Augusto Diniz
Duas implosões recentes no Rio de Janeiro em regiões estratégicas soaram como uma espécie de aviso aos descrentes que as obras na cidade para receber os Jogos Olímpicos de 2016 estão sendo realizadas, mas há questionamentos sobre atransformação da cidade
No início da manhã do dia 5 de junho, meia tonelada de explosivos colocou abaixo quatro prédios e uma chaminé do complexo da antiga fábrica da cerveja Brahma, que ladeava bom trecho da passarela do samba carioca. Com a implosão, será possível construir mais arquibancadas – serão criados ao todo 18 mil novos lugares -, permitindo a complementação do projeto original da Marquês de Sapucaí, criado pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Agora, a via do samba terá prédios semelhantes e simétricos dos dois lados. |
A outra implosão aconteceu logo no amanhecer do dia 26 de junho: 250 kg de dinamite destruíram três prédios do antigo Moinho Marilu, na Zona Portuária do Rio de Janeiro. No lugar será construído a partir de setembro edifício de 20 andares, que abrigará empresas e escritórios, com investimentos da iniciativa privada na ordem de R$ 250 milhões. O projeto é da Tishman Speyer, uma das maiores desenvolvedoras imobiliárias do mundo.
As duas implosões no mesmo mês fazem parte do projeto da cidade para receber os Jogos Olímpicos. A obra na passarela do samba tem efeito mais simbólico – embora aguardada há anos – em relação à Olimpíada de 2016 no Rio. Já a demolição do moinho faz parte da iniciativa mais ambiciosa da cidade para o megaevento: a revitalização da abandonada região portuária e criação do Porto Maravilha.
“A revitalização do Porto poderá ser o maior ganho urbanístico para a cidade”, avalia Sávio Raeder, mestre em ordenamento territorial urbano da Universidade Federal Fluminense (UFF) e premiado em 2009 pelo ministério dos Esportes por trabalho de mestrado sobre reorganização urbana por conta de megaeventos esportivos. Ele reconhece que os Jogos poderão trazer investimentos à metrópole, mas questiona o fato do Rio 2016 concentrar intervenções na Barra da Tijuca.
“Será que a Barra da Tijuca é a área da cidade que mais demanda intervenções? Caso não houvesse os Jogos, deveríamos realmente priorizar esta área em detrimento de outras como ocupação mais consolidada e desafios urbanísticos mais complexos na área de transporte, oferta de moradias adequadas e disponibilidade de equipamentos esportivos?”, pergunta.
O Porto Maravilha, na zona portuária carioca, de fato, interfere em uma região que poderá trazer muito mais transformação à cidade do que o rico bairro da Barra da Tijuca. O local está intimamente ligado à história do Rio e da própria criação do País. Naquele ponto, especificamente no Cais do Valongo, por exemplo, calcula-se que tenham desembarcado 1,2 milhão de escravos negros trazidos da África.
O projeto do Porto Maravilha, que abrange uma área de 5 milhões de m², promoverá a reestruturação local e afetará diretamente famílias de baixa renda que vivem em bairros do centro e morros onde se formaram as primeiras favelas cariocas há mais de um século. Dentre esses locais, incluem-se o bairro da Saúde e o Morro da Conceição. A iniciativa prevê a construção de instalações olímpicas, a recuperação da Praça Mauá e de 13 vias da região, restauro de prédios históricos, além da construção de centro de convenções, hotéis, comércio e outras áreas de lazer. Em julho de 2012, o local sediará o encontro de cúpula de chefes de estado que marca os 20 anos da Eco 92.
Barra da Tijuca
As principais intervenções na Barra da Tijuca serão de mobilidade, além da instalação de equipamentos olímpicos – o complexo olímpico ainda será licitado. A previsão oficial diz que o bairro receberá até a Olimpíada linha de metrô que virá da Zona Sul e corredor expresso de ônibus articulado (Bus Rapid Transit – BRT) da Zona Norte, Zona Oeste e do Aeroporto Internacional Tom Jobim. Tais projetos de mobilidade são os principais do Rio de janeiro para sediar os Jogos Olímpicos, mas parte já deve estar em uso na Copa do Mundo de 2014.
“Há duas possibilidades de transformação urbana relacionada aos Jogos: os Jogos para a cidade e a cidade para os Jogos. No primeiro caso, os gestores urbanos têm clareza sobre os desafios da cidade e dialogam com os organizadores do evento com o objetivo de conciliar as demandas para a realização da Olimpíada com as demandas dos cidadãos por melhorias nas condições de vida. Conciliar estes dois interesses significa construir arenas esportivas que não se tornem ‘elefantes brancos’, mas sim equipamentos que tenham intenso uso esportivo e cultural posterior. Significa também construir vilas residenciais que em boa medida possam suprir lacunas do mercado imobiliário, direcionar a ocupação urbana para uma área de expansão ou ainda requalificar zonas degradadas”, discorre o geógrafo Sávio Raeder.
