Municípios ricos, população pobre

Nas últimas décadas, o Brasil conquistou grandes crescimentos na área da economia, mas que pouco avançou no que diz respeito nas questões sociais. A afirmativa, aparentemente óbvia, está documentada no diagnóstico Indicadores de Desenvolvimento Sustentável 2008 (IDS 2008), publicado recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com base em uma ampla pesquisa realizada a partir de 60 indicadores, o documento revela um País marcado por profundas contradições e grandes passivos a serem sanados, tanto em relação às suas desigualdades sociais, geradas por um modelo de distribuição de renda concentrador, quanto no que tange aos problemas de infra-estrutura, saúde e moradia. As análises sob esses dois aspectos parecem sinalizar que o Brasil ainda não definiu que rumos deverá seguir para alcançar um desenvolvimento sustentável.

E é justamente no âmbito do município – são 5.562, em todo o País – que é a entidade pública mais próxima do cidadão, e onde tudo começa, que essas contradições se explicitam mais fortemente. Elas se tornam mais visíveis através da análise de 19 indicadores de dimensões sociais, que correspondem aos objetivos ligados à satisfação das necessidades humanas, melhoria da qualidade de vida e justiça social. E estão divididos nos seguintes temas: população, trabalho e rendimento, saúde, educação, habitação e segurança.

Conforme se observa na pesquisa do IBGE, o Brasil tem assistido a melhorias nas estatísticas de acesso a alimentação, educação, trabalho, rendimento e situação das mulheres. Porém, os ganhos ainda são modestos e bastante desiguais em sua distribuição pelo território nacional, no que diz respeito ao saneamento básico, mortalidade infantil, adequação das habitações, entre outros.
Os avanços são mais significativos nos municípios do Sudeste e Sul, em contrapartida a um cenário precário nas cidades das regiões Nordeste e Norte.

Saúde e saneamento

Observe-se, por exemplo, a questão dos domicílios ligados a redes de abastecimento de água, esgotamento sanitário por rede coletora ou fossa séptica, coleta de lixo direta ou indireta – considerados fortes indicadores para a qualidade de vida da população. Embora esse indicador tenha melhorado nos últimos anos, alcançando 54,0% dos domicílios particulares permanentes em 2006, ainda são acentuadas as diferenças regionais. Enquanto no Sudeste 70,0% dos domicílios são adequados, no Norte, a proporção cai para 23,7%. Entre as unidades da federação, as desigualdades também são marcantes. No Amapá, apenas 11,7% dos domicílios são adequados, enquanto em São Paulo esse percentual alcança 73,5%.

Na investigação sobre as internações ocorridas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) motivadas por um grupo de doenças relacionadas ao saneamento ambiental inadequado, como as diarréias, febre amarela, dengue, leptospirose, as micoses e outras, verificaram-se, mais uma vez, desigualdades regionais e intra-regionais, apesar da redução sensível do número de internações em todo o país, que caiu de 732 pessoas por 100 mil habitantes, em 1993, para 327 pessoas em 2005.

Ainda em 2005, enquanto na região Norte 694 pessoas por 100 mil habitantes foram internadas, no Sudeste chegou-se a 127 internações por 100 mil habitantes. Outra comparação significativa: enquanto nos municípios do estado do Acre foram registradas 997 internações por grupos de 100 mil habitantes, e no Piaui, 963 internações para cada 100 mil, em São Paulo e no Rio de Janeiro registra-se 98 e 112 internações, respectivamente, por 100 mil habitantes.

IDH “vesus” PIB

Outro índice revelador da qualidade de vida dos brasileiros é o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), uma medida comparativa de riqueza, alfabetização, educação, esperança média de vida, natalidade e outros fatores. Trata-se de uma maneira padronizada de avaliação e medida do bem-estar de uma população, especialmente o bem-estar infantil. O índice foi desenvolvido em 1990 pelo economista paquistanês Mahbub ul Haq e vem sendo usado desde 1993 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no seu relatório anual.

O índice varia de zero (nenhum desenvolvimento humano) até 1 (desenvolvimento humano total), sendo os países classificados do seguinte modo: quando o IDH de um país está entre 0 e 0,499, a qualidade de vida dos seus habitantes é considerada baixa. Se o IDH está entre 0,500 e 0,799, a qualidade de vida é considerad média. Um IDH entre 0,800 e 1, é indicador de qualidade de vida alta.
No topo da lista do IDH mundial estão países como a Islândia, Noruega, Austrália, Irlanda, Suécia, Suiça, Japão, Países Baixos e França. Todos com indicadores superiores a 0.953.

Segundo o Relatório IDH 2007/2008, o Brasil entrou pela primeira vez para o grupo de países com elevado desenvolvimento humano, com um índice medido em 0.800 no ano de 2005. No ano anterior, esse indice era de 0.792. A posição do Brasil é a 70ª no ranking mundial, logo abaixo da Macedônia (0.801) e acima de Dominica (0.798), entre 177 países-membros das Nações Unidas.

Mas se engana quem acredita que o IDH cresce na razão direta do desenvolvimento econômico. Pelo menos no Brasil não é assim que a coisa funciona. Um exemplo: a riqueza produzida pelo refino do petróleo garantiu ao município de São Francisco do Conde, no Recôncavo Baiano, o PIB per capita mais alto do Brasil e um PIB Bruto de quase R$ 10 bilhões anuais. Naquele município fica a Refinaria Landulfo Alves, da Petrobras, a segunda maior do País, responsável pela contribuição de R$ 750 milhões/ano em ICMS, o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal.

É o dobro do PIB do Haiti. Porém, na prática, a vida dos moradores é parecida com a dos haitianos. A administração pública parece indiferente às carências de saneamento, moradia e educação.

Metade dos franciscanos ganha menos de R$ 200 mensais. O ganho médio por mês da população é pouco mais de um salário mínimo a (R$ 415,00). Para cuidar da cidade, a prefeitura recebe todo ano mais de R$ 200 milhões em impostos. E além dos impostos, recebe ainda royalties da Petrobras. Apesar disso, boa parte da população vive em palafitas construídas no manguezal da cidade, ao lado da refinaria, ou em casebres sobre os dutos que transportam toneladas de gasolina, nafta, óleo diesel e GLP.

Nas próximas páginas, veja na tabela
as contradições evidenciadas entre o PIB e o IDH dos 200 maiores municípios brasileiros. Veja também exemplos de cidades que experimentam recente crescimento econômico e estão aprendendo a transformá-lo em qualidade de vida para milhões de brasileiros.

Fonte: Estadão

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