Com investimento recorde, concessionárias temem escassez de construtoras. Entidades setoriais negam risco

Com investimento recorde, concessionárias temem escassez de construtoras. Entidades setoriais negam risco

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Nos últimos dois anos, o Brasil tem vivenciado um boom de investimentos em infraestrutura e concessões em áreas como rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e redes de saneamento. Esse cenário foi intensificado por políticas públicas que buscam atrair capital privado e reduzir o déficit histórico do setor no País. Contudo, esse movimento acendeu o alerta das concessionárias para a falta de empreiteiras para dar conta de tantas obras.

A agenda de parcerias público-privadas (PPPs) federais e estaduais, somada a investimentos de grandes empresas e consórcios internacionais, resultou em um volume significativo de novos projetos. Entre os destaques estão concessões de rodovias estratégicas, modernização de portos e terminais, concessões de saneamento impulsionadas pelo novo Marco Legal do Saneamento, e projetos de mobilidade urbana. Além disso, há uma atenção crescente para iniciativas de energia renovável e transição energética, o que tem agregado ainda mais complexidade ao setor.

Tanto no âmbito federal quanto nos Estados, tem havido um crescimento grande de leilões de infraestrutura. O governo federal revelou que pretende realizar no atual mandato 35 projetos só de rodovias. Estados como São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais e Rio Grande do Sul têm recorrido às concessões e PPPs para alavancar investimentos em diversas áreas da infraestrutura.

No entanto, esse movimento trouxe um desafio inesperado: a capacidade das empreiteiras brasileiras para atender à alta demanda por obras. A Operação Lava Jato, iniciada em 2014, teve um impacto profundo no setor de infraestrutura e construção civil no Brasil. Embora tenha contribuído para o combate à corrupção, sua condução errática gerou consequências negativas para o mercado de empreiteiras, especialmente em relação à sua capacidade de atender à demanda por grandes obras.

De 2011 até 2023, a receita bruta anual das 25 maiores construtoras do País foi de cerca de R$ 50 bilhões para pouco menos de R$ 39 bilhões, segundo levantamento da revista O Empreiteiro. As vagas caíram de 322 mil para 88 mil. Muitos profissionais da construção mudaram de carreira. A pressão sobre o setor da construção civil tem sido agravada pela falta de mão de obra qualificada, aumento nos custos de materiais e dificuldades logísticas.

Em manifestações recentes na imprensa, gestores de empresas como a Sabesp, recentemente privatizada, e a CCR, uma das maiores empresas de infraestrutura de mobilidade do País, declararam que estão apreensivos com a possível falta de fornecedores de serviços de engenharia e construtoras com expertise em grandes obras.

Com estimativa de investimentos na casa dos R$ 69 bilhões para os próximos cinco anos, o presidente da Sabesp, Carlos Piani, cita a ameaça de faltar fornecedores como um dos maiores riscos à execução dos projetos da empresa. “O mercado de obras passou por uma grande dificuldade pela questão da Lava Jato e, hoje, há um número menor de empresas”, revelou o executivo ao Estadão. Segundo ele, há mais empresas pequenas e médias, mas será preciso muitos prestadores de serviço, “de todos os tamanhos”.

“Começamos a enfrentar um gargalo de disponibilidade de fornecedores, pois estamos vivendo um superciclo de infraestrutura, considerando o que já está contratado em investimentos”, afirmou à Veja Negócios o presidente da CCR Rodovias, Eduardo Camargo. “Isso ocorre em um momento pós-Lava-Jato, em que já não temos mais as grandes companhias de construção pesada. As empresas médias estão se estruturando para ocupar esse espaço e algumas das grandes estão retomando, mas ainda com uma capacidade financeira menor do que antes”, completa.

