A questão do saneamento básico no Brasil ganhou novos contornos a partir da publicação da Lei Geral do Saneamento em dezembro de 2007. O marco regulatório reduziu as incertezas nas esferas federal, estadual e municipal. Some-se isso os recursos colocados à disposição pelo governo federal – cerca de R$ 24 bilhões já contratados, segundo o Ministério das Cidades. Por fim, as parcerias público privadas (PPP) começaram a sair do papel, contribuindo para o aumento dos investimentos. Apesar dos avanços institucionais e dos recursos financiados pelo governo, o ritmo dos investimentos ainda não é o suficiente para tirar o enorme atraso do país nesse campo. Projeções do IBGE de 2000 indicavam a necessidade de o País investir R$ 200 bilhões ao longo de 20 anos para universalizar os serviços de saneamento básico. Em 2007 esse montante foi corrigido em 50%, passando para R$ 300 bilhões, segundo a Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon).
Se antes era preciso investir R$ 10 bilhões por ano, com o reajuste passou a ser necessário aplicar R$ 15 bilhões anuais para atingir a meta de 2020. Isto é, se a meta inicial venha a ser cumprida. O que foi efetivamente aplicado entre 2000 e 2007 ficou muito aquém do previsto, atingindo um total de R$ 30 bilhões ou R$ 4,2 bilhões anuais. Restam, assim, R$ 270 bilhões a serem aplicados até 2020, o que dá pouco mais de R$ 24 bilhões por ano. "Caso o Brasil siga aplicando no mesmo ritmo dos últimos anos, serão necessários 63 anos para o saneamento básico estar universalizado no Brasil", observa Yves Besse, presidente da Abcon.
Universalizar os serviços de saneamento no Brasil é ainda um longo caminho a ser seguido. O abastecimento de água é a área mais desenvolvida no País. A maioria dos municípios (80,9%) conta com rede de abastecimento de água – na zona urbana, esse índice salta para 94,2%. Mas é na questão do esgoto que a coisa se complica. Perto de 51% das residências não estão ligadas às redes coletoras de esgotamento sanitário – na Região Norte esse índice é de apenas 6,2% e no Nordeste, 25,4%. Sudeste é o mais atendido, com 70,8%, o Centro-Oeste vem em seguida, com 48,4%, e no Sul atinge 37,2%. O déficit é maior nas regiões metropolitanas ou nas cidades com mais de 1 milhão de habitantes, atingindo 52% do total. Cerca de 9,6 milhões de domicílios urbanos, onde habitam 60 milhões de brasileiros, não dispõem de coleta de esgoto e apenas 23% possuem fossas sépticas.
Já o tratamento dos dejetos sanitários é raridade nas cidades brasileiras – apenas 32,5% do esgoto bruto coletado é tratado, sendo que a maior parte, cerca de 11 bilhões de litros, é despejada in natura diariamente nos rios, córregos, praias e lagos. Além disso, aproximadamente 16 milhões de brasileiros não são atendidos pelo serviço de coleta de lixo e onde ela existe os dejetos são despejados em lixões a céu aberto e sem nenhum tipo de tratamento. Aterros sanitários estão presentes em apenas 13,8% dos municípios e em 8% dessas localidades há coleta seletiva.
Não por acaso há relação direta entre a precariedade do saneamento e o surgimento de doenças relacionadas à má qualidade da água e contato com esgoto e lixo, como dengue, malária, hepatite A, leptospirose, tifo e febre amarela. Milhares de crianças com menos de cinco anos ainda morreram de diarréia por falta de saneamento adequado. Enquanto a taxa de mortalidade infantil dos menores de cinco anos que residem em domicílios com serviços de saneamento chega a 26,1 por mil, a dos que vivem em domicílio sem água e esgoto sobe para 44,8 por mil.
Embora esteja frente a uma situação bastante desafiadora, o País saiu da letargia que durou muitos anos desde o fim, nos anos 1980, do Plano Nacional de Saneamento (Planasa). Com o marco regulatório definido pela Lei do Saneamento há ambiente para novos negócios acontecerem. A regulação tem a importância de institucionalizar os contratos de concessão, as regras de fiscalização e o controle da atividade, além de assegurar o equilíbrio econômico e financeiro das concessões. Pelas novas regras, a validade dos contratos passou a ser condicionada à elaboração de planos de meta visando à universalização. Foi definida a existência de agências reguladoras para fiscalizar a prestação dos serviços e para decidir sobre tarifas, além da necessidade de haver contratos de concessão entre a municipalidade e as empresas prestadoras de serviço, sejam elas públicas ou privadas.
Titularidade: dúvidas persistem
A lei trouxe a segurança jurídica que faltava para o setor, mas ficaram algumas brechas para serem definidas, como a titularidade no caso das regiões metropolitanas. Essa questão está sendo avaliada pelo Supremo Tribuna
l Federal (STF), que ainda não concluiu o julgamento.
