Especialistas identificam inseguranças e apontam soluções

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Desde 2004, o mestre em engenharia ambiental, sociólogo e consultor de obras de infra-estrutura, Luiz Henrique Werneck, faz um estudo sobre os conflitos de aeroportos com as comunidades de seu entorno. A pesquisa, que deve tornar-se um livro até o final deste ano, faz um histórico de 10.800 acidentes aéreos no mundo inteiro desde os anos 60. Werneck descobriu que 380 desses acidentes afetaram alguma estrutura externa, usuários ou pessoas do entorno dos locais das ocorrências. Porém, o dado mais assustador do estudo é a constatação de que o Aeroporto de Congonhas lidera o ranking mundial, com oito acidentes com essas características. Em julho, aconteceu o pior acidente da história da aviação brasileira, justamente em Congonhas, quando um Airbus A320 da TAM chocou-se com um prédio, matando cerca de 199 pessoas. O aeroporto já tinha um histórico de tragédia quando, em 1996, um Fokker 100 da mesma empresa teve problemas mecânicos e caiu sobre residências, matando 99 pessoas entre passageiros, tripulantes e moradores da região. “Vale lembrar que até o recente acidente em Congonhas, o aeroporto central de São Paulo era mais movimentado que o aeroporto periférico, o que é uma exceção nos aeroportos do mundo”, destaca Werneck. Pistas curtas e inseguras, falta de área de escape e falta de manutenção periódica e de sistemas tecnológicos avançados nas operações de pouso e decolagem. Especialistas analisam esse conjunto de fatores que fazem de aeroportos como o de Congonhas, ou o de Santos Dumont, no Rio de Janeiro, uma ameaça tanto para os passageiros quanto para a comunidade de seus entornos. Quando se trata do transporte aeroviário, há critérios internacionais, fixados pela Organização da Aviação Civil Internacional – (ICAO), que estabelecem parâmetros para uma operação segura. Entre esses critérios estão comprimento da pista, características dimensionais de envergadura (largura do avião) e bitola (distância entre os trens de pouso). “Nesses aspectos, tanto Congonhas quanto Santos Dumont atendem aos requisitos mínimos, porém não necessariamente atendem a todas as recomendações. A RESA (área de segurança de fim de pista) é, por exemplo, uma recomendação não atendida por esses aeroportos”, afirma o engenheiro e professor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Cláudio Jorge Pinto Alves.

PISTAS CURTAS

A pista de Congonhas tem 1.939 m e a de Santos Dumont, 1.323 m. O problema de ambos, explica Alves, é que essas dimensões admitem menos variações de procedimentos padrões. “Falhas humanas acontecem e para esses casos não há perdão. Os problemas recorrentes seriam tocar na pista além do ponto previsto, ir com velocidade superior (dificultando a frenagem no pouco espaço), condições adversas de tempo (baixa visibilidade, ventos transversos) e falhas na pista, como piso emborrachado e escorregadio, dentre outros”, enumera o professor do ITA. O engenheiro Oswaldo Sansone defendeu, no final de 2005, sua tese de mestrado em que pesquisou as características de aderência de revestimentos asfálticos aeroportuários, com um estudo de caso do Aeroporto Internacional de São Paulo/Congonhas. No ano da pesquisa, tanto a pista auxiliar quanto a pista principal apresentaram resultados satisfatórios considerando as normas da ICAO e do Departamento de Aviação Civil (DAC). Porém, Sansone frisa que em pistas limpas e secas, as variações no atrito não são significativas, pois praticamente independem do tipo de pavimento. E mais, o atrito é muito pouco afetado pela velocidade da aeronave em pistas secas. “Na presença de água, em qualquer grau (desde pista úmida até pista inundada), a situação é completamente diferente. Em pistas molhadas, os níveis de atrito caem significativamente em comparação com as mesmas pistas secas”, diz. O engenheiro afirma que, quando a pista está molhada, a textura da superfície passa a ter um papel muito importante na medida em que, nessas circunstâncias, os valores de atrito variam consideravelmente. “Nesse contexto, o grooving (ranhuras necessárias para o escoamento da água de chuva na pista) melhora significativamente a condição do revestimento e, em conseqüência, a aderência”, explica.

SURPRESAS

Para o presidente da Associação dos Pilotos e Proprietários de Aeronaves (APPA), George Sucupira, é preciso que justamente para evitar surpresas nos chamados momentos críticos, que periodicamente seja feita a manutenção necessária para o bom funcionamento das pistas. “Nossos aeroportos são da melhor qualidade. O que está ocorrendo é que as autoridades responsáveis não escutam os segmentos representativos da aviação civil brasileira e, com o aumento da demanda, os aeroportos estão ficando saturados”. Para Sucupira, uma série de fatores está comprometendo a imagem do Brasil perante a comunidade aeronáutica civil internacional. “Estamos sem rede rodoviária, não existe rede ferroviária e os nossos portos estão com as taxas mais caras do mundo, sem condições de competir com outros países. E agora estão acabando com a nossa rede aeroviária, construída nos últimos 30 anos com sacrifício e determinação”, reflete. O presidente da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Transporte Aéreo (SBTA), Anderson Ribeiro Correia, acredita que é preciso mais tecnologia para operações sob condições desfavoráveis de clima. Ele cita o equipamento ILS (Instrumental Landing System) Categoria III. Considerado fundamental para garantir um pouso seguro, este equipamento, presente em vários aeroportos no mundo, dá ao piloto a possibilidade de voar com um campo de visão limitado, o que pode ocorrer por várias razões, como mau tempo. Porém, não deixa de falar da importância da área de escape. “Em função do grande volume de operações, Congonhas mereceria uma área de escape também, de forma a minimizar o impacto de um eventual incidente ou acidente”, diz. Correia entende que para melhorar a infra-estrutura dos aeroportos brasileiros é necessário gerenciar bem para garantir possibilidade de expansão, em termos de novos terminais e novas pistas de pouso, já que o transporte aéreo no Brasil tem ainda muito potencial de crescimento. “Além disso, é preciso que se façam os reparos das pistas, quando necessário, visando a sua qualidade e aderência, e que isto seja uma prioridade para qualquer administração aeroportuária. Finalmente, é fundamental garantir facilidade de acesso aos aeroportos secundários, para o seu aproveitamento, uma vez que eles se encontram relativamente próximos aos grandes centros urbanos”, analisa.

Fonte: Estadão


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