De acordo ainda com especialista em transformação urbana de megaeventos esportivos, “há interesses convergentes também quando as estruturas de transporte são instaladas com o objetivo de resolver os principais gargalos que dificultam ou impedem os fluxos de pessoas e bens pela cidade. É essencial ainda que estas intervenções ocorram com a menor quantidade possível de remoções de famílias e quando tais reassentamentos forem inevitáveis, que eles ocorram com o respeito dos direitos à moradia dos cidadãos”.
Mesmo questionando a concentração dos projetos na Barra da Tijuca, Raeder elogia as obras de ampliação do metrô e a implantação dos BRTs que irão seguir até a região. “São outros ganhos que devem ser destacados”.
Seul e Barcelona
As transformações urbanas por conta da realização dos Jogos Olímpicos têm como maiores exemplos positivos Seul (1988), Coreia do Sul, e Barcelona (1992), Espanha. As intervenções sofridas em ambas cidades são exemplos bem sucedidos de recuperação de áreas degradadas, subutilizadas ou com problemas de ocupação territorial espacial, além de serem antigas e deterioradas.
Em suas pesquisas sobre relações espaciais em sedes de megaeventos esportivos, Sávio Raeder destaca as mudanças que acontecerem em ambas cidades-sede na Olimpí
;ada. “Há quatro variedades de intervenções urbanas recorrentes nas edições de Jogos Olímpicos ou de suas versões regionais. São elas: arenas esportivas; infraestruturas de transporte; vilas residenciais; e reassentamento de famílias. É possível afirmar que estas intervenções foram realizadas em Barcelona com sucesso uma vez que elas ocorreram consoante com os desafios urbanos previamente reconhecidos e, em boa parte, planejados. Isto é, Barcelona tinha clareza sobre como as obras realizadas para os Jogos de 1992 poderiam se transformar em legados promotores de melhorias das condições de vida de seus cidadãos.”
Já com relação a Seul, de acordo com o especialista, as intervenções também provocaram significativas mudanças urbanas. “Contudo, há muitas críticas relacionadas às remoções de famílias realizadas: ela atingiu a casa de milhares de famílias e há registros de desrespeito dos direitos de moradia destas famílias.”
Ainda sobre as transformações urbanas em função dos Jogos Olímpicos, Sávio Raeder afirma que somente depois de 1960 é que se iniciou uma fase de investimentos além das praças esportivas, com a implementação de grandes projetos urbanos. “Não é possível comparar a escala de intervenções de Melbourne (1956) com aquelas realizadas a partir dos Jogos de Seul (1988). Roma (1960) e Tóquio (1964) iniciaram um ciclo de intervenções em transporte mais significativo e uma preocupação maior com os legados urbanos dos Jogos. Antes destas Olimpíadas, as intervenções ocorriam principalmente na construção das arenas esportivas e de vilas residenciais”.
Riscos dos grandes eventos
Apesar da defesa insistente de organizadores e governantes na realização de um grande evento, nem sempre a ideia de conquista de imagem torna-se positivo ao país sede. “Em Pequim (2008), constatou-se que a potência emergente mostrou o seu poder com grandes arenas e espetáculos de abertura e encerramento primorosos. A China soube aproveitar a oportunidade ofertada neste sentido. Contudo, as fragilidades em relação aos direitos humanos foram escancaradas com as inúmeras remoções noticiadas e as restrições à informação imputadas. Pequim foi vitrine e, ao mesmo tempo, vidraça por conta dos Jogos”, conclui Sávio Raeder. Hoje, a propósito, o famoso estádio Ninho de Pássaro — palco da abertura e encerramento da Olimpíada de Pequim — recebe turistas maravilhados, mas são raros os eventos esportivos.
Privilegiar áreas
negligenciadas favorece cidade
Na discussão sobre onde seria mais adequado privilegiar em uma cidade obras para megaeventos, São Paulo sofre debate semelhante no caso da construção de seu estádio para sediar a Copa do Mundo de 2014. Sérgio Guimarães Pereira Júnior, ex-presidente da Associação das Empresas de Loteamento e Desenvolvimento Urbano do Estado de São Paulo (AELO) e que hoje dirige a empresa especializada em urbanização Vallor Urbano, discorda dos que defendem a implementação de arenas esportivas em áreas centrais. “A grande vantagem da escolha da Zona Leste para o estádio é seu efeito multiplicador. Temos uma vasta possibilidade de extensão urbana na região, há décadas negligenciada e que, caso sejam tomadas as necessárias providências, serão um divisor de águas na história da urbanização”.
De acordo com ele, seria muito mais viável o incentivo a outras operações urbanas na região central da capital paulista. “Muito menor do que a Zona Leste, lhe agregaria maior valor do que um estádio de futebol o incentivo a construção de torres comerciais e de serviços, aliadas a edifícios residenciais que melhor aproveitariam a infraestrutura já instalada”. Pereira Júnior afirma que “a garantia de mobilidade, a readequação do sistema viário, integração completa aos serviços de transporte público de massa” são fundamentais em regiões com arenas esportivas.
Fonte: Estadão