Inventário das técnicas usadas para construir as duas pistas

Os dez anos da holding Ecorodovias – e das obras que a concessionária Ecovias tem realizado no Sistema Anchieta-Imigrantes – instigam a elaboração de um inventário das técnicas utilizadas na construção da rodovia dos Imigrantes, sobretudo aquelas destinadas a superar os obstáculos naturais da Serra do Mar.

A rodovia, como um todo, chegou a ser considerada pelo professor José Carlos de Figueiredo Ferraz, cujo escritório se debruçou nos estudos para os projetos de engenharia ali executados, como uma obra de arte por inteiro. – Uma ousada obra de arte que começou com as obras no Planalto, continuou enfrentando chuvas, neblina e, sobretudo, terrenos com rastejo e tálus na Serra do Mar e prosseguiu Baixada adentro, tendo pela frente um terreno com baixíssima capacidade de suporte. Não foi por outro motivo que uma das matérias da revista O Empreiteiro, na época, teve o seguinte título: “Imigrantes rompe o mangue e caminha sobre lençol de areia”.

A Serra do Mar é literalmente um desafio colocado para a engenharia – tanto a rodoviária quanto a ferroviária. O geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, no livro A grande barreira da Serra do mar (Da trilha dos tupiniquins à Rodovia dos Imigrantes – editora O Nome da Rosa), sintetiza o que ele chama de “movimentos de massa” (escorregamentos) do maciço: “As encostas são conhecidas por sua suscetibilidade natural a movimentos de massa ou escorregamentos (popularmente conhecidos como `desmoronamentos´ e `queda de barreiras´ de diversos tipos. Essas movimentações de solos e blocos de rocha devem-se à combinação de fatores ligados ao relevo (declividade das encostas), à pluviosidade e aos diversos materiais e características geológicas envolvidas. Invariavelmente a ação do homem, através de desmatamentos e cortes nas encostas, induz a ocorrência de movimentos de massa, no caso, não naturais”.

Cortes e aterros são considerados hojeoperações de risco na Serra do Mar

Colocadas essas peculiaridades, estava ali o obstáculo a ser superado. E a nova rodovia (Imigrantes) não deveria ser igual à via Anchieta que, segundo o geólogo, até hoje continua a colher os frutos amargos de sua inadequação técnica, em relação ao maciço. Decidida a construção, sob a responsabilidade da Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S.A.), entrou em campo, em fins de 1960, o consórcio formado pelo Escritório Técnico J. C. de Figueiredo Ferraz (hoje Figueiredo Ferraz Consultoria e Engenharia de Projeto) e a Alpina Spa, empresa italiana com ampla experiência em obras construídas em regiões montanhosas, especialmente nos Alpes Italianos, que vencera a concorrência para o trecho da Serra.

Os projetos de engenharia ao longo do maciço, composto de solos coluvionais e tálus, exigiriam uma abordagem diferente daquela usada na Anchieta. A nova estrada jamais deveria ser uma sucessão de cortes e aterros, mas uma sucessão de túneis e viadutos intercalados por obras de terraplenagem. E, para a garantia da estabilidade das estruturas, que poderiam ficar suscetíveis ao rastejo e aos tálus, foram projetados anéis externos envolvendo os tubulões, cravados nas fundações dos viadutos, para protegê-los da eventual movimentação do maciço durante muitos anos.

Quando a via Anchieta foi construída, ainda não era difundida a técnica da aerofotogrametria, introduzida pelo engenheiro Phúlvio Rodrigues no projeto da estrada São Paulo-Curitiba. Já na Imigrantes, essa técnica pôde ser utilizada. Contudo, dadas as peculiaridades da mata e do relevo, foi preciso uma tecnologia especial para a criação da infraestrutura cartográfica para a estrada.

A Imigrantes ainda receberia uma notável invenção: o sistema Bernold, suíço, utilizado na construção dos túneis. A obra ensejou a criação e a aplicação do sistema Cetenco-Arnaud, uma versão simplificada do método de couraça (shield), que pode ser empregado em solo e em rocha alterada. É, na prática, uma evolução do sistema Bernold.