"Apesar de se tratar de um ato de competência do poder público estadual, não há segurança jurídica, pelo menos num primeiro momento, de que a delegaçãopara prestação de serviços de saneamento nas cidades da região metropolitana seja mantida nas condições originalmente pactuadas", observa Mesato Terada, diretor de saneamento do grupo Solvi. "Além disso, mesmo que os sistemas estejam interligados, cada município possui a titularidade de sua circunscrição, o que nos leva a considerar que, a qualquer tempo, o momento político pode alterar as regras inicialmente ajustadas para a concessão dos serviços, afetando diretamente o planejamento do empreendedor."
Para o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Base (Abdib) Paulo Godoy, essa questão não representa impedimento para novos negócios. "Com as leis disponíveis, a questão da titularidade não atrapalha o progresso dos investimentos", afirma, "O desafio maior é aplicarmos as regras já previstas na lei, estabelecendo a operação dos serviços por contratos de concessão, com metas para a universalização e tarifas regidas por agências reguladoras." Outra forma de resolver a questão é a gestão compartilhada entre Estado e municípios. "Os dois entes podem se associar e promover juntos o desenvolvimento necessário para a região. É questão de vontade política", entende Yves Besse, da Abcon.
Nos demais casos a titularidade está definida, o município é o responsável por planejar e decidir o que fazer em seus limites com o saneamento – que inclui abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem de águas pluviais e manejo dos resíduos sólidos. Porém pode estar aí boa parte dos problemas que vêm emperrando o setor. "É o município que tem de decidir o que fazer, mas muitos prefeitos não estão tomando as medidas necessárias, que é organizar o setor, fazer o planejamento e definir se vai optar por conceder os serviços à iniciativa privada, passar para a companhia estadual ou criar uma autarquia municipal. Isso faz com que o setor avance num ritmo menor do que o desejável", afirma Yves Besse, lembrando ainda dos casos de ingerência política dos governadores, que não querem ver suas companhias estaduais perderemespaço. "Nem é questão de recursos, pois o governo, por meio do PAC, coloca R$ 40 bilhões à disposição do setor. Mas o valor não está sendo totalmente acessado por conta das indefinições." Mesmo assim, diz o executivo da Abcon, a participação privada no setor dobrou entre 2006 e 2008, saltando de 5% para 10%.
Segundo Paulo Godoy, desde que a lei foi sancionada, cerca de 20 contratos de concessão ou de parceria público privada (PPP) foram assinados, enquanto dezenas de outros foram celebrados entre municípios e empresas estaduais. "A iniciativa privada, por meio de contratos de concessão ou PPP, é responsável pelo atendimento em 203 municípios em 12 Estados, o que corresponde ao universo de 13,8 milhões de habitantes", relata Godoy. "Há potencial e o setor privado está entusiasmado para contribuir com a expansão do saneamento no País."
Das empresas que têm investido no setor está a novata Cab Ambiental, do grupo Galvão, fundada em 2006. A companhia possui vários tipos de contrato em operação, que vão desde a concessão plena, que inclui água e esgoto, passando por PPP, até a operação de apenas um serviço, como coleta de esgoto, por exemplo. Além disso, em seu portfólio a empresa atua em diferentes realidades, atendendo desde municípios com 5 mil habitantes, como é o caso de Palestina, no interior paulista, até projetos que abrangem 3 milhões de pessoas, como a estação de tratamento de água de Suzano que a empresa desenvolve em PPP com a Sabesp.
O grupo Solví também aposta na área de saneamento e programa investimentos de R$ 500 milhões para os próximos cinco anos. Os projetos em desenvolvimento deverão beneficiar até 1,5 milhão de pessoas. A Águas do Amazonas, subsidiária da Solví, concluiu recentemente as obras do Plano de Expansão do Abastecimento de Água, beneficiando cerca de 850 mil pessoas, nas zonas Leste e Norte, da cidade de Manaus. Um investimento de R$ 160 milhões. "Os investimentos compartilhados na universalização dos serviços de água e esgotamento sanitário, associado a investimentos privados em novas tecnologias e gestão, são fatores fundamentais para um novo modelo de saneamento no País", afirma Mesato Terada, da Solví.
PAC saneamento
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, é apontado por muitos especialistas como o principal indutor de recursos no setor nos próximos anos. O programa prevê investimentos de R$ 40 bilhões e será destinado a todas as áreas que envolvem o saneamento básico – água, esgoto, resíduos sólidos e drenagem.
Desse total, R$ 12 bilhões sairão do Orçamento da União, R$ 20 bilhões do FGTS/FAT e R$ 8 bilhões será a contrapartida de Estados, municípios e concessionários privados. A meta do governo é ampliar o atendimento domiciliar em 7,3 milhões com rede coletora e tratamento de esgoto, em 7 milhões com abastecimento de água e em 8,9 milhões com coleta e destinação adequada do lixo.
Fonte: Estadão