Passados mais de ano e meio do desastre ocorrido no túnel da estação Pinheiros do Metrô, ainda não se exauriram os debates técnicos que procuram explicar as causas do colapso. O acidente aconteceu no dia 12 de janeiro de 2007, provocou sete óbitos e traumatizou a vida da cidade. Contratado pela Companhia do Metrô (contrato no valor de R$ 6,55 milhões), o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), elaborou laudo detalhado listando 11 fatores que explicariam a tragédia.
Por seu turno, o consórcio Via Amarela, responsável pelo conjunto das obras da linha 4 (Amarela), contesta o laudo, a partir de parecer desenvolvido por um grupo de engenheiros e consultores independentes. E afirma que foram três fatores geológicos que, combinados, produziram as circunstâncias “peculiares e inusitadas” em que o desastre aconteceu.
Em seu parecer, o consórcio informa que desde o primeiro momento manifestou interesse em colaborar com as autoridades para esclarecer as causas do acidente. Assim, constituiu um grupo de trabalho de alto nível, cujos profissionais, paralelamente ao trabalho desenvolvido pelo IPT, foram a campo, colheram amostras, estudaram atentamente o local, adotaram procedimentos de caráter quase arqueológico, analisaram o material, estudaram planilhas, o detalhamento do projeto e os procedimentos adotados na obra, para “fornecer à sociedade, à comunidade técnica e à engenharia brasileira, a mais transparente análise capaz de esclarecer os fatos”. Com esse empenho, ainda em março passado, o Consórcio apresentou do consultor Nick Barton, geólogo britânico.
“Pela complexidade técnica do assunto” – assinala o consórcio – “o relatório só pôde ser concluído depois da análise de campo, do estudo de planilhas, e do detalhamento do projeto, trabalhos esses que só foram possíveis de realizar após a retirada dos escombros”.
Com isso, chegou a um relatório técnico com mais de 800 páginas que mostra que o acidente na estação Pinheiros do metrô foi causado pela ocorrência de três fatores geológicos simultaneamente combinados, em circunstâncias totalmente peculiares e inusitadas.
O parecer do Consórcio Via Amarela mostra que, a exemplo de situações semelhantes em obras subterrâneas em outras regiões do todo o mundo, “não há uma causa única. O que mais se aproxima da resposta para as causas do acidente pode ser atribuída a fatores geológicos, somados à imprevisibilidade”.
O relatório aponta que a soma de fatores como a não ocorrência de arqueamento do maciço, o efeito lubrificante da biotita e a presença concentrada de material geológico mole, a metabásica, ao longo das paredes do túnel, convergiram para um regime de forças impossível de ser suportada pelo túnel. Outra constatação é de que, no período que antecedeu ao acidente – “mesmo sendo tomadas todas as precauções e, trabalhando dentro da mais absoluta margem de segurança”, não foi possível prever o colapso, que aconteceu de forma abrupta. Segue o relato exposto no relatório:
Para o grupo de estudos do Consórcio Via Amarela, as causas do acidente começam pela falta de arqueamento do maciço naquela região. A rocha dura sobre o centro do túnel e a rocha “alterada” e mais fraca aos lados prejudicaram o processo de arqueamento do túnel, que, em condições normais, teria capacidade de conter o material sobre ele.
No relatório do Consórcio consta a seguinte informação sobre arqueamento:
Mecanismo do colapso. “Os deslocamentos verificados devido ao enfraquecimento natural do maciço junto ao pé das cambotas ou no rebaixo ao longo do túnel, face à presença das lentes de metabasito decomposto e de biotita, levaram a perda de arqueamento e maior carregamento pelas grandes cunhas que se formaram, limitados transversalmente pelas descontinuidades NW, sobre o túnel.”
O trabalho também revela como contribuição para o esclarecimento das causas do colapso a existência do mineral biotita. Trata-se de um material que se fragmenta com facilidade. É encontrado em quantidade, posição e distribuição completamente diferentes das previsões feitas em estudos anteriores.
