O maior gargalo físico da MRS é a travessia da Região Metropolitana de São Paulo, que exige o compartilhamento dos trilhos com a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), estatal operadora do transporte de passageiros da Grande São Paulo. Atualmente, os comboios de cargas da MRS só podem atravessar a região durante as janelas de ociosidade nas operações para passageiros – os trens de carga operam de madrugada, de 0h às 4h, enquanto os trens de passageiros operam plenamente no restante do tempo. Isso compromete a eficiência e limita a capacidade de crescimento da ferrovia de carga, restringindo inclusive seu acesso ao Porto de Santos.
Também para a CPTM e para o transporte de passageiros, a convivência é danosa. Vez por outra os pesados vagões de minério danificam a via permanente, ou ocorrem descarrilamentos que impedem a circulação das composições. Tais ocorrências interrompem a circulação em trechos de grande demanda, diminuem o intervalo entre os trens e atrapalham dramaticamente a vida de milhares de usuários do sistema. Sem falar nos custos para a recomposição das vias nos trechos afetados.
A MRS argumenta que o problema – que existe há décadas, mas que se agrava na medida em que aumenta a utilização dos trens de carga como parte de uma logística integrada – pode gerar sérios desequilíbrios econômicos e financeiros para a concessão. Isso porque, ao assumir o controle da antiga Malha Sudeste da extinta Rede Ferroviária Federal, a concessionária contava, em seu plano de negócios de longo prazo, com o livre acesso ao Porto de Santos e à região de concentra o maior PIB do país. Com as restrições de horários, o projeto de crescimento da ferrovia estaria, portanto, comprometido.
A saída para o problema existe há muitos anos, embora nunca tenha saído do papel: a construção de um contorno ferroviário que permita desobstruir o tráfego ferroviário na maior região metropolitana do país, possibilitando o acesso direto ao Porto de Santos. Há, na verdade dois projetos para a materialização do Ferroanel, que dividem os técnicos da MRS e os representantes dos governos federal e do estado de São Paulo.
A primeira delas prevê a construção de um arco ferroviário ao norte da região metropolitana, aliado à construção de um novo terminal de granéis no Porto de Sepetiba, em Itaguaí (RJ), criando, assim, uma alternativa ao Porto de Santos. Essa era inicialmente, a opção preferencial da MRS, que estaria disposta a bancar R$ 400 milhões, de um orçamento total R$ 1,2 bilhão, aproximadamente. Era também a proposta eleita pelo governo federal. Tanto que estava prevista no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), no setor ferroviário. Mas essa alternativa não contemplava os interesses do estado de São Paulo, uma vez que desviava parte das cargas de exportação do Porto de Santos para Itaguaí. O traçado previa a construção de um anel ferroviário de 66 km, entre Campo Limpo Paulista (por onde chegam os trens oriundos da região de Campinas) e Engenheiro Manoel Feio (a caminho do porto de Santos).
Embora mais eficiente do ponto de vista econômico, a construção do Tramo Norte poderia demorar mais devido às restrições ambientais, por conta da passagem pela Serra da Cantareira. Além disso, exigiria a construção de 11 túneis e nove obras de arte especiais, tais como viadutos e pontes.
Já o governo paulista via como prioridade as obras do Tramo Sul, projeto que cria um anel ferroviário por baixo da região metropolitana, ligando Rio Grande da Serra a Evangelista de Souza.
No meio das discussões, surgiu uma terceira solução: agregar ao Tramo Sul do ferroanel a separação das redes de carga e de passageiros, construindo-se uma segunda via de trilhos ao lado da existente, entre Rio Grande da Serra e Campo Limpo Paulista. Isso parece ter colocado um ponto final em anos de discussões infrutíferas. Em reunião realizada em outubro passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o governador paulista José Serra concordaram com esta solução, que contempla os interesses do estado de São Paulo. E para facilitar o entendimento, ficou decidido que o projeto do Tramo Norte será retomado futuramente, junto com o futuro trecho norte do Rodoanel. Os contornos ferroviário e rodoviário serão estudados sob o aspecto ambiental e para a obtenção do licenciamento, de forma integrada. O governo paulista compromete-se, inclusive, a reservar a área ao lado do Rodoanel para a construção dos novos trilhos.
O acordo aponta ainda para a possibilidade da MRS operar essa linha a ser construída, mediante um aditivo ao contrato original da concessão da Malha Sudeste, com a União. Isso justifica a participação financeira da concessionária no investimento do Ferroanel. Além de solucionar o modelo atual de compartilhamento da malha com o sistema de passageiros, as duas soluções devem garantir a ampliação da capacidade operacional tanto no transporte de passageiros quanto no de carga.
Tramo Sul, o projeto vencedor
A alternativa escolhida para desatar o nó no sistema da MRS exigirá investimentos da ordem de R$ 1,6 bilhão, que devem ser bancado pelos governos federal e estadual, com participação da MRS Logística. As três partes chegaram a um difícil consenso em torno da melhor alternativa técnica e econômica, mas falta ainda definir como será o rateio dos custos.
O projeto prevê a construção de 55,3 km de nova linha ferroviária, paralela às vias expressas do Rodoanel, com obras orçadas em cerca de R$ 800 milhões. A linha fará a ligação entre as Estações de Suzano e Rio Grande da Serra, passando pela Estação Evangelista de Souza. Esse trecho, da antiga Estrada de Ferro Sorocabana, tem linha dupla trilho que é pouco utilizada. A idéia, portanto, a aproveitá-la, reduzindo assim os custos do projeto.
Essa solução enfrenta um obstáculo complicado: a travessia do Centro de São Paulo, passando por estações de alta demanda de transporte de passageiros, como Luz e Brás. Para transpor esse obstáculo, a saída é construir um “mergulhão” ferroviário, um corredor subterrâneo de aproximadamente três km de extensão, por onde passariam os trens de carga se interferência no sistema de passageiros. Para essa transposição estão previstos os restantes R$ 800 milhões do orçamento do Tramo Sul.
Inicialmente, essa idéia enfrentava resistência de ambos os lados. A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, olhava com suspeita a possibilidade de investir em um projeto que tinha como eixo o reforço da passagem de cargas pelo centro de São Paulo. No governo paulista, a desconfiança partia do secretário estadual de Transportes, Mauro Arce. Depois de muitas conversas com os técnicos, Dilma e Serra for
am convencidos por auxiliares da viabilidade do mergulhão.
O Trecho Sul do Ferroanel tem prazo para começar a operar até final de 2010. O governo do Estado sinalizou interesse em entregar a obra em dois anos.
Isso significa que as obras deverão ser iniciadas já em 2009. Tanta pressa se justifica. De acordo com estudos realizados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), sobre o crescimento do fluxo de cargas na região, haverá um aumento de volume, de 52,8 milhões de t registrados em 2007, para 99,4 milhões de t previstos para 2023. O volume de contêineres transportados sobre trilhos, por sua vez, deverá dobrará no período, acompanhando o crescimento da movimentação de outras cargas como açúcar, álcool, soja, areia e fertilizantes. Sem o ferroanel, esse crescimento estaria inviabilizado.
Fonte: Estadão