Projetada pela Enescil e executada pela Jofege,nova ponte em Barueri (SP) transpõe o rio Tietê com 435 m de comprimento
Um rio negro de poluição por baixo, Aldeia de Barueri de um lado, Alphaville de outro. E a ponte futurista. O analista de sistemas Chan, descendente de chineses, vai caminhando pela lateral da ponte, que também ganhou nome de oriental: Akira Hashimoto. Vem a pé desde a estação Antônio João, Linha 8-Diamante da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), do lado da Aldeia, com destino a uma empresa de informática em Alphaville. O automóvel da mulher foi ao conserto, “aí, quem dança sou eu”, e tomou emprestado o auto dele. Por isso palmilha esta tarde de outubro sob o sol inclemente, o céu azul. Um bafo quente nos arremessa nas narinas, durante a travessia, o fartum nauseabundo que trescala do rio, o Tietê, tão poluído e triste. A modernidade da engenharia de pontes pelo alto, o atraso do saneamento urbano por baixo. “Antes da ponte era ruim demais. Tinha de ir até lá embaixo para poder chegar”, elogia Chan, bamboleando pelo caminho. “Mas o trânsito local, do outro lado, piorou muito”, contextualiza.
A ponte estaiada Akira Hashimoto, que liga a avenida General de Divisão Pedro Rodrigues da Silva, do lado da Aldeia de Barueri, à Estrada da Aldeinha, em Alphaville, custou R$ 60,618 milhões nas contas da prefeitura local, que pagou pela obra. Foi inaugurada no dia 30 de setembro último, depois de três anos, de idas e vindas na prefeitura, revisões no projeto, o abandono de alças de acesso e de saída. Há 12 anos ali, o vizinho Carlão, do Restaurante do Carlão e da Nádia, ao lado da ponte, diz confiar: “A tendência agora é melhorar”. Esse sujeito de pele morena, olhos negros e tranquilos, cabelo começando a rarear no cocuruto vai contando, por detrás do balcão de cachaças coloridas colocadas dentro de potes de vidro, azul, amarela, que a chegada da iluminação pública à rua, com a vinda da ponte, é vantagem. Do outro lado da ponte, no portão de entrada do canteiro de apoio montado pela construtora, o vigia Carlos Roberto Camargo se diz satisfeito: “Todos nós temos participação nessa obra”. Tem razão o homem sorridente e queimado de sol, os afluentes da idade no entorno dos olhos, o uniforme claro: está ali, contribuindo, há dois anos e seis meses, desde quando a ponte ainda era só uma rampa pequena. “À noite que ela é bonita. Toda iluminada. É lilás aqui nas laterais, e clara por cima. Dá para ver lá de longe, da Castello [rodovia Castello Branco, que atravessa o município]. Cartão-postal de Barueri.” Do telefone celular ele vai mostrando o resultado da sua admiração, em fotos noturnas.
Município rico, pobre trânsito
Barueri, com população estimada hoje em 256 mil habitantes pelo IBGE, é o município que sedia e movimenta a questão: um dos mais ricos da Grande São Paulo e do País, riqueza advinda sobretudo do polo administrativo e comercial situado no bairro planejado de Alphaville, onde grandes empresas vieram montar escritórios, atraídas por incentivos fiscais. Há também na cidade polo da estatal Petrobras, que ali recebe, armazena e distribui derivados de petróleo e álcool, atividades que transferem ao município um punhado deroyaltiesdo petróleo. Barueri, conforme pesquisa do IBGE com base em dados econômicos de 2010, é o décimo sexto município mais rico do Brasil, com Produto Interno Bruto de R$ 27,752 bilhões. Desempenho que o coloca à frente inclusive de algumas capitais, como Vitória (ES) e Goiânia (GO).
A nova ponte promete aliviar, embora parcialmente, um problema que se agrava ano a ano no município: o de mobilidade urbana. Segundo dados de julho do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), 146.254 veículos (91.357 automóveis) estavam registrados em Barueri.Dez anos atrás, em 2003, havia ali um total de 59.327 veículos registrados, um crescimento, portanto, de 146% da frota. O município também ostenta um curioso dado: o número de gente ocupada ali supera o número de habitantes (264 mil contra 256 mil). O fato se reflete, naturalmente, no expressivo volume de veículos que pelo município circula todos os dias. Nas contas do Departamento Municipal de Trânsito (Demutran) de Barueri, transitam, pelas vias da cidade, média de 350 mil a 400 mil veículos de segunda a sexta-feira. Em 2010, esse volume era de 177 mil veículos. Significa, portanto, que, em apenas três anos, o número de veículos que trafegam por Barueri cresceu mais de 100%. Eis o contexto da obra.
