SÃO PAULO – A busca por novas fontes de energia, o alto preço do barril de petróleo no mundo e as crescentes emissões de carbono na atmosfera deram à energia obtida de fontes renováveis o atual status de estrela. Hoje, é praticamente impossível encontrar um fabricante de equipamentos ou uma geradora de megawatts que não tenha algum projeto na área. E a onda é tão forte que tem seduzido diversas multinacionais, como a francesa Areva.
A gigante do setor, reconhecida globalmente por sua tecnologia de energia nuclear, tem apostado pesado no assunto no Brasil e no mundo. Tanto que sua mais recente tacada é no país. Por um valor não revelado, a companhia arrematou 70% da brasileira Koblitz, que ficou conhecida no cenário local por realizar projetos integrados de geração de energia usando o bagaço da cana-de-açúcar como matéria-prima e por executar algumas Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs).
A julgar pelas declarações de John McNeill Ingham, diretor-geral da Areva Bioenergia para América do Sul, a ofensiva francesa na região está só no início. ” Não descartamos outras aquisições e buscamos fontes de energia que completem a matriz nuclear, que tem baixa emissão de carbono ” , afirma Ingham ao Valor. A Areva Bioenergia é uma divisão global do grupo que reúne as iniciativas da corporação neste segmento.
Com essa operação, a Areva deseja mesmo é aumentar drasticamente a receita do negócio advindo da energia renovável no Brasil. Se em 2006, a Bioenergia, que ainda era uma unidade de negócios do grupo e não uma empresa, registrou vendas de ? 32 milhões no país, em 2011 a meta dos novos controladores é alcançar um faturamento de R$ 500 milhões por ano. E para isso é fundamental contar com os cerca de R$ 163 milhões de vendas da Koblitz em 2007 e com a previsão de faturamento da companhia para 2008, que é R$ 230 milhões localmente.
Os últimos dados da Koblitz já mostram que atingir a meta é possível. Em 2006, por exemplo, a receita da companhia nacional foi de R$ 88 milhões, quase metade do montante de vendas registrado no ano passado. E esse crescimento só foi possível porque a Koblitz acabou abocanhando parcela significativa dos projetos de PCHs e biomassa inscritos no Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa). Do programa, 41% das PCHs e 59% das usinas de biomassa terão a marca Koblitz.
Com essa fotografia à mesa, ficou fácil para Areva perceber que a compra podia ser um grande negócio, mas não de fácil entendimento. Tanto que a negociação entre os grupos levou quase nove meses. Mas valeu a pena, assegura o executivo do grupo francês. ” No Brasil, energia renovável a partir de bagaço é um mercado tradicional que exige uma marca reconhecida. E acredito que também conseguimos isso com o negócio ” , diz.
De fato, a costura da operação levou algum tempo, porque a montagem também foi engenhosa. Além de assumir 70% do negócio, a multinacional ainda poderá contar com o fundador da Koblitz à frente da operação. Luiz Otávio Koblitz, que ficará com os 30% restantes da empresa, assumirá a presidência do grupo no país. E Ingham, além de presidir a Areva Bioenergia na América do Sul, que com o negócio vai funcionar muito mais como holding, também terá um cargo na diretoria da Koblitz.
Só para se ter idéia de como as negociações se estenderam entre as partes, o acordo também precisou receber o crivo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Acionista com 24%, o BNDES entrou no capital da Koblitz em 2003 e possuía ainda mais 6,5% em debêntures conversíveis, que não chegaram a ser convertidas.
O Valor apurou que os planos, antes da negociação com a Areva, passavam por uma oferta pública de ações na bolsa. E esse movimento também serviria para que o BNDES deixasse o negócio.
Marcelo Cabrera, chefe do departamento de pequenas e médias empresas do BNDES, afirmou que a oferta da multinacional francesa foi considerada boa e isso foi determinante para que o banco aceitasse a venda, já que receberia por suas ações a mesma quantia paga aos controladores (o tag along).
Mas existiram outras razões que motivaram Luiz Otávio Koblitz a vender parte da companhia. Para o empresário estava ficando claro que a empresa havia crescido muito e precisaria de um sócio mais forte.
Apesar de ter ficado minoritário na empresa que montou há 33 anos, Koblitz não vendeu tudo que a empresa abrigava à Areva. Ficou com as participações que mantém em cinco PCHs e em duas térmicas movidas a restos de madeiras, que vão ser alocadas em uma nova empresa. Juntas, essas cinco PCHs são capazes de gerar 150 MW e Koblitz possui 10% em cada uma delas. Já as usinas térmicas conjuntamente têm capacidade para gerar 19 MW e Koblitz detém 90% em uma e 10% em outra.