No relatório do consórcio, no item IV – Geologia Geotecnia – relatório Georg Sadowski, consta:
Descrição dos corpos litológicos. “b. biotita xistofriáveis: durante a escavação do nível 692 notou-se a presença de lentes ou camadas extensas de bandas biotíticas muito friáveis, algumas das quais com restos de bouldins de rocha básica totalmente intemperizada.”
A existência da rocha metabásica só foi possível constatar depois da retirada do material escombrado. As imagens que integram o relatório foram captadas após a lavagem do piso, feita com a retirada dos escombros. Esta era a única situação possível para a descoberta e realização desse registro. Este nível de presença de rocha metabásica – material frágil e mole – no subsolo do terreno, ao pé do túnel, revelou-se o terceiro fator que tornou o acidente completamente imprevisível.
No item de resumo do relatório (eng. Nieble) IV – Geologia Geotecnia consta:
“Nas rochas metabásicas e gnaisses com grande concentração de biotitas, quando afetadas por falhamentos e zonas de cisalhamento, o processo de alteração pode atingir grandes profundidades, como se constata no local, estendendo-se em níveis abaixo do piso final da escavação, resultando em grandes oscilações difíceis de serem detectadas e avaliadas adequadamente em sondagens.”
Segundo o relatório do Consórcio Via Amarela, o colapso repentino das estruturas reforça o caráter abrupto e imprevisível da ocorrência.
O trabalho também refuta as “inconsistências do relatório do IPT”:
1. Inexistência de gestão de risco, planos de contingência e de emergência: “A rua Capri, epicentro do acidente abrupto, somente pôde ser bloqueada após o colapso. Mesmo assim, o plano de emergência do Consórcio Via Amarela retirou com pleno êxito e segurança os moradores vizinhas à obra”.
2. Não-conformidades. – “… as enfilagens são tubos metálicos que protegem estruturalmente a execução da abóbada do túnel durante a escavação. A análise dos boletins demonstra que nenhuma seção ficou sem sobreposição e o último trecho suprimido de enfilagens seguiu o projeto e foi exatamente o trecho do túnel que não desmoronou”.
3. Aprofundamento da rampa. “A rampa em questão foi feita no eixo do túnel da estação e o aprofundamente foi executado onde as paredes já estavam revestidas”.
4. Detonação no dia do acidente. &nda
sh; “A única detonação ocorrida na região do acidente foi realizada às 8h20 da manhã, mais de seis horas antes do colapso”.
5. Comportamento anômalo indicado pela instrumentação. – “… houve duas instrumentações no dia do acidente, uma delas pela manhã, que não registrou anomalias graves. A segunda ocorreu momentos antes do colapso e, portanto, não foi utilizada”.
6. Projeto X estrutura geológica – estudos geológicos. – “… foram consideradas todas as informações do modelo geológico. Porém, as circunstâncias da presença de rocha metabásica no local, assim como a ausência de arqueamento do maciço, não constam de nenhum dos estudos”.
7. Pressão da água. – “A coluna d´água citada diz respeito à presença de lençol freático na faixa de aluvião que alimenta o rio Pinheiros, a mais próxima da superfície, sendo ela independente, não exercendo pressão no revestimento”.
8. Modificação na seqüência no primeiro rebaixo. – “É comum escavar túneis nos dois sentidos, porque esta é uma maneira mais eficiente de se realizar a tarefa”.
9. Maior profundidade do primeiro rebaixo. – “Simulação de cálculos feitas pelo Consórcio dão conta de que a diferença de profundidade na escavação provocou efeito desprezível sobre o coeficiante de segurança”.
10. Inversão do primeiro rebaixo. – “É importante observar que a seqüência se submete aos limites regulamentares de vibração estabelecidos pelas normas brasileiras”.
11. Falta de Tirantes. – “A colocação de 340 tirantes sistemáticos foi determinada na véspera do acidente”.
Integraram o grupo de trabalho do Consórcio Via Amarela, que produziu o parecer técnico, os engenheiros Carlos Eduardo Moreira Maffei, Georg Robert Sadowski, Carlos Manoel Nieble e Luiz Guilherme F. S. de Mello.
Fonte: Estadão