Entidades contestam risco de apagão da indústria da construção

Para Luiz Antônio Messias, vice-presidente para Infraestrutura, PPPs e Concessões do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP), não há risco de faltar empreiteiras com capacidade de executar todo tipo de obra no País. “Temos inúmeras empresas com capacidade de executar qualquer projeto. Inclusive com a formação de consórcios entre elas, que as capacitariam, técnica e financeiramente, para executá-los. Setores público e privado tem permitido consórcios, dividindo o projeto em partes menores, desde que não se perca a economia de escala”, assinala Messias.

Sobre as obras de concessões e PPPs, o executivo do Sinduscon-SP pondera que “em outros tempos os concessionários eram empreiteiras e as obras eram executadas elas mesmas. Porém, atualmente, os concessionários são investidores e estes estão espremendo os preços, o que afugenta empresas sérias e competentes. O problema não está na capacidade técnica operacional das companhias”.

Com relação à falta de mão de obra, Messias lembra que o Sinduscon-SP e várias outras entidades estão tomando providências para solucionar esta escassez, como treinamento, valorização e “propondo medidas para apoiar essa mão de obra com auxílios sociais”.

“Não existe o risco de tornar inviáveis os investimentos previstos em infraestrutura por falta de empreiteiras”, faz coro Humberto Rangel, diretor executivo do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada-Infraestrutura (Sinicon). “As empresas estão tomando as medidas necessárias para fazer frente aos desafios do crescimento acelerado dos projetos de infraestrutura. Aliás, como sempre fizeram, e com sucesso, nas retomadas das atividades depois de periódicas crises que o País enfrentou”, completa.

Engenharia acumula expansão de 80% em 5 anos

Rangel destaca que são bastante conhecidos os impactos que atingiram o setor da construção pesada no Brasil nos últimos anos, que resultaram na queda significativa do faturamento em relação há 12 anos. “Contudo, quando se reduz o intervalo de tempo da comparação para um período de cinco anos, verificamos uma excepcional retomada com uma variação positiva de cerca de 80%. Ou seja, estamos em pleno período de recuperação das receitas das empresas de engenharia no setor”, sublinha o executivo.

Segundo ele, os problemas de mão de obra ultrapassam o ramo da construção pesada e vem sendo enfrentados em outros segmentos e se constituem em foco de atenção que se expressam por meio do esforço que o setor desenvolve principalmente no sentido do treinamento e qualificação em todos os níveis. “É preciso deixar claro que não há risco de apagão de mão de obra no setor de construção pesada. Historicamente, temos uma mão de obra de qualidade e que sempre entregou contratos com excelência técnica. Isso é muito comentado, inclusive, por parceiros estrangeiros que se associaram em contratos no Brasil e em outros países”, diz Rangel.

O diretor do Sinicon lembra de um aspecto que indiretamente responde à preocupação de apagão da indústria da construção é o fato de que algumas empresas do setor continuam atuando no mercado externo. “Mesmo sem o apoio de uma política de financiamento às exportações de serviços, com a que ocorreu nos anos 1970, essa atividade sobrevive, a despeito da condição desfavorável quando em competição com empresas do exterior que dispõe do apoio de seus países de origem. O Brasil desenvolveu uma longa trajetória de desenvolvimento de sua engenharia e evoluiu da condição de importador de serviços de engenharia, a partir do pós-guerra, para uma condição de exportador de serviços.”

Ele lembra que iniciativas recentes do governo federal como o programa Nova Indústria Brasil (NIB) e o Novo PAC são estimulantes para que essa retomada aconteça de forma acelerada a partir de 2026. “Embora o NIB seja uma política pública focada prioritariamente para a indústria na sua conceituação clássica, ou seja, unidades de produção fixas e com produtos de linha—gerando assim novas plantas a serem construídas– há também uma vertente de apoio ao setor da construção de modo geral. E o Sinicon pleiteia uma política específica para o setor da Engenharia”, revela.

Rangel lembra que o ramo da construção tem agilidade e grande capacidade de recuperação. “É importante destacar que é característica do setor de construção em geral e da construção pesada em particular a flexibilidade de ajuste rápido de sua capacidade de produção. Há fatores como um sólido setor de locação de equipamentos que viabiliza uma mobilização rápida”, conclui.


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