O trem-bala está descarrilando

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O Trem de Alta Velocidade, o TAV, cujo projeto, inconcluso, foi lançado com pompa e circunstância, está descarrilando mesmo antes de ser colocado nos trilhos. Compreensível. Esse é o destino de todo empreendimento idealizado de costas para as exigências reais da sociedade.

Aos poucos, na medida em que aspectos técnicos e econômicos vão sendo esmiuçados e esclarecidos, ele perde força nas retas, tropeça nas curvas e corre o risco de não alcançar sequer a plataforma da primeira estação.

A premissa era boa: resolver o problema da ligação Rio-São Paulo-Campinas num piscar de olho. Havia até quem sonhava em sair de SP às 6 da manhã, tomar um banho em Copacabana às 8, e no máximo às 10 horas estar prontinho para uma reunião executiva. Mas a realidade, longe do papel, é diferente.

Primeiro, o projeto. Um empreendimento desse tipo requer trabalho que vá além da definição do traçado. Isso significa realizar completo estudo da geologia e de suas múltiplas interfaces técnicas de engenharia. Segundo: recursos para a elaboração dos projetos complementares e desenvolvimento de todas as fases da construção, compra de material rodante e a manutenção e a operação. Terceiro: garantia de demanda.

Não se pode partir para uma iniciativa dessa apostando-se apenas no desembolso de investidores privados. A consciência coletiva se apercebe de que, para fazer rodar um trem desse tipo, a exemplo daqueles que correm por trilhos europeus, são necessários subsídios a perder de vista; financiamento do BNDES com taxa de juros lá embaixo; parcerias com estatais (agora já se fala até em parceria com a Eletrobrás e com os Correios) e a segurança de que jamais o trem-bala circulará com número de passageiros aquém daquele previsto para garantir uma disponibilidade mínima de caixa. Senão, será o abismo.

Simultaneamente a isso, surgiram outros complicadores. Os fenômenos naturais, que resultaram na catástrofe ocorrida nas serras do Rio de Janeiro e em outras regiões brasileiras, determinaram um ajuste de pensamento e de sentimento no cidadão: Como construir trem de alta velocidade, que pode ser feito mais tarde em outras condições e circunstâncias, num momento em que tantas famílias precisam de socorro e amplas áreas do País, devastadas por chuvas e desmoronamentos, têm de ser reconstruídas? Não seria de numa perversidade sem fim inverter essa lógica?

Um dado que precisa ser desmistificado é o preço oficialmente apregoado para a iniciativa: R$ 33 bilhões. Análises mais ponderadas e menos apressadas indicam que o trem-bala, se construído, não ficará por menos de R$ 50 bilhões. E olhe lá.

Por tudo isso, vejo que o editorial do jornal FSP de ontem (13) alinha-se à preocupação da maioria dos brasileiros ao salientar: "Num país com carências tão gritantes de infraestrutura produtiva e social, parece difícil justificar o sentido público de um projeto antieconômico e de escasso impacto estratégico e tecnológico." – Pois é. Não há como justificar.

Fonte: Estadão


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