As obras na serra na década de 1940 inspiraram O sistema de emboque dos túneis reduziu
os avanços para as obras posteriores possibilidade de impacto ambiental

Na região de tálus foi concebido um sistemade proteção dos tubulões dos viadutos

Amostragem do sistema empregado no viaduto “empurrado”

Ali também foram usadas células de emboque de túneis, formas telescópicas e cambotas metálicas para aplicação de concreto projetado. A primeira pista representou um notável avanço técnico nas obras de arte (20 viadutos totalizando 8.134 km), tanto pela estética e pelos grandes vãos, quanto em razão das enormes alturas.

Todas essas técnicas constituiriam uma rica contribuição para a fase seguinte da Imigrantes – a segunda pista – cujo projeto ficaria a cargo da Figueiredo Ferraz Consultoria e Engenharia de Projeto. Ela contou com a participação de outras duas empresas projetistas internacionais: a In.co e a Geodata, ambas italianas e detentoras de vasto conhecimento de projetos de viadutos e túneis. Dessa contribuição nasceu o consórcio projetista Ecoenge. Depois, a CR Almeida, a Primav e a Impregilo formaram o consórcio construtor.

Na segunda pista

A segunda pista beneficiou-se do conhecimento acumulado nos projetos e nas obras anteriores. Ali foi reduzido o número de túneis. Em trecho de 21 km de extensão há apenas três dessas obras, totalizando 8,23 km e nove viadutos somando 4,27 km, sequenciados num declive de 730 m.

Algumas inovações, resultantes dos avanços da engenharia rodoviária, são evidentes. A distância entre os pilares dos viadutos, por
exemplo, foi aumentada. Se, na primeira pista, o espaçamento era de 40 m, na segunda passou a ser de 90 m. Em consequência, houve menos interferência no meio ambiente e maior leveza nas estruturas.

Além disso, inovou-se também na arte de construir aquelas estruturas. Ao lado de viadutos construídos com a técnica clássica dos balanços sucessivos, o consórcio construtor utilizou a técnica dos deslocamentos progressivos (ponte empurrada), conforme lembra a Figueiredo Ferraz Consultoria e Engenharia de Projeto. No caso, a superestrutura em seção caixão, com vãos típicos de 50 m, é executada pelo método dos deslocamentos progressivos a partir de um canteiro situado na área de um dos encontros do viaduto. A execução é feita por deslocamentos de segmentos de tabuleiro de comprimento igual à metade do vão típico, com solidarização estrutural garantida pela continuidade das armaduras convencionais e de protensão.

Na construção do viaduto de interligação da Imigrantes com a Anchieta, no km 41 (trecho Planalto), houve outra inovação: para garantir gabarito de 5,5 m durante a obra, de modo a evitar problema com o tráfego pesado no local, a Mills projetou e implantou cimbramento “invertido”, composto de formas de concretagem Aluma, penduradas por meio de tirantes. E a Este Engenharia utilizou, nos túneis, um dispositivo que ela patenteou com o nome de Ancordren, recomendado para a contenção de taludes com uso de ancoragem drenante.

Sobre os emboques dos túneis

Um aspecto importante da construção da pista descendente (2002) diz respeito aos emboques dos túneis. Os cuidados tiveram em vista o mínimo impacto ambiental, a máxima segurança operacional e o uso de espaços mínimos. Houve a opção por emboques estruturais, através de cortinas atirantadas, em vez de terraplenos, evitando-se desmatamento e escavações.

Outras técnicas, que espelham o propósito de inovar e estimular o desenvolvimento da engenharia rodoviária, estão sendo divulgadas no corpo de outras matérias desta edição. Elas dizem respeito, por exemplo, a providências de segurança nos túneis, à tecnologia do asfalto-borracha, já consolidada, e a medidas de proteção ao meio ambiente.

Fonte: Padrão

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