435 m de extensão, quatro faixas
Executada pela construtora Jofege, conforme projeto estrutural da Enescil, a ponte estaiada de Barueri se estende por 435 m, com tabuleiro de 21,8 m para duas faixas de rolagem em cada sentido da via e passeios para pedestres nos dois lados. O gabarito de navegação possível ali é de 14 m de altura. O trecho estaiado se alonga por 250 m, com três vãos (74 m, lado Aldeia; 123 m, vão central; e 52 m, lado Alphaville). O trecho convencional corresponde a cerca de 185 m de extensão. A ponte se eleva com dois mastros assimétricos, de 48,7 m (do lado da Aldeia de Barueri) e de 37,25 m (do lado de Alphaville), medidos a partir do bloco do mastro. “Os mastros são diferentes em distâncias diferentes a ser vencidas”, pontua Claudio Watanabe, da Enescil, projetista-calculista da ponte. De cada lado do mastro maior se espicham 11 estais; e das laterais do mastro menor, sete, totalizando 36 estais. O mastro do lado da Aldeia se apoia sobre um bloco de 14,4 m x 10,8 m x 4,5 m de altura com 108 estacas-raiz. O mastro do lado Alphaville se firma sobre um bloco de 13,2 m x 8,9 m x 4,2 m de altura com 77 estacas-raiz. O mastro no lado da Aldeia é fixo, ao passo que o mastro no lado de Alphaville é móvel. A flexibilidade de um dos mastros visa a minimizar o fenômeno da dilatação do conjunto pelo calor. Não há mirantes nos mastros.
Obra que avança no ar, e de surpresas que brotam no chão. Assim foi na fase inicial, de terraplenagem e fundação, com 19.590 m3escavados. Gilmar Lundgren, engenheiro da Jofege e gerente de contrato da ponte, lembra que foi preciso alteração no plano de cravar as estacas-raiz (de 41 cm de diâmetro cada) no solo, a uma profundidade média de 30 m. Havia, do lado da Aldeia de Barueri, um tronco coletor da rede da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Para não correr o risco de perfurá-lo, foram cravadas estacas dos dois lados do coletor e lançado vigamento por cima, para proteger, e, só depois, dar sequência à obra, com a colocaç&atild
e;o dos pilares. A presença do rio Cotia, afluente do rio Tietê, também do lado da Aldeia, obrigou o projeto estrutural a seguir por sobre as águas. Daí o acesso desse lado ser mais longo.
São três diferentes métodos combinados na construção do trecho convencional da ponte, isto é, com escoramento: na primeira etapa da ponte, de 35 m, no acesso do lado Aldeia, são utilizadas vigas longitudinais pré-moldadas protendidas de 36,09 m; na seção imediatamente posterior a essa, de cerca de 100 m, a opção foi por vigas transversais pré-moldadas protendidas de 22,20 m. Esse trecho corre sobre o rio Cotia, transpondo o vão. No outro lado da ponte, no acesso de 48 m, optou-se por vigas longitudinais pré-moldadas armadas de 12 m.
Balanços sucessivos
O trecho estaiado da Akira Hashimoto foi erigido com a técnica de balanços sucessivos. Uma aduela (caixa de concreto) vai se apoiando na outra e avançando pelo ar. Lança-se o concreto, ocorre a cura e recomeça a concretagem. Nesse caixão central de concreto vão sendo fixadas, mediante tirantes, treliças pré-moldadas de concreto armado, que vão receber por cima as pré-lajes e a laje da ponte. É assim que a ponte vai se alargando, para a formação de seu tabuleiro bojudo. Houve inovação nessa fase, segundo a Mills, empresa contratada para fornecer uma série de formas para execução de peças de concreto e equipamentos de apoio, que assumiu também a operação dos carros do balanço sucessivo. Quem sublinha a revisão de rota é o vice-presidente de operações da Mills, Erik Wright Barstad: “Graças à criatividade do nosso corpo de técnicos e engenheiros, conseguimos viabilizar, com o projetista e o cliente, uma mudança no método executivo das aduelas: após a sua concretagem, caminhávamos com a treliça e em seguida instalavam-se os estais na aduela concretada”. Quer dizer, a ponte foi ultrapassando o vão de forma coordenada.
