* Janice Espallargas
A Lei n. 8.666/93, Lei Geral de Licitações e Contratos administrativos, à época de seu surgimento, tinha por intuito, além de adequar-se à Constituição Federal de 1988, mitigar ou até mesmo tentar extinguir a discricionariedade e a corrupção que permeavam as contratações públicas no Brasil. Quase vinte anos depois de sua promulgação, e tendo sofrido diversas modificações ao longo do tempo, o diploma começa a dar sinais de fadiga, sofrendo para combater os males que outrora lhe motivaram a edição.
Paralelamente, a realização da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016 no Brasil demanda infraestrutura impecável. Assim, optou o Governo Federal pela edição de um novo diploma: o Regime Diferenciado de Contratação, através da Lei 12.462/11, uma vez que o procedimento da Lei Geral é demasiadamente moroso.
A Lei do RDC se reveste de questionamentos no tocante à sua constitucionalidade. Em primeiro lugar, por ser originária da Medida Provisória 527/11, que não versava originalmente sobre o tema das licitações, o que viola artigo 7º, I e II, da Lei Complementar n. 95/98, já que a lei trata de mais de um assunto. Em segundo lugar, por afronta aos artigos 22, XXVII e 37, XXI, da Carta da República porque o artigo 1º da Lei 12.462/11 outorgou o poder de definir o regime de determinada licitação ou contrato ao próprio destinatário das limitações que a lei deve consignar, violando os princípios da isonomia e da moralidade administrativa. Naturalmente, tal situação ocasiona insegurança jurídica, especialmente em razão de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade em tramitação hoje no STF (ADI 4.645 e ADI 4.655).
Assim, ao invés de uma grande reforma, optou-se pela promoção de um “balão de ensaio”, para verificar a viabilidade e eficiência de um novo regime, utilizando como pretexto a realização dos megaeventos esportivos, para posteriormente – acreditamos – passar às alterações na legislação licitatória nacional, em havendo sucesso.
A decisão, puramente política, do Governo Federal, dessa forma, ocasionou a edição “de afogadilho” de uma norma que carece da segurança jurídica essencial a um regramento que verse sobre tema de tamanha relevância como o é o das licitações e contratos administrativos. Corrobora essa tese a promulgação da Lei n. 12.688/12, que adicionou as obras do Plano de Aceleração do Crescimento àquelas suscetíveis da adoção do Regime Diferenciado de Contratação, sem o devido debate.
Os desdobramentos da adoção de uma norma sui generis não podem ainda ser mensurados. Tememos que os efeitos venham a surgir, ou venham a ser identificados, somente após a realização dos eventos esportivos em comento, com prejuízo grande ao erário e à sociedade brasileira.
O Regime Diferenciado de Contratações Públicas traz consigo normas muito benéficas e necessárias a uma melhor regulamentação das licitações e contratos no Brasil. A maneira como foi feito, porém, faz com que o estatuto se revista de dúvidas e incertezas.
*Janice Espallargas, advogada, é sócia e responsável pela área de Direito Público da Espallargas Gonzalez Sampaio Fidalgo Advogados.
Fonte: Revista O Empreiteiro