O dilema da opção nuclear.

No verão passado, no auge da escalada dos preços do petróleo, falou-se muito do nuclear como fonte de energia; depois, com o preço do barril de crude a baixar nas bolsas de matérias-primas, o tema parece ter perdido actualidade: Mas é ilusório pensar que a discussão está encerrada.

A questão energética é a questão central da humanidade e da sua solução irá depender o crescimento económico e, em última análise, o progresso e o bem-estar social.

Quer queiramos quer não, a controvérsia da opção nuclear continua na ordem do dia.

Construídas essencialmente nos anos 70 e 80, estão actualmente em funcionamento em todo o mundo cerca de 450 centrais nucleares, com uma potência instalada de 370 Gigawatts (GW). Elas encontram-se sobretudo nos EUA (104 centrais produzem 40% da electricidade consumida), na França (59, produzem 78%), e ainda no Japão, na Rússia, no Reino Unido, na Coreia do Sul e na Índia. A energia produzida por todas as centrais nucleares existentes equivale a 16% de toda a energia eléctrica produzida a nível mundial. É de notar que em 2006 este valor era próximo da produção hidroeléctrica total do planeta!

Depois do acidente de Chernobyl, em 1986, houve uma diminuição na construção de novas centrais nucleares, alimentada pelos baixos preços do petróleo e pelo desenvolvimento das centrais a gás natural e ainda, naturalmente, pelo reflexo que tal acidente teve no conceito da segurança do nuclear. Daí resulta que 90% das centrais hoje existentes tenham mais de 15 anos e sejam de 2.ª geração. Neste momento constroem-se centrais de 3.

ª geração, e já se prepara o desenvolvimento de uma 4.ª geração, mais seguras e mais eficientes. Em Março de 2007 estavam em construção 24 novas centrais na China, Índia, Rússia, Finlândia, Coreia e Japão. E muitos outros países anunciam novos projectos.

A construção de uma central nuclear constitui um longo processo. Para além da fase inicial de discussão e planeamento, a construção propriamente dita demorará pelo menos cinco anos, e o seu tempo de vida útil pode variar entre 40 e 60 anos.

Isto significa que muitas terão que ser construídas nas próximas décadas, se se quiser repor o número das que, entretanto, irão ser desactivadas.

O custo do KWh produzido por uma central nuclear é comparável ao das centrais térmicas a carvão. Porém, se considerarmos o custo adicional a pagar pelas emissões de CO2, o KWh da fonte nuclear pode ficar mais barato do que o produzido numa central térmica. Tenha-se em conta que uma central nuclear de 1 GW evita que 6 a 7 milhões de toneladas de CO2 sejam libertadas por ano para a atmosfera.

O urânio, combustível das centrais nucleares, é abundante na natureza, encontrando-se as maiores jazidas na Austrália, no Cazaquistão, no Canadá, nos EUA, na África do Sul, na Namíbia, no Níger, no Brasil e na Federação Russa.
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Países como a França ou a Alemanha já terão esgotado as suas reservas exploráveis. Aos preços actuais a extracção só se justifica se a concentração do minério permitir a produção de urânio a um custo inferior a 40 dólares por quilo. Porém, neste escalão, as reservas são limitadas. E a manter-se o actual consumo de urânio, de acordo com um estudo do Energy Watch Group, o mundo poderá ter de recorrer aos escalões de menor concentração já em 2030. O que significa urânio mais caro a breve prazo! Portugal ocupa neste aspecto uma modesta posição, pertencendo as suas reservas ao escalão de baixa concentração. A mineração só se justificará com preços de urânio acima de 80 dólares o quilo.

Em termos energéticos, sobretudo nos transportes e nas utilizações domésticas, o futuro da humanidade gravitará em torno da electricidade, a qual terá de ser produzida pelas chamadas fontes de energia primárias. Com o progressivo esgotamento dos combustíveis fósseis e com os problemas do aquecimento global, o recurso crescente às centrais nucleares parece inevitável. As fontes renováveis de produção de energia eléctrica (hídrica, eólica, solar) não concorrem nem poderão substituir as chamadas centrais de base. E, nestas, as opções no futuro serão apenas o carvão e o nuclear.



É por isso que, para uma geração privilegiada como a nossa, que usufruiu de energia abundante e barata, discutir a opção nuclear é um dever para com as gerações vindouras, que irão experimentar a penúria energética e as limitações e constrangimentos que ela acarreta. A alternativa seria analisar a hipótese de uma mudança cultural profunda que conduzisse essas gerações a uma adaptação eficaz a essa penúria e às limitações consequentes. O centro da discussão andará à volta de questões de segurança, do armazenamento dos perigosos resíduos das centrais nucleares, mas também dos problemas de aquecimento global e do esgotamento dos combustíveis à base do carbono.

Em Portugal a discussão já está aberta e vai certamente aprofundar-se no futuro. Os prós e os contras são muitos e de peso. Mas o dilema da decisão irá certamente ter que ser enfrentado pelos governantes mais cedo do que eles porventura desejariam. O afrouxamento dos motores do crescimento económico baseado no turismo e na construção civil podem obrigar a repensar alternativas de investimento às opções actuais. E esta é uma questão de estado, que não pode ser deixada ao sabor dos interesses do mercado nem à iniciativa de particulares.

Fonte: Estadão

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