Gilmar Lundgren, da Jofege, valoriza o fato de ter sido instalada, contígua à obra, uma central de apoio, de onde saiu boa parte das peças de concreto moldadas no lugar, como as 1.032 pré-lajes da estrutura, e local de escritórios, banheiros e refeitório. “Isso nos ajudou muito.” A Jofege também cuidou do fornecimento do concreto (8.800 m3executados), produzido na unidade da empresa próxima dali, na vizinha Osasco (SP). O pico dos trabalhos, nas contas de Gilmar, empregou 150 trabalhadores, 90% deles próprios. Maior obra que já realizou, a ponte estaiada de Barueri entra no currículo de Gilmar por seu potencial de desencadear processos construtivos. “A cada etapa que se executa se vai criando uma linha de produção. A primeira aduela, a primeira treliça. Depois, é só seguir a tendência da primeira”, ensina. “A cada avanço, a estrutura se movimenta, e de forma controlada”, observa.
Tensionamento equilibrado
Todos os serviços relacionados ao estaiamento e à protensão dessa obra de arte especial estiveram a cargo da Alga Brasil, com a presença, no canteiro, de um engenheiro e de quatro técnicos da empresa, e a colaboração de ajudantes da Jofege. Artur Scheidt, engenheiro da Alga Brasil, explica que uma etapa decisiva para o sucesso de edificações do gênero é a distribuição equilibrada das cargas nos estais e, mais sensivelmente, nas cordoalhas que compõem os estais (no projeto, são 38 a 65 cordoalhas por estai). Na obra, a Alga utilizou sistema próprio, chamado Alga AL 200 de Equitensão. “Ele equipara todas as tensões em todas as cordoalhas de um mesmo estai através de uma referência inicial. Dessa forma, temos a certeza de não sobrecarregar uma ou outra cordoalha, pois todas estão com a mesma tensão de trabalho”, demonstra Scheidt. O engenheiro destaca também o uso de sistema desenvolvido internamente para posicionar o PEAD (polietileno de alta densidade, bainha amarela que recobre toda a extensão do estai, para protegê-lo do tempo) antes de passar as cordoalhas, com cabo de aço, anéis de aço CA-50 e um tirfor (guincho manual portátil de cabo passante). “Com isso eliminamos o problema da exagerada deformação do PEAD antes da enfiação e tensionamento da primeira cordoalha de cada estai, evitando que ele ficasse fora de posição.” Além de cumprir certa função estética, e destatus, o estaiamento também contribui para a diminuição da altura da estrutura da ponte, explica Claudio Watanabe, da Enescil, uma vez que suporta parte do peso do conjunto. “Sem os estais seria preciso um caixão muito mais alto. Com eles, vencemos vão maior com altura de estrutura menor. E com redução do comprimento das alças de acesso”, valoriza.
Uma ponte tem sempre a função nobre de ligar um lado ao outro lado, de juntar o que está separado, compreensivamente. Ponte é diálogo. Lá no centro dela, do alto, em meio aos estais, observo em silêncio, debruçado sobre a grade protetora, o rio negro, movendo-se, borbulhando misteriosamente, será que algo vai emergir? Eu fico olhando o leito negro, detidamente, com a expectativa de descobrir os seus mistérios, os mistérios da vida. Será que o Chan, lá do começo dessa história, é versado em Confúcio e Lao-tsé e sabe a língua das águas? Ei, Chan, volte aqui!…
Ficha técnica –
Construção da Ponte Estaiada Akira Hashimoto
• Local: Barueri (Grande São Paulo)
• Construção: Jofege
• Projeto estrutural: Enescil
• Protensão e estaiamento: Alga Brasil
• Aparelhos de apoio metálico e junta elastomérica de grande movimentação: Alga Brasil
• Fundações: Geosonda
• Sondagens: EMSOL e SPT
• Controle tecnológico: Fat’s
• Topografia: Planimétrica
• Aparelhos de apoio de neoprene: Neoprex
• Juntas de dilatação: Jeene
• Concreto e asfalto: Jofege
Fonte: Revista O Empreiteiro