbe para uma empresa de saneamento do futuro, para ser lida daqui a dez anos?

As mudanças climáticas e o crescimento desorganizado das cidades exigirão cada vez mais um planejamento abrangente e um monitoramento permanente para que as ações planejadas não fiquem no papel. A eficiência operacional e a profissionalização das empresas estaduais passam a ser fator crítico. É imperioso reorganizar o marco institucional do setor para dar segurança jurídica às companhias para que possam investir. As parcerias com o setor privado precisam ser aprimoradas e incentivadas. Outras linhas de financiamento precisam ser viabilizadas para o setor, para fazermos face ao imenso volume necessário de investimentos. Caso essas ações estruturadoras não sejam implantadas, chegaremos a 2025 muito longe do atendimento às metas previstas pelo Plansab.

Fonte: Revista O Empreiteiro


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