Daniel Lepikson Oliveira*
A remoção dos apoios provisórios de construção durante a fase de montagem de estruturas metálicas de grande porte − uma operação referida no meio técnico como descimbramento,
representa sem dúvida alguma um grande desafio para o engenheiro responsável pela operação. Tal comentário não está relacionado apenas à complexidade envolvida no processo de montagem propriamente dito (durante o qual há inúmeros outros desafios), mas também aos riscos inerentes à operação, tendo-se em conta as consequências de uma eventual falha.
Trata-se de uma etapa recorrente a ser enfrentada durante o processo de montagem de uma estrutura metálica, que ocorre tipicamente através da união de segmentos menores, temporariamente suportados por apoios provisórios.
Estes segmentos (ou módulos) são pré-montados ao nível do solo e posteriormente içados, posicionados nos apoios de construção na cota de projeto (com as devidas contra-flechas) e finalmente conectados entre si, até que o processo de montagem se complete e a estrutura se torne um elemento auto-portante (ainda que esta esteja parcialmente montada).
Uma vez atingido este estágio, os apoios provisórios de construção tornam-se desnecessários e devem ser removidos.
A operação de remoção destes apoios, ou o descimbramento da estrutura, é o tema a ser tratado neste artigo.
No Brasil, esta metodologia construtiva foi largamente empregada na montagem de estruturas metálicas de grandes proporções, projetadas para sustentar a cobertura dos estádios construídos para sediar a Copa do Mundo de 2014, visando-se a adequação das instalações às exigências da FIFA.
Um destes estádios está ilustrado na Arena Corinthians, em São Paulo, projetado pelo escritório alemão Werner Sobek e construído pela construtora Odebrecht.
Destacam-se na imagem as torres metálicas, utilizadas como apoios provisórios de montagem. Note-se que a estrutura metálica já está totalmente montada, pronta para ser descimbrada.
Mas quais seriam exatamente os riscos envolvidos em um processo de montagem dessa natureza?
O mais importante deles – o que determina a variável de controle a ser monitorada durante a operação – está na possibilidade de ocorrer uma distribuição de cargas não prevista entre os suportes provisórios durante o processo de liberação da estrutura dos seus apoios de montagem (tipicamente um sistema hiperestático, em virtude da quantidade de apoios provisórios empregados), de modo que resultem reações maiores do que a capacidade das torres, levando eventualmente a uma condição de insegurança do sistema estrutural.
Isto pode danificar a estrutura em processo de montagem ou até mesmo levar a uma falha em cadeia dos apoios provisórios, com consequências potencialmente catastróficas.
Salienta-se que a fase de montagem deve ser devidamente verificada para garantir a segurança da operação, posto que neste estágio provisório, com a estrutura apoiada nas torres temporárias e submetida somente ao peso próprio, esta é solicitada por um conjunto de esforços muito diferentes daqueles correspondentes à configuração final.
Trata-se, pois, de dois sistemas estruturais distintos.
A esta altura, já é possível identificar que:
• A variável de controle básica natural de um processo de descimbramento é a intensidade das reações nos apoios provisórios, as quais são normalmente medidas / impostas por meio de macacos hidráulicos, sendo estes dispositivos necessários para o controle dos deslocamentos descendentes progressivamente impostos na estrutura a descimbrar
• Os deslocamentos da estrutura a ser descimbrada, medidos a posteriori após cada passo do processo em pontos específicos, representam por sua vez uma variável secundáriaprocesso, sob a qual não se tem controle: a flecha final devida às cargas permanentes está intrinsecamente pré-determinada, pois depende da rigidez da estrutura na sua configuração final (exemplo: livre dos apoios provisórios de construção)
A VERIFICAÇÃO DAS FASES CONSTRUTIVAS
Nesta etapa, normalmente executada pela equipe que projetou a estrutura, adotam-se modelos numéricos para simular a operação de montagem cujos resultados servirão de base para as etapas posteriores, bem como para a especificação dos equipamentos e estruturas auxiliares necessárias ao processo de montagem;
O PLANEJAMENTO DA OPERAÇÃO DE CAMPO
De posse dos resultados obtidos nos estudos de montagem efetuados na fase de projeto, parte-se para o planejamento da operação que será realizada no campo. Como fruto deste esforço, gera-se um procedimento formal que servirá como guia para a operação, cuja finalidade principal é garantir a total conformidade do processo com as premissas, hipóteses e dados oriundos do projeto. Tal conformidade, por sua vez, garante que a operação a se realizar é segura. Ainda nesta fase, são definidos os procedimentos de controle do processo, para monitorar a resposta da estrutura durante o descimbramento sempre com vistas à conformidade e, em última análise, à segurança do sistema estrutural nesta fase provisória.
A EXECUÇÃO DA OPERAÇÃO DE CAMPO
Parte-se agora da teoria para a prática. O grande desafio nesta fase é o de coordenar as diferentes equipes multidisciplinares envolvidas (tipicamente: engenharia, montagem, instrumentação, hidráulica, topografia) de tal forma que o procedimento previamente estabelecido seja efetivamente cumprido. Nesta fase, há ainda uma série de questões práticas a serem discutidas e planejadas, tais como: a coordenação da equipe de controle dos dispositivos hidráulicos para garantir a sincronização dos alívios de carga na reação das torres provisórias, a eliminação de potenciais interferências ao movimento de descida da estrutura, o treinamento prévio das equipes para garantir a adequação do preparo, da execução e a sequência correta das operações previamente definidas no procedimento, e ainda questões práticas associadas à segurança do pessoal de campo envolvido na operação, entre outras diversas demandas.
A título de conclusão, procurou-se mostrar com este breve artigo que uma operação de descimbramento é simplesmente uma forma sistemática e segura de fazer com que uma estrutura suportada ao longo do vão por apoios provisórios durante a fase de montagem, passe a ser progressivamente solicitada às cargas permanentes aplicadas, através do controle das forças de reação nestes apoios usualmente por meio de dispositivos hidráulicos. Este controle tem por finalidade:
• Evitar a migração de carga indesejada de um suporte para outro ou mesmo a perda prematura de um apoio, algo que poderia danificar as torres
• Liberar a estrutura principal dos apoios provisórios de montagem de forma lenta e suave, sem impactos ou efeitos dinâmicos
As técnicas referenciadas neste artigo foram empregadas com muito sucesso na montagem de grandes coberturas dos estádios construídos pela Odebrecht para a Copa do Mundo e para os Jogos Olímpicos de 2016, eventos estes realizados no Brasil. Destacam-se, por exemplo, a Arena Corinthians, localizada em São Paulo, e o Estádio Nilton Santos, no Rio de Janeiro. Em ambos os casos, a operação de descimbramento resultou segura e em total conformidade com as premissas adotadas pelo projeto.
Este tema pode ser explorado com mais abrangência no link https://www.arcjournals.org/ijcrce/volume-3-issue-2/
*Daniel Lepikson Oliveira é engenheiro mecânico e civil, mestre e doutor em engenharia civil pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EPUSP).
Trabalha atualmente na área de Engenharia de Estruturas na empresa alemã SBP – Schlaich Bergermann und Partner, em Stuttgart, Alemanha. Trabalhou como engenheiro civil no setor de processos construtivos da Odebrecht Engenharia & Construção Internacional de 2008 a 2017.
Caro Daniel,
Fiquei muito feliz em ver que sua paixão por estruturas perdura. Parabéns pelo artigo!