Indústrias criticam o alto custo do KW

*Marisa Marega

Osetor elétrico vai terminando o ano com boas perspectivas após quase uma década correndo do fantasma do racionamento. A preocupação com a segurança do abastecimento deixa de ser o foco principal que passa agora para o aumento dos custos da energia elétrica, da competitividade e da transparência na regulamentação.
O ano de 2010 entra em seu último trimestre e o balanço mostra uma situação confortável no mercado de abastecimento de energia elétrica, segundo as 11 principais entidades que participaram do 7º Encontro Nacional dos Agentes do Setor Elétrico (Enase), no fim de setembro, no Rio de Janeiro. Presentes a Abce (concessionárias), Abdib (Indústria de Base), Abiape (Autoprodutores), Abrace (consumidores), Abraceel (comercializadores), Abrage (geradores), Abragef (geração flexível), Abraget (geradoras termelétricas), Abrate (transmissoras), Anace (grandes consumidores), Apine (produtores independentes), Apmpe (pequenos e médios produtores), Abcm (carvão mineral), Abeeólica (energia eólica), Abdan (nuclear) e Cogen (coegeração), foram unânimes em descartar gargalos mesmo com a seca em algumas regiões e o mercado de consumo aquecido. Mas as entidades entregaram aos candidatos à Presidência da República a "Agenda de Política Energética" para o quadriênio 2011/2014 com sugestões para redução dos custos da energia elétrica.

Panorama atual

O presidente-executivo da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Paulo Pedrosa, em entrevista à Revista O Empreiteiro, diz: "O Brasil tem um amplo parque gerador de energia elétrica. Considerando a sistemática de contratação das novas usinas e o interesse dos empreendedores pelos investimentos no segmento, não há risco de faltar energia. Em prazo mais longo, a situação também é tranquila, tendo em vista que o país tem o maior potencial hidrelétrico do mundo (da ordem de 240MW) e tem aproveitado pouco mais de 30% dele. Além disso, há outras oportunidades de aproveitamento como os ventos do Nordeste. Na região, estima-se que exista um potencial da ordem de 75 GW em eólicas, dos quais menos de 5% já foram aproveitados. Temos ainda as reservas de gás natural e de petróleo do pré-sal, Bacia de Santos e de outras regiões. Todas essas opções podem ser aproveitadas a custos relativamente baixos, de maneira complementar e com redução e/ou compensação dos impactos ambientais."
Apesar do potencial descrito e do cenário favorável mesmo com aquecimento econômico, algumas questões foram levantadas e merecem reflexão. Alexandre Lopes, economista e assessor técnico da Abraceel (Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia), na entrevista concedida à revista, aponta que: " a elevação dos entraves ambientais para a construção de novas hidrelétricas preocupa os agentes em relação ao futuro do setor. A ausência de reservatórios nas novas UHEs( usinas hidrelétricas), e consequente redução da capacidade de regularização do Sistema Interligado Nacional (SIN), levam a uma necessidade de ampliação dos investimentos em usinas termelétricas para suportar os períodos de seca, elevando o custo da energia e a emissão de CO2 pelo setor elétrico."
Falando sobre os preços da energia no Enase, o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, criticou as elevadas tarifas de energia e afirmou que um futuro governo terá que reverter o quadro. "É preciso uma ampla discussão no Congresso Nacional para rever nossas tarifas atuais, que são muito elevadas.O ganho de competitividade que existe no Brasil com a existência de um grande número de hidrelétricas é perdido com o elevado ICMS cobrado sobre a energia", comentou. E reconheceu que a questão é de difícl solução porque envolve todos os Estados. "É preciso achar uma outra fonte que substitua a renda vinda do ICMS. Na Europa, por exemplo, uma tarifa industrial quase não tem imposto. Já no Brasil, o imposto é pesado", finalizou.

