Isso só não seria verdade se ele visitasse a pequena cidade americana de Boulder, no Colorado. Até dezembro, Boulder terá a rede de energia mais sofisticada do planeta. O sistema será capaz de reconhecer uma falha antes mesmo de ocorrer e fazer o reparo automaticamente. Permitirá a integração de fontes renováveis de energia em grande escala e vai possibilitar que cada cidadão ou empresa escolha como consome sua eletricidade. Eles poderão comprar “elétrons” como adquirem planos de celular. O projeto – que está sendo implementado a um custo de US$ 100 milhões pela empresa Xcel Energy – é parte da maior revolução na maneira como se transmite, distribui e consome eletricidade no mundo. Uma revolução que iria espantar até o inventor Thomas Edison.
Em inglês, essa transformação foi batizada de smart grid – ou rede inteligente. Boulder, aliás, está sendo chamada de SmartGridCity. A principal ideia é que o sistema elétrico transporte, além de energia, informação. Hoje os sistemas existentes são classificados, sem nenhuma cerimônia, como burros. A estrutura foi construída para grandes fontes estáveis de energia (em geral, sujas), com o objetivo de levar eletricidade numa única direção: da geração em locais distantes até o consumidor final.
Apesar de existirem o que os especialistas chamam de ilhas de automação dentro da estrutura, o fato é que quando acaba a luz em algum lugar, a empresa distribuidora só fica sabendo se um consumidor ligar reclamando. Para achar a falha, ela precisa mandar uma equipe a campo. O sistema tampouco sabe em detalhes como a energia é consumida, perdida ou roubada no caminho.
O smart grid propõe uma transformação profunda em tudo isso. “É uma mudança radical que poderá ter um impacto até maior do que a internet ou a telefonia celular”, afirma Cyro Vicente Boccuzzi, diretor executivo da Andrade & Canellas, consultoria especializada em energia. Para ser inteligente, uma rede precisa de sensores e comunicação integrada que permitam um monitoramento completo e constante do fluxo da energia.
“Você passa a ver o sistema como se fosse uma indústria na qual todo o processo está automatizado”, diz Arnoldo Magela Morais, superintendente do projeto de redes inteligentes da Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais). Além de monitorar, o sistema deve tomar decisões de forma automática e remota. A intenção é que seja possível desde ligar a luz de um consumidor a distância até ter softwares que redirecionem sozinhos a transmissão de energia nos cabos para evitar sobrecargas. “Um sistema assim poderia detectar o ponto exato de uma falha e levar a equipe até ele”, afirma Morais. “Além disso, ele permitiria manter ligadas áreas não afetadas por uma falha, para minimizar o número de atingidos.” Hoje, muita gente fica sem luz porque as distribuidoras têm de desconectar grandes áreas enquanto tentam descobrir exatamente onde ocorreu uma queda.
As companhias de energia não têm como saber nem sequer se o problema é mesmo delas. Dona do projeto em Boulder, a americana Xcel Energy diz que 40% das chamadas que recebe de consumidores reclamando de falta de luz são decorrentes de problemas na casa dos clientes. “Como hoje não temos como saber disso, somos obrigados a mandar uma equipe para checar”, disse Tom Henley, porta-voz da Xcel, a Época NEGÓCIOS.
Com uma rede inteligente, os custos de manutenção devem cair, a qualidade do fornecimento melhorar e a estrutura ficar mais enxuta.
Na ponta do consumo, os medidores inteligentes também permitem inovações enormes. Na Itália, país mais avançado nessa área, a distribuidora Enel já instalou pelo menos 27 milhões desses medidores.
Eles possibilitam uma checagem muito mais precisa de como a energia é usada, abrem caminho para novos tipos de cobrança e dão ao usuário controle sobre seu consumo. A Enel diz ter investido 2 bilhões de euros na instalação do programa ao longo de cinco anos (entre 2000 e 2005) e afirma ter conseguido economias anuais de 500 milhões de euros. O projeto é de fato bastante sofisticado, mas ainda é apenas uma parte da história.
O conceito mais amplo de sistemas inteligentes prevê que o consumidor possa escolher a fonte de sua energia (se eólica ou nuclear, por exemplo), que preço está disposto a pagar e até que a companhia de luz administre seu consumo em casa. Discute-se, inclusive, a possibilidade de cartões pré-pagos de energia. A pessoa pagaria pelo consumo básico, para alguns itens da casa, e tudo que passasse disso seria cobrado à parte – ou cortado. “Desenvolvemos um sistema que permite à concessionária até desligar remotamente aparelhos na casa do consumidor para que a conta fique no patamar estabelecido por ele”, afirma Elton Antonio Tiepolo, executivo chefe da área de Utilities da IBM Brasil.
Fonte: Estadão