Para viabilizar o projeto do TAV Rio-SP, inicialmente, a idéia dos governos estaduais e federal é contar apenas com recursos da iniciativa privada. E exceção é para a extensão entre São Paulo e Campinas, que poderá ser feito por PPP, segundo anunciou o ministro Alfredo Nascimento, dos transportes. Ele faz uma ressalva, porém, dizendo que a definição dessas questões só se dará mesmo quando o estudo de viabilidade estiver concluído.
“Aí, sim, se poderá falar sobre as perspectivas desse projeto, se ele será totalmente concessão ou precisará ter participação do governo. Só com a conclusão dos estudos o governo vai ver qual caminho seguirá. Tudo que se fale agora são conjecturas ou especulações”, afirmou. De qualquer forma, o ministro considera que mesmo que haja necessidade de o governo entrar com dinheiro, o projeto vale a pena.
“Primeiro, esse é um transporte que contribuirá para resolver o problema dos meios já existentes. O transporte aéreo, por exemplo, vai ter a vida facilitada. Há tantos passageiros que eles não estão conseguindo atender. Isso é modernidade. A maior contribuição em termos de infra-estrutura de transporte de passageiros do governo será esse trem, porque naturalmente ele vai se integrar a outros Estados. Criaremos um eixo de um novo transporte de passageiros”, conclui Alfredo Nascimento.
Estudo italiano não convenceu
No início de 2007, a empresa Italplan apresentou ao Ministério dos Transportes um estudo de viabilidade econômico-financeira para ao projeto do TAV brasileiro. A Italplan previa cerca de 32 milhões de passageiros anuais no início da operação e dizia que o trem se sustentaria apenas com investimentos privados. Esse estudo chegou a ser aprovado pelo Tribunal de Contas da União, mas com tantas ressalvas que o Governo federal decidiu mudar os rumos do projeto.
O grupo de trabalho, composto por representantes da Casa Civil, Ministério dos Transportes, Valec e BNDES, chegou à conclusão de que era preciso contratar estudo de demanda independente, para ter condições técnicas de avaliar se o projeto deve ter dinheiro público ou não. E quantificar sua rentabilidade.
O estudo da Italplan apresentava divergências muito grandes em relação a análises apresentadas por outros grupos privados, sobretudo no que dizia respeito à demanda de passageiros. Um desses grupos, o alemão Transcorr RSC, fez, no fim da década de 1990, a projeções de 41 milhões de passageiros no primeiro ano de operação do trem. Essa demanda considerava que no horário de pico sairiam trens a cada 15 minutos, e cada um teria 855 lugares. Em 2004, outro consórcio, formado pela alemã Siemens com Odebrecht e Interglobal, estimava a demanda em 6,6 milhões de passageiros, com participação privada de até 20% dos investimentos.
Como a proposta da Italplan não previa investimento público e apresentava uma tarifa menor, foi adotada pelo governo como parâmetro. No entanto, o Tribunal de Contas da União, temendo que, no futuro, a demanda projetada não se realizasse, recomendou ao Governo federal que transferisse todo o risco para o vencedor da licitação.
O TCU também questionou a pesquisa feita pela Italplan para verificar a demanda do trem e a disposição dos usuários em adotá-lo nas viagens entre Rio e São Paulo. De um total de 30,2 milhões de habitantes nas duas regiões metropolitanas, foram entrevistadas 1 mil pessoas no Rio de Janeiro e 2 mil em São Paulo.
Além disso, não foram consideradas nas pesquisas de demanda as reações de concorrentes de outros modais (avião, ônibus e automóvel). “No limite, esse movimento poderá ocasionar uma guerra de preços que, embora possa ser momentânea, estabelecerá um novo equilíbrio da demanda entre os meios de transporte concorrentes, o que impactará a viabilidade do projeto”, descreve o relatório do TCU.