Custo elevado preocupa o setor

O alto preço é apontado por todos os segmentos do setor. João Carlos Mello, presidente da consultoria Andrade & Canellas, autor de um estudo sobre tarifas, completa: " Chama a atenção o elevado custo da energia, devido, principalmente, à elevada carga tributária. Hoje, impostos e encargos somam pouco mais da metade do custo final da energia. O principal motivo de tal tributação ser alta é simples: como nos serviços de telefonia, é muito difícil a sonegação de impostos. Essa carga tributária alta pressiona os custos finais da energia e vem se tornando um problema sério na competitividade da indústria nacional frente aos seus concorrentes. A questão precisa ser tratada junto com uma eventual reforma tributária", sugere.
Seguindo o mesmo raciocínio, Paulo Pedrosa destaca ainda que "os consumidores são obrigados a pagar por custos externos ao setor que deveriam se imputados ao Tesouro.Expurgá-los das contas é a maneira mais simples e eficiente de diminuir o custo da energia. Além disso, há encargos que deveriam ser extintos, pois perderam sua finalidade, não havendo mais razão para sua cobrança. No que se refere ao gás natural, a principal dificuldade é a falta de concorrência. Os preços são definidos pela Petrobras sem nenhuma transparência e sem levar em conta as preocupações e necessidades dos agentes",constata.
Observação paralela é feita pela Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape) em relação à quantidade de energia a ser produzida a partir de fontes térmicas. Mário Menel da Cunha, presidente da entidade, responsável por 8% da capacidade instalada do sistema interligado, e que tem como associadas empresas como Alcoa, Arcellor, Gerdau, Vale, Votorantim e outras gigantes do setor, lembra: "Essas fontes são mais caras que as hidrelétricas, fato que vai elevar o custo e consequentemente as tarifas e os preços da energia nos próximos anos. Essa realidade poderá ser causa da inibição do aquecimento da demanda. No segmento da autoprodução, consideramos que o nível de geração própria deve ser de cerca de 60%, em relação à carga total. Para que esse nível seja atingido, há necessidade de investimentos da ordem de 27 bilhões de reais nos próximos 10 anos".

Indefinição nas Concessões de
Geração gera interrogação

Outro ponto abordado pelas entidades do setor nas entrevistas concedidas à revista foi a definição do futuro das concessões de geraç&at

ilde;o que vencem em 2015. Alexandre Lopes ressalta: "É importante lembrar que os investimentos realizados na construção dessas usinas já foram amortizados pelos consumidores de energia elétrica. Portanto, é fundamental que esse benefício econômico seja integralmente repassado de forma isonômica ao conjunto de consumidores, cativos e livres, preservando a modicidade de preços e tarifas estabelecida em lei. Para a Abraceel é indispensável que os consumidores tanto cativos como livres sejam tratados igualmente nessa questão da renovação das concessões, pois um mercado não pode ser beneficiado em detrimento do outro."
Para que o leitor tenha idéia do volume de concessões de geração, o consultor João Carlos Mello lembra que "elas correspondem a 30% da capacidade instalada de geração e mais de 80% do parque de transmissão brasileiro. A indefinição afeta tanto o mercado de energia como o financeiro, já que a tendência é a precificação sempre da pior maneira. A tendência deve ser pela prorrogação. No entanto, há dúvidas em relação às condicionantes a serem exigidas pelo governo. O principal receio é que se adote, para a energia desses empreendimentos, o mesmo critério de compartilhamento da energia nova entre os ambientes de contratação regulada (mercado de distribuição) e o livre, com prioridade para o ambiente regulado. Por conta disso, é grande o risco de que a relicitação ou prorrogação das concessões pelo critério de menor preço para as distribuidoras resulte em aumento de preços para os consumidores livres".

Fontes alternativas a todo vapor

Diante da diversificação da matriz energética nacional, as alternativas sustentáveis e economicamente competitivas mostram que os ventos sopram a todo vapor. Mario Menel da Cunha afirma: "Temos nas eólicas e nas usinas da biomassa um potencial bastante interessante. As eólicas já demonstraram no último leilão que podem ser competitivas, inclusive para atuação no mercado livre. O potencial eólico do Brasil é muito grande – estimado, a 100 metros de altura, conservadoramente, como sendo de 300 GW – o que permite antever maior ênfase do governo no desenvolvimento e aproveitamento dessa fonte, no curtíssimo prazo".
Outro ponto observado pelo consultor Alexandre Lopes é que há uma forte evolução no mercado de energia incentivada. Isso porque "o desconto legal para consumidores que compram energia de fontes alternativas tem se mostrado uma política positiva para a atração de investimentos em energias renováveis". E ressalta: "É importante acelerar o processo de autorização para essas usinas, ampliando a oferta para o mercado livre".
A resenha mensal da EPE, edição de agosto, informa: " Com a expansão do parque gerador já contratada e garantida, O Brasil tem condições de crescer 7% ao ano até 2014. A partir daí, há o suprimento de energia garantido graças à entrada em operação das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, e Belo Monte no Xingu. Já estão contratados 71% da capacidade de geração necessária para os próximos 10 anos". O documento lembra também o aumento de participação da energia nuclear no reforço da matriz energética brasileira com a conclusão da Usina de Angra 3 até 2030 e a entrada em operação de outras quatro usinas.

Fonte: Estadão

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