Participação do governo
Além do subsídio de US$ 300 mil para os estudos de viabilidade, o BNDES poderá conceder financiamentos para a execução do projeto ao longo de sua construção, segundo o coordenador do projeto no banco, Henrique Pinto. No próprio governo há o entendimento de que, mesmo com um empreendimento 100% privado, o BNDES dificilmente estará fora do financiamento, o que justifica tamanho cuidado na hora de assinar o contrato, principalmente para que o poder público não seja chamado a concluir obras inacabadas.
“Em qualquer lugar da Europa ou dos Estados Unidos, os trens de passageiros são todos subsidiados”, afirma Rodrigo Vilaça, diretor-executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), entidade que reúne as concessionárias do País, responsáveis quase exclusivamente por cargas. “Vai haver dinheiro público. Só não sabemos como”, sugere Vilaça.
O executivo acredita que o aumento do transporte de passageiros será um desdobramento natural da expansão das ferrovias voltadas à carga, como a Nova Transnordestina e a Norte-Sul. Vilaça também antevê dificuldades ambientais na execução das obras do trem, que cortará a Serra do Mar e a Mata Atlântica.
Para o professor e especialista em transportes do Instituto Militar de Engenharia (IME) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Marcus Quintella, um dos maiores estudiosos brasileiros em trens de alta velocidade, a modelagem financeira ideal para o TAV brasileiro deverá implicar um misto de financiamento público e PPP.
“Num esboço apresentado no mestrado em transportes do IME em 2005, o modelo proposto tinha esse formato. A subestrutura, parte não operacional da ferrovia, onde se incluem aquisição e desapropriação de terrenos, construção da plataforma, túneis, pontes e linhas elevadas, deverá ser fornecida exclusivamente pela União e estados envolvidos para, posteriormente, ser transferida ao setor privado para exploração comercial. Esses custos correspondem a aproximadamente 60% do total do projeto. Já a construção da infra-estrutura, aquisição de material rodante e a operação de todo o sistema devem ser concedidas a um único consórcio sob um contrato de PPP. Caberá a esse consórcio construir a infra-estrutura – cerca de 35% do custo total, que incluirá superestrutura, sistema de proteção contra ruídos, sinalização, telecomunicações, catenária e subestações – e as oficinas, bem como adquirir os equipamentos de manutenção e o material rodante”.
Quintella crê que as estações serão individualmente outorgadas ao setor privado, para construção e operação, por meio de PPPs isoladas, tendo como parceiros o setor público local (municípios e estados), o que corresponde a 5% do investimento total. As estações poderiam ser exploradas como centros co
merciais e pontos de integração com outros modos de transporte.
“Em todo o mundo, mesmo nos países com forte demanda, não há transporte ferroviário de passageiros sem subsídios governamentais. Na verdade, isso não significa perda de dinheiro público; ao contrário, o governo promotor consegue ganhos financeiros com o aumento da arrecadação de tributos na construção das linhas e na sua operação, na economia de combustíveis e na diminuição dos custos com acidentes, manutenção de vias e poluição. Além disso, há os retornos intangíveis, como a melhoria da qualidade de vida da população e do meio ambiente”, analisa Marcus Quintella.
Mas com tudo isso, será que vale a pena investir no TAV? Quintella acha que tudo é uma questão de prioridade e oportunidade. “Rio e São Paulo carecem de eficientes sistemas de transporte urbano, entre outras necessidades humanas básicas. Com a metade do custo dessa obra, o governo poderia construir dezenas de quilômetros de linhas de metrô, trens de subúrbio e bondes modernos, que proporcionariam benefícios sociais, econômicos e ambientais maiores e mais abrangentes que os do trem-bala, que, por sua vez, poderia esperar uma nova oportunidade. Cabe ressaltar que não se trata de ser contra o TAV. Pelo contrário, o que se discute é a modelagem financeira, para que haja uma reflexão sobre o projeto que poderá se constituir em mais um grande fracasso, tal como ocorreu com a Ferrovia do Aço, a Ferrovia Norte-Sul ou a Rodovia Transamazônica, caso não haja uma engenharia financeira consistente e exeqüível, além de bom senso dos tomadores de decisão.”
Fonte: Estadão